16 de abril de 2012

MUKAI - Ana Paula Tavares



Corpo já lavrado 
eqüidistante da semente 
é trigo 
é joio 
milho híbrido 
massambala 

resiste ao tempo 
dobrado 
exausto 
sob o sol 
que lhe espiga 
a cabeleira.

O ventre semeado 
deságua cada ano 
os frutos tenros 
das mãos 
(é feitiço) 
nasce 
a manteiga 
a casa 
o penteado 
o gesto 
acorda a alma 
a voz 
olha pra dentro do silêncio milenar. 

Um soluço quieto 
desce 
a lentíssíma garganta 
(rói-lhe as entranhas 
um novo pedaço de vida) 
os cordões do tempo 
atravessam-lhe as pernas 
e fazem a ligação terra. 

Estranha árvore de filhos 
uns mortos e tantos por morrer 
que de corpo ao alto 
navega de tristeza 
as horas.

O risco na pele 
acende a noite 
enquanto a lua 
(por ironia 
ilumina o esgoto 
anuncia o canto dos gatos) 
De quantos partos se vive 
para quantos partos se morre 

um rito espera-se faca 
na garganta da noite 

recortada sobre o tempo 
pintada de cicatrizes 
olhos secos de lágrimas 
Domingo, organiza a cerveja 
de sobreviver os dias.


Nota: Mukai = mulher


ANA PAULA RIBEIRO TAVARES, nasceu no Lubango, província da Huíla, em 3 de outubro de 1952. Licenciada em História, é funcionária da Secretaria de Estado da Cultura. Obteve o grau de Mestre em Literaturas Africanas pela Universidade de Lisboa.É membro da União dos Escritores Angolanos e autora de um caderno de poesia intitulado, RITOS DE PASSAGEM. Obra poética: Ritos de Passagem, Luanda, União dos Escritores Angolanos; 1985; O Lago da Lua, Lisboa, Editorial Caminho, 1999; Dizes-me coisas amargas como os frutos, Lisboa, Editorial Caminho, 2001.

Extraído do sítio Jornal de Poesia

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários serão moderados. Não serão mais publicados os de anônimos.