16 de dezembro de 2011

"O PRÊMIO PRÍNCIPE CLAU ME PASSA PROTEÇÃO" - Marije Vlaskamp

A escritora tibetana Tsering Woeser (1966) é uma das vencedoras do Prêmio Príncipe Claus deste ano. O prêmio é denominado em homenagem ao falecido marido da rainha Beatrix da Holanda. Woeser receberá a distinção não só por sua poesia e romances, mas também pelos blogs nos quais dá voz ao povo tibetano. “Se um tibetano comum escreve um artigo ele será preso imediatamente. Este prêmio me oferece proteção.”



“Será que você poderia não escrever sobre o Tibete?” Tsering Woeser ainda fica brava quando pensa nesta pergunta, feita a ela por um membro do serviço de segurança chinês. Junto com seu marido, o também escritor Wang Lixiong, ela foi convidada para “um chá”, um eufemismo para ameaças, advertências e intimidações. “Aí aquele oficial de repente disse que eu não deveria escrever sobre o Tibete. Que direito ele tinha de dizer aquilo?”

Livros sobre o Tibete
Woeser agora escreve sobre um único tema: o Tibete. Ela escreveu romances e poemas até que ganhou fama em 2008 através de seu blog. Durante os violentos protestos contra o regime chinês no Tibete, ele deu voz aos tibetanos que vivem no próprio Tibete. A imprensa internacional tem pouco ou nenhum acesso à região. A informação disponível é parcial, vindo ou das autoridades chinesas ou do movimento tibetano de libertação no exílio.

Blog

A escritora tem uma vasta rede de contatos que lhe fornecem notícias do que está ocorrendo nas cidades do interior e monastérios, e se tornou um canal para estas notícias, apesar de seu trabalho como escritora: “O blog me impede de trabalhar em meu novo romance. Ele estava bem adiantado em 2008, mas desde então o blog tem engolido todo o meu tempo e energia. Mas os tibetanos estão se ariscando tanto que não posso me permitir parar de postar no blog.”

http://woeser.middle-way.net/2011/12/blog-post_16.html
Este ano ela tem ligado seu computador com medo. Em treze ocasiões ela contou ao mundo como monges e monjas se banharam em gasolina, clamando pela liberdade do Tibete enquanto as chamas consumiam suas vestes. “Não é suicídio, mas auto-sacrifício de um Bodhisattva (o equivalente budista a um santo) pelo bem do povo tibetano. Em seu desespero, vislumbram uma última chance de esperança de ajuda externa.”

Jogos Olímpicos

Apesar disso, o mundo parece permanecer indiferente. “Em 2008, todos os olhares estavam na China por causa dos Jogos Olímpicos, e a China estava mais sensível às críticas. Agora os direitos humanos estão sendo postos de lado em favor do comércio. Praticamente não houve resposta internacional a estas auto-imolações, e no entanto a situação está pior do que em 2008.”

Os romances e poemas de Woeser descrevem sua busca pela identidade tibetana. Como ‘filha vermelha’ de tibetanos a serviço do estado comunista, esta identidade foi algo que ela só foi descobrir quando ficou mais velha. Sua mãe era funcionária pública, seu pai, soldado no Exército Popular de Libertação. Em casa a família falava chinês.

Orgulho

Foi só em sua época de estudante, nos anos ’80, que Woeser notou que era ‘diferente’, embora fosse parte da elite. “Estudantes chineses da etnia han me olhavam com ar de superioridade.” Ela então se voltou para a escrita como forma de aliviar a dor e a discriminação. E decidiu pôr seu orgulho à mostra. Em casa, começou a discussão com os pais: “Meu pai me aconselhou a andar sobre duas pernas: uma que seguia minhas próprias idéias e outra que agia de maneira a agradar os oficiais han chineses. Ele disse que esta era a maneira de se manter longe de problemas.”

Woeser, que acabara de conseguir um emprego numa revista literária em Lhasa, se rebelou. “Se eu andar assim vou quebrar minhas duas pernas!” Muitas outras conversas se seguiram. Por que seus pais nunca a ensinaram a falar tibetano? Os rumores estrangeiros sobre a opressão dos tibetanos eram verdadeiros?

Pobre menina chinesa

Seus pais responderam com dolorosos silêncios. Em Lhasa, ela pensou que poderia finalmente se sentir em casa. Nos templos, ela desatava a chorar, tomada pela emoção de ser uma tibetana no Tibete. “Uma vez um monge que estava perto de mim disse ‘Que pobre menininha chinesa’. Fiquei envergonhada: foi só no Tibete que me dei conta de quão chinesa eu havia me tornado.”

Foi então que sua busca pela língua, religião e vida dos 5,4 milhões de pessoas no planalto inóspito no oeste da China começou. O Tibete tem o status de ‘província autonônoma’, mas todo funcionário tibetano tem um superior han chinês, para manter o sistema de minorias unidas em solidariedade sob as asas de Pequim. Ela então escreveu seu primeiro livro – o último que teve permissão para publicar na China. “Era cheio de ‘graves erros políticos’. Fui interrogada por três dias e ameaçada de perder meu emprego.”

Desde então Woeser tem vivido, como ela diz, “em exílio” em Pequim. “Lhasa está dominada pelo medo. Você inevitavelmente se contamina com ele a ponto de não ousar fazer mais nada. Em Pequim me sinto quase livre. A escala desta enorme cidade dilui o medo.”


Extraído do sítio RNW Brasil  

Um comentário:

  1. É triste viver refém de um sistema...pior ainda de sí próprio!!!

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