23 de novembro de 2011

10 BÁSICOS DE PORTO ALEGRE - Parte I

Verde e vibrante a capital do Rio Grande do Sul não é uma cidade óbvia. Em cada esquina esconde-se uma ou duas histórias, tal como algumas ruas têm mais do que um nome. Nesta terra austral, que é fruto de uma mão cheia de culturas europeias atravessadas pelo espírito dos índios guarani, bebe-se chimarrão, ritual do encontro em que cada despedida vale um abraço apertado.

Porto Alegre by Eurico Salis

1 – Luzes históricas

"Jamais sonhariam aqueles casais açorianos que da semente que lançavam ao solo nasceria o esplendor desta cidade." Estas são as palavras inscritas no monumento do escultor Carlos Tenius a celebrar a chegada a Porto Alegre, em 1752, de 60 casais açorianos ao abrigo do tratado de Madrid, que redefiniu as fronteiras das colónias sul-americanas. A data oficial da fundação da cidade é 1772, coincidindo com a criação da freguesia de Porto dos Casais. No ano seguinte, a localidade converte-se em capital da Capitania com o estabelecimento oficial do governo de José Marcelino de Figueiredo. No século XIX começa a receber emigrantes alemães, italianos, espanhóis, africanos, polacos, judeus e libaneses, uma autêntica Torre de Babel que faz da capital do Estado do Rio Grande do Sul – com cerca de 1,5 milhão de habitantes – uma cidade cosmopolita e multicultural. Outra das reminiscências do século XIX são as revoltas que tiveram lugar na região. Primeiro, contra o Império português, depois, com a Guerra dos Farrapos, ou Revolução Farroupilha, que teve origem no aumento dos impostos sobre o charque – carne salgada – base da economia agropecuária da região. O desacato resultou na proclamação da República de Piratini, ou Rio Grandense, que durou dez anos, acontecimento que ainda hoje é revivido todos os anos, em Setembro, com o acampamento Farroupilha. Segundo os historiadores, este episódio funda a identidade nacional e grava na história o mito do gaúcho, até hoje lembrado em hino, em nomes de ruas e nos parques da cidade. À figura do gaúcho são atribuídas as qualidades de bravura e espírito guerreiro.

2 – Quem faz Porto Alegre

Depois da publicação de O Tempo e o Vento, Ana Terra e Rodrigo Carambá, personagens do romance, serviram de inspiração para baptizar gerações rio-grandenses e até alguns edifícios de Porto Alegre. O seu “pai”, o escritor Erico Veríssimo, é um autor de referência na literatura lusófona. O filho, Luís Fernando, seguiu-lhe as pisadas, apesar de ter abraçado um registo literário diferente. As crónicas que escreve são superlativas em termos de humor e sarcasmo. Outro homem das letras porto-alegrenses é o poeta Mário Quintana. Escreveu sonetos, versos simples e prosa, tendo vivido grande parte da vida em quartos de hotéis, o que justificava: "Eu moro em mim mesmo”. Professor de Literatura Brasileira, Luís Augusto Fisher figura nesta lista pela autoria do inestimável dicionário de Porto-Alegrês que revela a “oculta dimensão” das gentes da região. Eduardo Bueno, autor de Terra Brasilis, é outro autor a ter em conta, tanto que já vendeu mais de 400 mil exemplares desta colecção em vários volumes. Nascido no seio da comunidade judaica, Moacyr Sinclair é outra figura da cidade. Formado em Medicina, as suas descrições da classe média “são, frequentemente inventadas a partir de um ângulo supra-real”. Mudando de registo, a voz de cristal de Elis Regina também nasceu por aqui antes de ter ganho o mundo. Do Rio Grande do Sul saíram ainda dois presidentes do Brasil, Getúlio Vargas e João Goulart. Figura com papel preponderante na educação estadual foi o ex-candidato presidencial e governador de Estado Leonel Brizola. Não podemos deixar ainda de mencionar José António Pinheiro Machado, jornalista que apresenta o programa Anonymus Gourmet. Outra pessoa que ilumina a cidade com a vitalidade que lhe é característica é Eva Sopher, senhora da cultura brasileira que, aos 88 anos, está a investir para que o multipalco do Teatro São Pedro se torne no maior complexo cultural da América Latina. Colunista do jornal Zero Hora, Martha Medeiros é representante da escrita contemporânea, tal como Letícia Wierzchowski, autora de Casa das Sete Mulheres. Terra profícua em talentos, o Rio Grande do Sul viu ainda nascer a cantora Adriana Calcanhoto.


Casa de Cultura Mário Quintana - Eurico Salis

3 – Epicentro cultural do Rio Grande do Sul

Referência histórica no processo de industrialização do Brasil, a Usina do Gasómetro, que servia para gerar energia eléctrica, é hoje um importante foco cultural com espaços para exposições e eventos. Já que está ao pé do Guaíba, aproveite para ver, nos armazéns do Cais do Porto, até 15 de Novembro, a oitava edição da Bienal do Mercosul – “Encontros de Geopoética”. A mostra, que invadiu outros pontos da cidade, tem o apoio do grupo Gerdau, grande fomentador das artes gaúchas. Vale a pena descobrir recantos da urbe, através do módulo da bienal “Cidade não Vista”. Se nos jardins do Palácio Piratini a instalação de altifalantes canta os hinos do Brasil, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai, na Casa Cultural Mário Quintana, uma outra instalação pede silêncio através de vários “chiuuuuuu”, audíveis em todos os pisos do edifício. Ainda na Casa Cultural, situada no antigo Hotel Majestic – onde Quintana viveu até 1980 –, não deixe de ver o Quarto do Poeta, uma reconstituição fiel dos objectos que o rodeavam. No mesmo corredor visite o Memorial Elis Regina, com fotos que gritam “Elis está viva”, sem esquecer a discografia da cantora. A um passo dali fica o Santander Cultural, antiga sede do Banco Nacional do Comércio, que é hoje uma área de mostras, cinema e música. O edifício em si é uma obra de arte, reunindo elementos do neoclássico ao barroco-rococó. A jóia da cidade é, no entanto, o Teatro São Pedro dirigido por Eva Sopher cuja dedicação mantém o edifício – de 1858 – em condições excepcionais. Não contente com isso, esta senhora inigualável está a construir o multipalco, espaço único no país destinado a receber uma série de actividades artísticas. Não admira que “quando Baden Powel actuou aqui tenha dado uma paradinha e dito: que astral maravilhoso”. Desde 28 de Outubro pode contar com mais uma edição da Feira do Livro, evento que decorre até 15 de Novembro e que é considerado património imaterial de Porto Alegre. Todas as terças-feiras o Bar Ocidente proporciona o Sarau Eléctrico, encontro literário em que participam os intelectuais da cidade e onde tudo gira à volta de um tema.



Casa de Cultura Mário Quintana: www.ccmq.com.br

Santander Cultural: www.santandercultural.com.br

Teatro São Pedro: www.teatrosaopedro.com.br

Feira do Livro: www.feiradolivro-poa.com.br

Sarau Eléctrico: www.saraueletrico.com.br

4 – Cidade Verde

Amantes da vida ao ar livre, os gaúchos passam grande parte dos tempos livres nos parques com o chimarrão (para beber chá de mate) e com os amigos. Os passeios de bicicleta são muito comuns, tal como o jogging, onde não falta a companhia do animal de estimação. O parque mais emblemático da cidade é o Farroupilha, ou da Redenção, como é chamado pelos locais. Os 40 hectares multiplicam-se em jardins de diversas inspirações: do europeu ao oriental. Há também um lago com pedalinhos(barcos a pedal) e até pontos com água quente para reabastecer o chimarrão. Aos sábados realiza-se a feira ecológica com produtos da região, entre os quais os doces de Pelotas e as schmier, geleias alemãs. Aos domingos acontece a feira mais esperada da semana, o Brique da Redenção. Citando Luís Fernando Veríssimo, “é uma feira de antiguidades, em que tudo, até revista da semana passada é considerado antiguidade”. O Parque Moinhos de Vento, também chamado de Parcão, é atravessado pela avenida Goethe, que fecha ao trânsito sempre que há um desafio entre os clubes de futebol locais, o Grémio e o Nacional. Nesses dias, o parque torna-se ponto de encontro das claques (torcidas). Construído sobre o aterro do Guaíba, o Parque Marinha do Brasil é o local de eleição dos desportistas e tem courts de ténis e pistas adaptadas à prática de diversos desportos. O verde é uma constante na cidade. Nada de estranhar, já que Porto Alegre é a segunda capital brasileira com maior área rural. A título de curiosidade diga-se que só a zona sul da capital dispõe de 180 hospedarias de cavalos. Há ainda estâncias de agricultura familiar, sobretudo produtores de ameixas e de pêssegos, fundadas no século XIX. Nas avenidas da cidade proliferam árvores como os ipês, as paineiras, os jacarandás e as grevilhas.

5 – Miscelânea de sabores

Misture bem o receituário italiano e alemão, junte-lhe a cozinha indígena, portuguesa e espanhola e aí tem a gastronomia do Rio Grande do Sul. O contributo dos emigrantes é decisivo para o enriquecimento da culinária da região. Se os alemães trouxeram pratos como o hackepeter (bife tártaro, de porco) ou o colchão alemão (cordon bleu), com os italianos vieram polentas, massas caseiras e pizzas. A que tem mais saída na Baskaria – afamada pizzaria de Porto Alegre – é a Alava, com tomate seco, cogumelos e manjericão. As tapas bascas são uma boa entrada, com cerveja local a acompanhar. Na atmosfera rústica mas requintada do Quincho, coma como numa típica casa gaúcha. A carne bovina é uma das grandes riquezas da região, tendo o charque – carne salgada – destaque especial em vários pratos, como o carreteiro de charque, um arroz com carne acompanhado de feijão mexido (um aproveitamento de um cozinhado anterior). Se no Quincho pode provar o charque de cordeiro, no clássico Chalé da Praça XV prove o de filet mignon. O churrasco também é assunto seríssimo por estas bandas. Para prová-lo vá ao Barranco e peça a picanha no ponto. Uma versão de fusão da culinária gaúcha encontra-se no Bah. Fique à varanda no primeiro andar com uma vista única para o lago Guaíba. A janela de novilho com farofa de erva-mate é divinal. Não pense porém que esta terra de carne não tem outras atracções. No Shushi by Cleber há exóticas degustações de sushi e o Koh Pee Pee é considerado o melhor tailandês do Brasil. Outra boa sugestão de cozinha oriental sofisticada é o Hashi Art Cuisine. Para uma refeição levezinha prove o variado buffet do Le Bistrot ou faça um lanche no Saúde no Copo, onde não falta o açaí.




Chalé da praça XV: www.chaledapracaxv.com.br


Sushi by Cleber: www.sushibycleber.com.br

Le Bistrot: www.lebistrot.com.br

Koh Pee Pee: www.kohpeepee.com.br


Saúde no copo: www.saudenocopo.com

Rio Guaíba by Alfonso Abraham 

Extraído da Revista Up - Revista de bordo da TAP - Edição de novembro/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários serão moderados. Não serão mais publicados os de anônimos.