1 de dezembro de 2011

DIA 10 DE DEZEMBRO SERÁ REALIZADA 'A HORA DE CLARICE' EM HOMENAGEM AO ANIVERSÁRIO DA AUTORA

Dia 10 será realizada 'A Hora de Clarice' em homenagem ao aniversário da autora.


"Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento", escreveu Clarice Lispector. Estivesse viva, a escritora poderia encontrar dificuldade para entender sua popularidade nas redes sociais.

No Facebook, por exemplo, onde proliferam páginas não-oficiais de personalidades já mortas criadas por fãs, uma pesquisa rápida e informal mostra que mais de 76 mil pessoas "gostam" (ou deram sua aprovação clicando em "like") em uma dessas páginas sobre Clarice. Caio Fernando Abreu (1948-1996), com cerca de 69 mil "likes", e Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), com 26 mil, ficam atrás da escritora - que, por sua vez, não supera os mais de 102 mil "likes" do tcheco Franz Kafka (1883-1924), com quem é frequentemente comparada, ou os cerca de 108 mil de Machado de Assis (1839-1908), o maior escritor brasileiro.

O mistério, no entanto, não é indecifrável. Ainda que os romances e contos de Clarice mostrem uma narrativa não poucas vezes hermética, que segue muito mais o fluxo dos pensamentos do que acontecimentos, aqui e ali, principalmente em crônicas, a autora tinha "pequenas epifanias" sobre o amor, o cotidiano e a existência. Hoje, fragmentos desses pensamentos se encaixam à perfeição nos aforismos de poucos caracteres das redes sociais.

Clarice nasceu em 10 de dezembro de 1920 e morreu em 9 de dezembro de 1977. No próximo dia 10, o Instituto Moreira Salles, em parceria com a editora Rocco, irá realizar a primeira edição do evento A Hora de Clarice. Durante a programação, que acontecerá em várias capitais do país, serão realizadas palestras, dramatizações e contações de histórias; José Miguel Wisnik, José Castello, Nadia Gotlieb e Pedro Vasquez são alguns dos participantes já confirmados.

Vencedor do prêmio Jabuti de melhor romance do ano por "Ribamar" e colaborador do "Valor", José Castello é também organizador de "Clarice na Cabeceira - Romances" (ed. Rocco, 272 págs., R$ 35), livro que sintetiza os romances da escritora e o momento em que ela os produziu. Sobre esse lançamento, Castello diz que se trata de um livro de "introdução". Desde a década passada, uma série de livros retoma o legado da escritora, desde cartas, fotos e entrevistas até seleção de crônicas "para jovens", "só para mulheres". "Clarice odiava os clichês", diz Castello.

Valor: O que explica e o que justifica a enorme popularidade de Clarice Lispector até hoje, principalmente entre os jovens?

José Castello: Creio que Clarice se torna cada vez mais popular em todas as faixas etárias. Talvez os homens ainda sejam um pouco mais arredios - mas os homens lêem, em geral, menos ficção, dizem as pesquisas. Clarice não é uma escritora fácil. Esteve muito à frente de seu tempo. Sua ficção exige uma digestão lenta, no início sempre causa muito estranhamento. Creio que não escreveu só para o presente - o seu século 20 - mas sobretudo para o futuro. A obra de Clarice é uma profunda reflexão sobre o próprio ato de escrever. Ela revirou a literatura ao avesso, exibiu suas entranhas, seus limites, impasses, falsas esperanças. Não se digere isso rápido.

Valor: A obra completa de Clarice está bem representada em lançamentos no mercado editorial brasileiro, mas constantemente vemos novas compilações e novas edições, como a recentemente realizada por você. Há envolvida uma necessidade, digamos literária, para melhor compreensão de seu trabalho ou trata-se de uma questão de mercado visando um amplo público-alvo?

Castello: Aqui é preciso fazer uma separação. De um lado, existem os livros _como o que eu organizei - que apresentam determinado aspecto da obra de Clarice (no caso desse livro, os romances). São livros de introdução, destinados mais a pessoas que nunca leram Clarice e não sabem bem por onde começar. Têm um importante caráter didático, eu penso. De outro, existe uma tendência - de que, pessoalmente, discordo - para desdobrar seus livros, reparti-los, dividi-los. Foi o que se fez, por exemplo, com "A Descoberta do Mundo", sua magnífica reunião de crônicas - transformada em uma série de livros menores: "crônicas disso", "crônicas daquilo". Nesse caso, eu penso que você quebra a força da obra, que você a mutila, francamente não me agrada - embora possa ter, sem dúvida, suas vantagens comerciais. Nos dois casos, de qualquer modo, são esforços para aproximar Clarice do leitor - e ninguém, em tese, pode ser contra isso.

Valor: Neste ano completam-se 34 anos da morte de Clarice. Falando em termos literários e em um contexto mais amplo: a relevância da autora tem aumentado? Com esses anos de distância, como a obra de Clarice pode ser reavaliada hoje?

Castello: Creio que, com o avançar das décadas, a importância e grandeza da obra de Clarice se tornam cada vez mais evidentes. No meu modo de fazer, tivemos dois grandes prosadores no século XX brasileiro: Guimarães Rosa (1908-1967) e Clarice (1920-1977). Clarice dizia que "escrevia para dentro". Podemos pensar, por oposição, que Rosa escreveu "para fora", isto é, escutando o mundo que o cercava. Mas aqui é importante fazer uma distinção: quando se diz (ela mesma disse) que Clarice "escreveu para dentro", não estamos falando de uma literatura psicológica, literatura confessional, literatura centrada no Eu - porque Clarice está muito distante de tudo isso. Ela "escreveu para dentro", penso, porque fez literatura para pensar, testar, interrogar os limites da própria literatura. De certa forma, é possível pensar que a mais importante crítica literária escrita no Brasil ao longo do século XX é a obra de Clarice. Não porque ela tenha escrito crítica canônica. Como todos sabem, escreveu romances, contos, ficções. Penso em crítica literária porque, em nosso século XX, ninguém pensou melhor a literatura no Brasil do que Clarice. Só dois outros escritores (poetas) dela se aproximam nesse projeto: João Cabral de Melo Neto (1920-1999) e Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Pessoalmente, porém, penso que ela é a mais radical dos três.

Valor: Você fez uma síntese de cada um dos romances de Clarice e do momento que ela vivia. Ao rever a autora, houve algum aspecto novo ou específico que lhe chamou a atenção? Você chegou a descobrir algo novo sobre ela?

Castello: Trabalhei com anotações que fiz nos próprios livros, durante as várias leituras que já fiz dos romances de Clarice. A grande novidade que encontrei, para mim pelo menos, não chega a ser uma novidade: a grandeza da obra de Clarice se confirmou. Existem muitos escritores cujas obras se desgastam com o passar dos anos. Para não falar de escritores, mas de cineastas: recentemente, por exemplo, revi alguns filmes de Luis Buñuel (1900-1983) de que guardava fortes lembranças e que preferia não ter revisto, pois a passagem do tempo os machucou. Creio, ao contrário, como já disse, que a grandeza da obra de Clarice só aumenta com o tempo.

Valor: Você considera Clarice uma autora brasileira ou universal?

Castello: Clarice é universal, e por uma razão muito simples: a quem ela pode ser comparada? A ninguém, a não ser a si mesma. Clarice é uma escritora radicalmente singular, assim como são Franz Kafka [1883-1924], Fernando Pessoa [1888-1935], James Joyce [1882-1941], Guimarães Rosa. Todo "descendente" de Kafka é um copiador. Todo "discípulo" de Rosa é um imitador. Clarice entendia a literatura como o reino do absolutamente particular. Lugar por excelência do Um, a literatura só perde a força quando a enterramos no lodo das comparações.

Valor: Clarice Lispector é um clichê?

Castello: Clarice não gostava de ser chamada de escritora. Odiava os clichês, os crachás, os chavões. O clichê de "escritora", ela sentia, limitava seu trabalho _uma ficção que, segundo sua própria e consagrada fórmula, desejou chegar a "atrás de detrás do pensamento". Não é possível pensar em clichê no caso de Clarice. Claro, o ambiente comercial transforma tudo em clichê e disso ninguém, nem Clarice, consegue escapar. Mas sua literatura não tem relação alguma com essas manipulações comerciais.


Extraído do sítio ClickPB 

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