26 de março de 2012

BOSSA NOVA: A INVENÇÃO DE TOM E VINICIUS AINDA NÃO TEM NADA DE VELHA - Vivian Veríssimo

Tom e Vinicius, os principais autores do movimento 
As vozes impostadas que dominavam as rádios no fim da década de 1950 cederam espaço a um cantar falado e em tom baixinho. Eram os primeiros passos da bossa nova que, anos mais tarde, seria reconhecida e ouvida internacionalmente como um ritmo genuinamente brasileiro. Este rompimento de estilo foi realizado entre boas doses de samba, jazz e da boêmia que inspirou os compositores, músicos e cantores que transitavam pelos míticos bares da zona sul do Rio de Janeiro, especialmente o Beco das Garrafas.

A maioria rotula o disco “Chega de Saudade” do ex-crooner, cantor e violonista baiano João Gilberto, de 1958, como o marco fundador da bossa nova, enquanto outros defendem que a música “Se todos fossem iguais a você” de 1956, que foi executada na peça “Orfeu da Conceição”, já apresentava as características do estilo e, portanto, seria a pioneira. Mesmo com esse dissenso de datas, o que importa é que as duas canções são de autoria do poeta Vinicius de Morais e do maestro Antonio Carlos Jobim, os dois maiores nomes da bossa nova.



Nossa famosa garota nem sabia / A que ponto a cidade turvaria / Esse Rio de amor que se perdeu | Foto: Reprodução 
Oficialmente, a bossa deu o “ar da graça” na década de 1950, mas foi num bar em 1962 que uma nova canção composta pela dupla Tom e Vinicius garantiu notoriedade mundial ao ritmo. Segundo a gravadora Universal, a música “Garota de Ipanema” só não foi mais tocada do que “Yesterday” do Beatles e já foi gravada mais de 500 vezes em múltiplas línguas. Concebida entre um chopp e outro no Bar Veloso em Ipanema (atualmente bar Garota de Ipanema), ela estreou numa pequena boate chamada Au Bon Gourmet. Vinicius, Tom e João Gilberto permaneceram em cartaz durante 40 noites, em seis semanas. Além de “Garota de Ipanema”, outras quatro grandes canções foram lançadas naquela temporada: “Samba do avião”, “Só danço samba”, “Samba da benção” e “O astronauta”.



Com influência do jazz estadunidense, a bossa nova é considerada um subgênero do samba por ter elementos do samba sincopado. No início, o termo “bossa nova” era apenas uma forma de cantar e tocar samba, mas começou a ganhar contornos de movimento nas reuniões e encontros de um grupo de músicos da classe média carioca em apartamentos da zona sul, como o de Nara Leão em Copacabana.

Nara, a musa número 1| Foto: Reprodução 
O legado da bossa nova é bastante vasto, deixou um repertório em que se destacam também: “‘Desafinado”, “O barquinho”, “Eu Sei Que Vou Te Amar”, “Águas de março”, “Corcovado”, “Insensatez”, “Samba de uma nota só”, “O pato”, “Meditação”, “Só tinha de ser com você”, “Minha Namorada”, “Fotografia”, “Passarim”, “Carta ao Tom”, “Vivo Sonhando”, entre outros. Seus nomes mais emblemáticos são João Gilberto, Nara Leão, Vinícius de Moraes, Antônio Carlos Jobim, Baden Powell e Luiz Bonfá.

O sucesso da bossa nova pode ser explicado pelo rompimento com as tradições musicais da época: enquanto ídolos da época como Orlando Silva cantavam com voz grave e impostada, a bossa nova cantava de uma forma mais lenta, era um cantado-falado, um cantado-baixinho.

Por outro lado, a ênfase às canções “do amor demais” deixaram um estigma de despolitização tatuado nos integrantes da bossa, os quais não elaboravam músicas engajadas num momento em que os militares depuseram um presidente e instituíram uma ditadura. Estas críticas culminariam numa espécie de cisão ideológica. Com uma visão mais popular e nacionalista, alguns integrantes fizeram uma contundente crítica da influência do jazz e propuseram uma aproximação com compositores do morro, como o sambista Zé Ketti. Um dos pilares da bossa, Carlos Lyra, aderiu a esta corrente, assim como Nara Leão, que estabeleceu parcerias com artistas como Cartola, Nelson Cavaquinho e João do Vale, autor de baiões e xotes nordestinos. Nesta fase de releituras da bossa nova, foi lançado em 1966 o antológico “Os Afro-sambas”, de Vinicius e Baden Powell.

“A nova MPB politizada parecia algo que já não era bossa nova, mas ainda era um pouco; não tinha compromissos com o samba e queria flertar à vontade com outros ritmos, temas e posturas. E queria, principalmente, ser nacionalista, para purgar-se dos excessos de influência do jazz na bossa nova”, escreveu Ruy Castro, autor do livro “Chega de Saudade” sobre a história da bossa nova.

O "eliscóptero" em Arrastão | Foto: Reprodução 
O fim da bossa?

Vinicius de Moraes, um dos maiores representantes da bossa nova, ironicamente comporia um dos marcos do fim da hegemonia do movimento. Em 1966, em parceria com Edu Lobo, escreveu “Arrastão”, defendida por Elis Regina no I Festival de Música Popular Brasileira. Era o fim da bossa nova e o início do que se rotularia MPB, gênero difuso que abarcaria diversas tendências da música brasileira até o início da década de 1980.

A MPB nascia então com artistas novatos, como Geraldo Vandré, Edu Lobo e Chico Buarque de Holanda, que ganharam fama nos festivais de música popular. Eles tinham pouco ou quase nada de bossa nova. Vencedoras do II Festival de Música Popular Brasileira, realizado em São Paulo em 1966, “Disparada”, de Geraldo, e “A Banda”, de Chico, podem ser consideradas marcos desta ruptura e mutação da bossa em MPB.

Para muitos, a bossa nova envelheceu e somente representa a trilha sonora das novelas do dramaturgo Manoel Carlos da TV Globo. Por outros, o gênero aparece revigorado, despertando a curiosidade de pessoas que não viveram aquela época, sendo um ritmo bastante executado em várias partes do mundo. “Ligue o rádio em Nova York, Montreal, Paris, Tóquio ou Sydney e você ouvirá Bossa Nova. Em discos, a música de Antonio Carlos Jobim e João Gilberto vive a bordo de aviões, navios, bares, elevadores, salas de espera, aeroportos, estações, ferroviárias – e, ao vivo, em salas de concerto, teatros, ginásios, estádios, praias. Isso está acontecendo há mais de 40 anos”, escreveu Ruy Castro e completou: “O Brasil só redescobriu a Bossa Nova no comecinho dos anos 90. Hoje, a Bossa Nova está presente na vida do brasileiro de novo. Ainda bem”.


Extraído do sítio do Sul21

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