1 de março de 2012

"O LIVRO PRECISA DE MAIS DIVULGAÇÃO", DIZ MARCELO DUARTE - Vanessa Gonçalves

Marcelo Duarte comanda a editora Panda Books e segue apaixonado por livros, jornalismo e esportes
O jornalista Marcelo Duarte queria ser piloto de avião. O desejo de conhecer novos lugares encantavam o menino que ficava entusiasmado com os cartões-postais enviados pela prima de segundo grau, Maria Cristina Duarte, que era editora da revista Claudia.

O gosto pela leitura e escrita aproximaram Marcelo Duarte do jornalismo. Afinal, a profissão permitia que unisse a paixão por viagens, escrita e futebol numa coisa só. Tanto insistiu na paixão pelo jornalismo esportivo, que logo passou a trabalhar na revista Placar. De lá para cá os anos passaram e hoje Marcelo Duarte também é dono da Panda Books, uma da editoras mais queridas pelos amantes do futebol e da boa literatura. De fato, Marcelo é louco por livros, jornalismo e futebol.

Como começou sua relação com a literatura?

Eu tinha o sonho de escrever um livro, mas ainda não sabia sobre o quê. Não sabia se seria um livro-reportagem ou uma biografia sobre alguém. Só tinha colocado na minha cabeça que eu ia escrever um livro. Quando estava trabalhando na revista Veja São Paulo comecei a guardar recortes com informações curiosas para usar nas minhas reportagens. Uma vez fiz uma matéria sobre atendimento bancário e fiquei na fila duas horas e dez minutos. Na hora de escrever o texto comparei usando uma curiosidade, mostrando que se uma lesma fizesse o mesmo percurso que eu fiz no banco ela ia demorar uma hora e 40 minutos Então usava essas curiosidades nas minhas reportagens e era muito elogiado.

Era o seu diferencial?

Sim, eu usava isso para dar um “molho” na reportagens e era incentivado a usar isso cada vez mais. Um belo dia, por uma grande coincidência, estava no interior de São Paulo, na casa de uma tia para o casamento de um primo e vi na prateleira a “Enciclopédia Curiosa”. Comecei a folhear enquanto esperava e achei muito engraçado, apesar de serem livros muito defasados. Resolvi apresentar um projeto para a editora Companhia das Letras para fazer a “Enciclopédia Curiosa” em versão atualizada. Eles toparam e batizaram de “Guia dos Curiosos”. Fiquei um ano trabalhando na versão dos almanaques dos anos 60 e aí o livro pegou. Foi um dos livros mais vendidos de 1995 e ficou na lista de mais vendidos em primeiro lugar quase o ano inteiro.

Então esse projeto abriu as portas do mundo da literatura para você?

Sim, deu a oportunidade para que eu escrevesse outros almanaques e livros de literatura juvenil. Hoje eu tenho publicados cinco livros pela Coleção Vaga-lume, o “Guia dos Curiosinhos”, “Os Endereços Curiosos de São Paulo”, entre outros. Esse livro abriu uma série de possibilidades porque as pessoas começaram a me enxergar como um especialista em curiosidades. Foi um campo muito legal que se abriu para mim na literatura também.

Blog dos Curiosos
E como foi apostar na literatura e abrir uma editora? 

Depois de um tempo escrevendo livros para a Companhia das Letras eu saí da Editora Abril porque os livros começaram a me tomar muito tempo. Em 1998 eu queria fazer um livro que era a continuação de uma reportagem de capa que eu fiz para a Veja São Paulo. A matéria falava sobre onde encontrar o que é difícil em São Paulo. Apresentei o projeto e a editora não se interessou. Eu queria muito lançar o livro porque gostava muito daquela ideia e pensei: ‘vou abrir a minha editora para lançar esse livro’. Na minha cabeça dava para abrir uma editora para lançar apenas um livro, mas vi que não era tão simples, que na verdade eu tinha que ter um projeto. Comecei a perguntar para outros amigos jornalistas se tinham livros para serem publicados e achei meia dúzia de pessoas com projetos de livros legais. Aí criei a editora para fazer os meus livros e o de mais algumas pessoas. 

Esse projeto recusado pela Companhia das Letras deu certo?

“Os Endereços Curiosos de São Paulo” deu muito certo e de cara vendeu 20 mil exemplares, ajudando a mostrar o nome da editora que estava nascendo e tinha apenas um livro no catálogo. O segundo livro também deu certo, o terceiro também... Enfim, a editora começou a ter um movimento legal, a vender bem e as livrarias reconheceram que eu tinha um projeto. Hoje a Panda Books tem 12 anos de vida, 350 títulos publicados, muitos livros adotados em escolas, além de outros livros que aparecem nas listas dos mais vendidos. A coisa cresceu, mas no começou eu atendia a porta, ajudava a editar, ia entregar os livros.

O Brasil é um país que não tem a cultura da leitura. Qual é o desafio de fazer livros atrativos para que as pessoas tomem gosto pela leitura? 

De verdade? Acho que o livro precisa de mais divulgação. Sofremos pelo número excessivo de livros no mercado e o espaço reduzido na mídia para falar deles. Um exemplo: temos três estreias por semana no cinema e todos os jornais, tevês e rádios conseguem falar sobre esses lançamentos. No caso dos livros, em uma semana, sem exagerar, devem ser lançados uns 200 livros e o espaço que o livro tem na mídia é o mesmo do cinema, ou seja, apenas uns três ou quatro, são divulgados por semana. Podemos até dizer que há muita porcaria ou mesmo livros que não têm mercado, mas com certeza tem muita gente que poderia se interessar por mais livros se soubessem que eles foram lançados. Hoje as livrarias não têm espaço para tantos lançamentos e selecionam os autores mais conhecidos. Então tem muito livro que você nem sabe que existe.

O acesso à internet também prejudica que a leitura se torne um hábito?

Com certeza. Temos uma disputa de espaço muito grande na vida das pessoas. Eu sou de uma geração que não tinha computador, tv a cabo com desenho 24 horas por dia, videogame, então o livro era um passatempo que tinha mais espaço na nossa vida. Hoje há uma luta inglória. Você tem que lutar para que as crianças se apaixonem pela literatura muito cedo, porque depois quando entra na competição com a internet, o livro acaba perdendo, mas também acho que faltam para as escolas um projeto de literatura. Eu defendo que as escolas parem um pouco com a opção dos livros obrigatórios e façam uma oferta maior para os alunos para que eles possam escolher o que querem ler. Talvez isso seja importante para as escolas para quando chegar a idade da leitura dos clássicos. Quem sabe assim os alunos não tenham tanto pavor do livro e o interesse pela leitura surja naturalmente, não como uma coisa imposta.

Então você acredita que uma maior oferta de livros pode estimular o gosto pela leitura desde a infância?

Acho que as escolas devem fazer com que as crianças leiam e que a leitura seja obrigatória, mas que os títulos não sejam impostos. Porque tudo é questão de gosto. Você pode se encantar por um livro e outra pessoa detestar, então ao oferecer um leque maior talvez ajudasse. Hoje as bibliotecas escolares são bem antiquadas, mas também há escolas com projetos ótimos onde jogam almofadões no chão e deixam o espaço da leitura mais descontraído. Já vi também escolas que têm o horário da leitura para toda a escola onde de tal hora a tal hora todo mundo vai ler, desde o cara da cantina, até o professor, o bedel e a diretora. Isso é muito bacana. A verdade é que as escolas têm umas atividades que não acrescentam nada, então deveriam abrir mais espaço para a leitura.

Hoje brigamos muito por espaço com a internet. Você acha que o caminho para ampliar o alcance da leitura seria o lançamento de e-books?

Acho que isso é inevitável. Não dá para imaginarmos que o papel vai durar para sempre. O livro de papel não vai acabar totalmente, porque ele ainda vai ter uma utilidade. Agora o tablet permite que você faça livros com muita interação, o que pode desviar sua atenção da leitura também. Afinal, não estamos falando apenas do livro, mas também da leitura em si. Pouco importa se a pessoa está lendo em papel ou tablet, o importante é que as pessoas tenham o hábito da leitura. E não só a leitura de ficar lendo manchete de site de notícia da internet achando que você está informado porque lê as manchetes do UOL. Tem que ler um pouquinho mais. Acho que o próprio jornal vai ter espaço para artigos mais trabalhados e não vai perder a importância na era dos tablets. Na minha opinião, o tablet é mais uma mídia que vai ter seu espaço e pode até ser uma solução para a leitura, mas a grande preocupação é que se e-book será uma plataforma para você ler ou ele terá que ter desenhos, filmes e um monte de coisas agregadas.

Isso acabaria dispersando a leitura?

Sim. Antigamente tínhamos os cd’s room que eram mais ou menos isso. Agora, também não sei como serão os livros para smartphone. Acho dificílimo ficar lendo livros no celular. Eu tive a experiência de pegar um livro meu, a "Enciclopédia dos Craques", que é um livro de consultas e criar um aplicativo dele para celular. Livros de consulta são modelos que permitem a entrada nos celulares, agora livros só de leitura, eu não sei se darão certo. Talvez só se forem de poesia ou leituras mais curtas, como livros infantis.

Você tem algum projeto editorial de sua autoria para 2012?

Eu vou relançar o "Guia dos Curiosos dos Jogos Olímpicos" agora no meio do ano, mas quero fazer um "Guia dos Curiosos" inédito. Estou apostando num volume sobre videogames. A Panda tem um milhão de projetos. Estamos prevendo 50 lançamentos neste ano, inclusive dois deles são livros-reportagem. Um contará a historia dos bastidores dos 30 anos do filme “Coisas Eróticas”, que foi o primeiro filme pornô brasileiro, onde falaremos sobre o fim da censura e o fim da Boca do Lixo que sai da linha das pornochanchadas e vai para a linha do pornográfico. É um livro histórico de valor muito grande. O outro é a tradução de um livro de um jornalista argentino que escreveu a história da "La Doce", a torcida mais temida da Argentina. Ele fez um trabalho investigativo sensacional dos bastidores. Através do livro você consegue entender como é uma organização não é só com relação ao futebol mas com as questões que envolvem poder, dinheiro e violência. O autor deste livro, Gustavo Gabria, foi convidado e aceitou participar do Congresso de Jornalismo Investigativo deste ano.

Extraído do sítio Portal da Imprensa

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários serão moderados. Não serão mais publicados os de anônimos.