28 de março de 2012

TREZE LIVROS E UM DESTINO LEITOR - Wander Lourenço

Estávamos a petiscar queijos e azeitonas no Antigamente, da Rua do Ouvidor, eu, mais os poetas Marco Antônio Saraiva, André Luís Pinto e o jovem sonetista Teixeira dos Santos quando, repentinamente, este último resolvera indagar-me sobre quais seriam os treze romances da literatura brasileira que os leitores não poderiam morrer sem ler, com a condição de não terem o visto literário carimbado por São Pedro e seus querubins de alfândega. Como jamais havia cogitado a hipótese de elencar as obras mais importantes do espólio da ficção nacional, solicitei ao garçom lápis, papel e cerveja, não sem antes objetar que tal seleção adviria da leitura particular de um reles intelectual de botequim.

Desafio aceito, salvo engano coube ao Saraiva explicitar que se ajuizasse a respeito de cada escolha para breve debate e contestação. Logo na votação do primeiro lugar iniciou-se uma polêmica em relação a Memórias póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro e Grande sertão: Veredas. Expliquei-lhes que, se a lista por mim fosse organizada, eu escolheria o livro de Guimarães Rosa, mesmo que considerasse Machado de Assis um ficcionista de maior calibre do que o escritor mineiro.

Não será preciso dizer que fui acusado de prolixo e contraditório pelos engajados interlocutores de boêmia ocasião. Protestei que o Rosa conseguira suplantar o mestre fluminense ao conceber a mais espetacular fabulação pelo viés da inventividade lírica que, a partir de uma proposição inovadora de âmbito narrativo e linguístico, pairaria sobre o espaço limítrofe entre o sublime e o espanto.

Após mordidas e assopros, consegui ponderar que a medalha de prata seria destinada a Dom Casmurro, por razões que irei retratar no próximo artigo. Porém, a decisão foi difícil pelo que tais Memórias Póstumas representariam, no cenário pátrio oitocentista, divisor de águas merecedor de um bronze prateado. O quarto colocado foi Macunaíma, de Mário de Andrade, por sua magnífica releitura das contradições congênitas de uma desvairada nação sem caráter a clamar por macumba e ritos antropófagos. Em quinto lugar ficou Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, seguido de muito perto por Viva o povo brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro. Neste caso, a justificativa plausível é que ambos os discursos se pautam por implícitos acenos dialógicos com o passado histórico ilustrado pelo antológico refrão de Oswald de Andrade: Tupy or not tupy – that is the question. Aliás, ratifiquei que Memórias sentimentais de João Miramar fora preterido por questões estéticas apesar do ideário vanguardista. 

A sétima colocação foi ocupada por Crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso, esplendorosa interpretação da alma humana por ferramentas de análise e introspecção, em consonância com a laboração de um estilo fragmentado quiçá a bordar o discurso da pós-modernidade. A obra-prima Fogo morto, de José Lins do Rego, fora escolhida para figurar no oitavo lugar por esboçar um retrato quase que proustiano da herança colonial através da decadência dos engenhos de cana-de-açúcar povoado pelo capitão Vitorino Carneiro da Cunha. O romance A hora da estrela, de Clarice Lispector, abocanhou o nono lugar por sua investida na bifurcação de uma tessitura que se ancora na magnífica verossimilhança do esboço de sua Macabéa.

Para o décimo lugar foi indicado Vidas secas, de Graciliano Ramos, cujas peregrinações dos imigrantes capitaneadas por Fabiano ultrapassam a fronteira da denúncia social. A décima primeira vaga foi ocupada por O cortiço, de Aluísio Azevedo, organicidade social arquitetada pela visão determinista por sobre a saga de João Romão, Bertoleza e Rita Baiana. No décimo segundo posto, Iracema, de José de Alencar, pode servir de parâmetro para se investigar parte do percurso da prosa de ficção, por seu mérito de originalidade forjada pelo projeto de nacionalidade romântico. Para a décima terceira posição optei por Dona flor e seus dois maridos, de Jorge Amado, pela força de imaginação criadora.

Apesar dos protestos de injustiça com uma ou outra obra mal avaliada, para acalmar os ânimos se estabeleceu que cada qual compusesse a sua lista particular, a fim de que, por média, definíssemos o ranking com um mínimo de coerência selada com mais um brinde ao autor brasileiro. Enfim, ao Leitor peço que se sinta convidado ao duelo que o título sugere sobre o destino dos treze livros e publique neste espaço a sua seleção literária. 

* Wander Lourenço de Oliveira, doutor em letras, é professor da Universidade Estácio e autor dos livros ‘Com licença, senhoritas (A prostituição no romance brasileiro do século 19)’ e ‘O enigma Diadorim’. wanderlourenco.

Extraído do sítio do Jornal do Brasil

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