6 de novembro de 2011

O OBSERVADOR INGLÊS - Roniwalter Jatobá


– O brasileiro diz que o seu país é cheio de corrupção!

Quem fez essa afirmação, tão atualíssima em relação ao nosso país, foi o escritor Rudyard Kipling, Prêmio Nobel de Literatura de 1907, no começo do século 20, depois de alguns dias em visita ao Brasil.

Vamos à história. Kipling chegou ao Rio de Janeiro, então capital da República, no final da tarde de 13 de fevereiro de 1927. Foi recebido com festa. Numa recepção na Academia Brasileira de Letras, estavam presentes dezessete acadêmicos, de Afonso Celso a Coelho Neto, além dos embaixadores da Inglaterra, França, Estados Unidos, Argentina, diplomatas, e Getúlio Vargas, na época ministro da Fazenda.

Na segunda semana de março, Kipling desembarcou do navio Sierra Cordoba, no porto de Santos, em companhia do advogado Alexander Mackenzie, vice-presidente da Light. O romancista e poeta era uma celebridade literária mundial e “cantava as glórias perenes” da Inglaterra, ainda a maior potência colonial do mundo. Em prosa e verso, exaltava a coragem com que os ingleses enveredavam por terras estranhas no continente asiático e, com “sacrifícios”, levavam a este mundo o estilo de vida britânico.

O canadense Alexander Mackenzie, também súdito de sua majestade (na época o rei Jorge V), acompanhou Kipling do Rio a São Paulo para mostrar, em Cubatão, o trabalho da Light na Serra do Mar – as represas e uma usina elétrica. Tudo por interesse. Afinal, uma impressão favorável no Morning Post, de Londres, onde o escritor publicava seus relatos de viagem, seria um excelente negócio para a empresa canadense, já que seu capital era também inglês e suas ações, negociadas na Bolsa de Londres.

Relatou o escritor, nascido em Bombaim, Índia, sobre a terra de contrastes: “Chegamos a Santos, porto de São Paulo, sob a claridade bronzeada de um céu da África Ocidental, subimos um tortuoso rio holandês. Montões de bananas desciam o rio em barcaças e se juntavam às cargas verdes de vapores cremes com chaminés pretas e vermelhas. A atmosfera é a do Sul da Índia. Saímos da cidade por uma estrada vermelha. O carro entrou por uma via lateral que lembrava o sopé do Himalaia, embora o clima fosse tão quente como o de Madrasta.”

Na verdade, Kipling veio, viu e não gostou do complexo hidrelétrico construído pela Light.

– Ridiculamente fácil – escreveu em seu jornal.

Mas ficou deslumbrado com a Serra do Mar e “as generosas tempestades tropicais”.

Em São Paulo, o escritor ficou hospedado no hotel Esplanada, um dos mais chiques do centro da cidade. Foi a uma recepção no São Paulo Athletic Club e visitou “na extremidade de um dos intermináveis subúrbios de São Paulo, uma fazenda de criação de cobras onde se preparam e distribuem soros contra as dentadas de cobras venenosas, que são abundantes por aqui”. Era o Instituto Butantã.

Antes de seguir para o Uruguai e Argentina, Kipling, que mostrava muito interesse pelo que hoje se chama de ecologia, ficou fascinado com dois exemplares da nossa fauna: a onça e o tatu. Contam que ganhou e levou para a Inglaterra um tatu-bola, que em sua terra exibia para os amigos.

O escritor inglês, nascido em 1865, faleceu em 1936. O saudoso jornalista e cronista Otto Lara Resende escreveu certa vez na Folha de S. Paulo que fez muita pesquisa e não descobriu o que aconteceu, em terras inglesas, com o tatu-bola, agora em risco de extinção.

Sabemos, no entanto, que hoje, infelizmente, o Brasil ainda ocupa uma bela posição na lista suja da corrupção global. Os brasileiros, ouvidos pelo observador inglês há quase oito décadas, tinham razão.

* Roniwalter Jatobá nasceu em Campanário, Minas Gerais, em 1949. Vive em São Paulo desde 1970. Entre outros livros, publicou Sabor de química (Prêmio Escrita de Literatura 1976); Crônicas da vida operária (finalista do Prêmio Casa das Américas 1978); O pavão misterioso (finalista do Prêmio Jabuti 2000);Paragens (edidado pela Boitempo, finalista do Prêmio Jabuti 2005); O jovem Che Guevara (2004), O jovem JK (2005), O jovem Fidel Castro (2008) e Contos Antológicos (2009). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às sextas-feiras.
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Extraído do Blog da Boitempo