14 de novembro de 2011

FERNANDO MORAIS E LEANDRO NARLOCH TROCAM FARPAS NA FLIPORTO - Fábio Victor

No debate mais acalorado da Fliporto (Festa Literária Internacional de Pernambuco) até aqui, no final da manhã de hoje, os jornalistas Fernando Morais, Leandro Narloch e Samarone Lima trocaram farpas entre si, provocando aplausos, gritos e vaias na plateia em Olinda.

A situação de Cuba dominou a conversa. Apoiador do regime dos irmãos Castro, autor de um livro-reportagem apaixonado sobre as conquistas da revolução, "A Ilha", e do recém-lançado "Os Últimos Soldados da Guerra Fria", sobre espiões cubanos inflitrados na direita anticastrista na Flórida, Morais ficou isolado na defesa de Cuba.

Samarone Lima, que escreveu um relato desencantado sobre o cotidiano dos habitantes da ilha após morar uma temporada na casa de cubanos em Havana, "Viagem ao Crepúsculo", alinhou-se, mas somente neste ponto, a Narloch, autor do best seller "Guia Politicamente Incorreto da América Latina", em que procura desconstruir expoentes do socialismo cubano, entre outros símbolos esquerdistas da região.

Lima, por outro lado, criticou o livro de Narloch, pela "inconsistência" das fontes, dando exemplos. Seguno ele, no capítulo sobre o Chile, em que o golpe de Pinochet contra Allende é legitimado pelo autor, uma fonte recorrente é o livro do governo golpista do general.

"O Guia Politicamente Incorreto..." também foi mote para uma rixa entre Morais e Narloch em torno da revista "Veja", atacada pelo primeiro e defendida pelo segundo.

Mal entrou no palco, Morais pôs na cabeça um boné do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), anunciando o clima de provocação que dominaria o debate. Depois acendeu um cigarro no palco, no que foi repreendido por uma espectadora, via bilhete. "Gostaria de lembrar que um dos patrocinadores da Fliporto é a Souza Cruz", respondeu Morais, causando um alarido na plateia.

Os três foram aplaudidos em algum momento, mas só Narloch foi vaiado, ao encerrar sua participação citando uma frase que atribuiu a Nelson Rodrigues: "Quem não é socialista aos 20 anos, não tem coração; quem continua socialista depois dos 40 anos, não tem cérebro".

O painel teve a mediação do também jornalista Vandeck Santiago, cujas perguntas contundentes aos três convidados ajudaram na fluidez do debate.

Leia em seguida algumas das passagens da conversa:

Carlos Cecconello/Silva Junior/Folhapress
Leandro Narloch e Fernando Morais engataram o debate mais acalorado da Fliporto

CUBA

Morais: citou indicadores sociais e o resultado do último Pan-Americano (Cuba ficou em segundo, só atrás dos EUA) para dizer por que continua apoiando o regime. "Segundo estatísticas do Unicef de 2010, do sul dos EUA à Patagônia, o único país que extinguiu a desnutrição infantil foi Cuba, um paiseco com o PIB da Daslu. Os indicadores de mortalidade infantil de Cuba são melhores do que os dos EUA e muito melhores do que os do Brasil."

Narloch: "É tradição e países totalitários ir bem em esportes. Hitler também e preocupava muito com isso. E nessas competições, como no Pan do Rio, os cubanos aproveitam para desertar. Esse discurso de que [algo] é bom para os pobres é muito ruim para os pobres."

Morais: "Narloch me lembrou uma frase de Nelson Rodrigues, 'prefiro a liberdade ao pão'. Vá perguntar para uma mãe que está enterrando um filho de quatro anos o que ela prefere. Evidente que considero a liberdade um valor universal, acima de qualquer ideologia, mas estamos falando de um país que há 50 anos está em guerra com a maior potência bélica do mundo."

Samarone Lima: "A realidade cotidiana é que há uma fome generalizada em Cuba, da qual pouco se fala. Me preocupo muito com uma discussão feita em cima de números. Os dados de mortalidade mostram uma coisa, mas eu conversei com uma enfermeira cujo filho de 11 anos estava com os dentes caindo, porque não tomava leite, fornecido só até sete anos. Me preocupa que a liberdade seja citada como algo 'en passant'. Para mim a liberdade é a coisa mais importante na vida."

"GUIA POLITICAMENTE INCORRETO" E "VEJA"

Narloch: [questionado sobre a declaração de que seus livros são assumidamente parciais e feitos para irritar] "Foram feitos para irritar aqueles que usam a história como instrumento político. Nos últimos 20 anos surgiu uma historiografia mais moderna, mais distante dos debates ideológicos, e isso permite com que meus livros sejam aceitos. Num discurso na ONU em 64, que está disponível no Youtube, Che Guevara disse que Cuba executava e continuaria executando, pois era um regime de morte. Hoje as pessoas usam camisas de Che Guevara. E eu é quem sou politicamente incorreto?"

Morais: "Quero reconhecer em Narloch uma virtude, de se assumir como de direita num país em que até o Maluf se diz de centro-esquerda. Mas acho que o livro dele deveria se chamar 'Guia Politicamente Correto', pois está em sintonia com o que a gente vê na mídia brasileira, especialmente na revista 'Veja', onde nós três já trabalhamos, mas que se transformou num esgoto jornalístico, em jornalismo de latrina. Seu livro está remando totalmente a favor da maré."

Narloch: "Um amigo que mora em Brasília me contou que toda sexta-feira à noite, quando a 'Veja' entra no ar na internet, há um alvoroço na capital, para se saber qual é o próximo ministro que vai cair. Não concordo 100% com a 'Veja', a acho muito ranzinza, muito adjetivo e pouco substantivo, mas prefiro uma revista que incomode governantes do que uma que não incomode, como a 'Carta Capital', que só tem anúncios do governo."

* (O repórter FABIO VICTOR viajou a convite da organização da Fliporto).

Extraído do sítio FOLHA.com

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