6 de novembro de 2011

PÃO DOS POBRES, INSTITUIÇÃO DE INSPIRAÇÃO FRANCESA

A instituição Pão dos Pobres, em Porto Alegre, tem inspiração na iniciativa da comerciante Louise Bouffier, de Toulon, França, que no século XIX iniciou a distribuição de pão às pessoas sem recursos. Surgiu, então, a Pia União do Pão dos Pobres de Santo Antônio. O prédio foi reconhecido nas fotos da semana passada pelo leitor Chico Alves.

Primeiro projeto para o Orfanato de Santo Antônio do Pão dos Pobres, de autoria do Affonso Hebert (1904) | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
No Rio Grande do Sul, seguindo essa ideia, constatou-se que, após a Revolução Federalista (1893), além de alimento, as viúvas e órfãos necessitavam de moradia. O arquiteto Maturino Luz, professor da UniRitter e da PUCRS, que desenvolveu uma acurada pesquisa sobre o engenheiro-arquiteto alemão José Lutzenberger, diz que uma campanha de arrecadação de fundos foi feita para adquirir um terreno na Cidade Baixa, de propriedade do Barão de Nonoai, em 1899. O terreno, comprado por 32 mil contos de réis, tem a forma de polígono irregular, frontal à Praia de Belas, tendo nos fundos como limite original o Riacho (ou Arroio Dilúvio). O Cônego José Marcelino dedicou-se inteiramente à obra, deixando, por isso, o cargo de cura da Catedral, mas não chegou a ver realizado seu sonho.

Projeto mostra fachada principal. Autor é o arquiteto Hipólito Fabre (1925)
Posteriormente, foi criado um orfanato – Orfanotrófio Santo Antônio do Pão dos Pobres – e em 1925 o engenheiro- arquiteto Hipólito Fabre elaborou um projeto de ampliação da edificação, apresentando as plantas e o orçamento necessário. O custo foi considerado alto e a comissão de construção sugeriu mudanças. Fabre acabou deixando a tarefa e José Lutzenberger, que já tinha realizado trabalhos na Alemanha e viera morar no Brasil, assumiu a obra (ele é pai de José Lutzenberger, ecologista que iniciou a luta ambiental no Sul). Segundo boletim antigo da instituição sobre a nova proposta, “o edifício, que é de linhas sóbrias, mas apresenta uma fachada elegante, será construído de cimento armado”.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Conforme a pesquisa do professor Maturino, o projeto previa uma edificação com três pavimentos, em concreto armado (estrutura constituída de pilares de seção quadrada encimados por mísulas no apoio às vigas transversais e longitudinais, com vedações em alvenaria de tijolo), com platibanda. O prédio construído, de quatro pavimentos, apresenta modificações em relação ao projeto original. “A começar pela volumetria, um pouco mais verticalizada com o acréscimo do quarto pavimento, que deve ter sido definido com as obras em andamento, o que explica a adoção de um friso (cimalha) entre o terceiro e o quarto piso”. Mas, observa, foi mantida a horizontalidade da proposta inicial.

Construção levou cinco anos para ser concluída, de 1925 a 1930
Maturino se refere ao pórtico de acesso principal do edifício, composto de arcadas, como uma solução adotada por Lutzenberger em várias situações, “fruto de sua formação Beaux-Arts”. Na parte superior do eixo foi colocado um frontão, com um grupo escultórico onde se destaca a figura de Santo Antônio distribuindo pão, com o Menino Jesus ao colo, cercado de duas crianças carentes- “conjunto provavelmente elaborado por Alfred Adloff, o escultor preferido de Lutzenberger”. No orfanato, observa o professor, o arquiteto propõe que a forma côncava defina o pórtico, “como que se convidando para um abraço protetor daquele que adentrasse o prédio pelo seu principal acesso”.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
No térreo, o vestíbulo foi mantido, conduzindo às salas de espera e à portaria. No segundo pavimento, estavam as salas de aula, hoje ocupadas por salas de atendimento, catequese e reforço. A escola passou a funcionar, desde a década de 1970, em prédio vizinho às oficinas do Liceu. Foi construído um anfiteatro, com piso em ladrilho hidráulico, com um palco em nível mais alto. No piso dos pavimentos, foram utilizados basicamente ladrilhos hidráulicos que, segundo consta, teriam sido elaborados nas oficinas então criadas na própria instituição.

Eventos eram realizados para angariar fundos, como esta tômbola, de 1928
Além dos eventos e donativos, foram criados leis e decretos permitindo o apoio do Estado e da Intendência de Porto Alegre à construção do Pão dos Pobres. Por exemplo, uma lei estadual dispensou taxas portuárias sobre a carga de cimento e ferro destinada ao Orfanotrófio. Também foram realizadas tômbolas (sorteios de prêmios) para obter recursos. As obras foram concluídas em 1930, após contratempos, como em 1928, quando quase foram interrompidas, por falta de verbas. Enquanto isso, foram criadas a oficina tipográfica, a funilaria e a sapataria, a fim de ajudar na educação profissional dos órfãos. E, mais tarde, inaugurada uma fábrica de mosaicos.

O novo edifício do Orfanotrófio foi inaugurado em 13 de junho de 1930, pelo então presidente do Estado, Getúlio Vargas, ampliando o atendimento para 250 órfãos. Na ocasião, restaram dívidas, como o pagamento do próprio engenheiro construtor Lutzenberger e do empreiteiro Alberto Fantinel. Em 1941, a grande enchente também atingiu o prédio, que teria sofrido recalques, os quais resultaram em lesões visíveis através de rachaduras.

Segundo o professor Maturino Luz, o prédio do orfanato encontra-se atualmente preservado, graças à continuidade da atividade assistencial e ao zelo imposto pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, mas necessitando de obras de conservação. No início da década de 90, acrescenta, a construção de um ginásio prejudicou o visual do orfanato.

Referência para a comunidade porto-alegrense

O tombamento municipal do Pão dos Pobres ocorreu em 2004. Segundo a Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural – EPAHC, o prédio é destacado por sua imponência e referência para a comunidade. O porte da edificação, que totaliza 5.491,72 m2 de área construída, garante a sua importância referencial até hoje, apesar das modificações urbanísticas, paisagísticas e arquitetônicas do entorno. A planta baixa do internato, apesar de algumas modificações para adaptá-la a novas necessidades, mantém-se basicamente a mesma, revelando o mérito do projeto original, concebido pelo arquiteto José Lutzenberger em 1925.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Os vãos em verga reta, a utilização do arco pleno na arcada e aberturas do primeiro pavimento, a simetria, a marcação central através de frontão e corpo avançado, a marcação vertical com pilastras e separação de planos horizontais através de cornija, caracterizam o predomínio do ecletismo historicista como linguagem arquitetônica. O edifício do Internato contribui para a qualificação do cenário urbano, permanecendo como referencial arquitetônico e histórico nos acessos ao Centro Histórico e à Cidade Baixa, constituindo-se em marco significativo na memória da capital gaúcha.

Endereço:
Fundação Pão dos Pobres – Rua da República, 801, Cidade Baixa, Porto Alegre.
Telefones (51) 3433-6900, 3433-6902.
E-mail paodospobres@paodospobres.org.br



* Artigo de Lorena Paim e consultoria de Flavia Boni Licht. Extraído do sítio Sul21

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Como ex-aluno dessa escola, onde cursei o ensino primário e secundário da época (hoje ensino fundamental), de 1968-74, senti-me atraído ao ler essa matéria, de reproduzi-la no blog. Muito do que sou, penso e acredito aprendi lá, com grandes e inesquecíveis mestres como a profª. Hédola, minha professora do 1º ano; prof. João Luiz Ranzan, bravo mas que me fez ver que era 'bonzinho' em Matemática; casal profª. Juracy Rubin e prof. Rubin, ela grande incentivadora de minha 'criatividade'; irmãos Roque e Elói Brandelero, dentre tantos. E de inúmeros colegas, como George, João Luiz Tortorelli e manos, João Carlos Eltz, Lenine Bueno, Verardi, Sílvio... Lembranças boas dos torneios de futebol inter-classes, das Lassalíadas, dos recreios, das aulas de Técnicas Industriais, de judô, da Capela de Santo Antônio...e até do Beltrame (que iniciou lá apenas no meu último ano). Saudades boas!