30 de abril de 2012

VINHO, CÂNCER E IDONEIDADE - Franklin Rumjanek

Acusação de fraude contra defensor do efeito do vinho no combate ao câncer coloca potencial terapêutico da substância sob suspeita e prejudica outras linhas de pesquisa baseadas nos resultados contestados. (foto: Flickr/Andrew Albertson – CC BY-NC-ND 2.0)
Um ritual praticamente universal ao ingerir bebidas alcoólicas é, antes da libação, brindar os presentes desejando-lhes saúde. Em especial, o consumo de vinho parece justificar tal costume. Dentre as virtudes dessa bebida, têm sido relatadas na literatura científica atividades de proteção contra o câncer além de doenças ligadas ao sistema cardiovascular.

No vinho, o princípio ativo seria o resveratrol, um polifenol que exerceria seus efeitos benéficos por meio da regulação da produção de radicais livres, potenciais agentes carcinogênicos. Radicais livres em excesso são, junto com inúmeros outros compostos, reconhecidamente agentes que podem deflagrar o processo de formação de tumores.

Os verbos estão conjugados no futuro do pretérito porque a recomendação da ingestão de vinho como um procedimento terapêutico recebeu recentemente um golpe sério. 

Um dos principais advogados favoráveis ao resveratrol, o cirurgião Dipak K. Das, da Universidade de Connecticut (EUA) e editor de um importante periódico especializado na área de radicais livres, foi acusado de fraude. Das tem centenas de publicações, mas aquelas que o traíram são 26. 

As acusações se basearam principalmente em resultados que, segundo os analistas, revelaram manipulação por meio de programas utilizados no processamento de imagens. Em outras palavras, Das ‘fabricou’ resultados que apoiariam suas ideias. Naturalmente, sua carreira científica está encerrada e possivelmente também a de seus colaboradores mais próximos. Mas isso não resolve o problema.

Talvez o dano maior tenha sido o efeito cascata resultante do impacto das publicações sobre outros grupos científicos que, em função da leitura de tais textos, nortearam seus próprios projetos, vigentes ou potenciais. Incluam-se aí também as comunidades médica e farmacêutica que investiram, ou teriam investido, pesadamente em protocolos, visando consagrar o resveratrol (e o vinho) como uma arma significativa do restrito arsenal anticâncer.

A fraude de Das não significa, entretanto, que o resveratrol deva cair em desgraça e ser abandonado. Outros grupos de prestígio já produziram resultados encorajadores, mas fica agora a pergunta sobre o que pode ser aproveitado em termos de resultados desde 2002, quando começaram as suspeitas sobre os trabalhos desse médico.

Um excelente artigo publicado na revista Nature (v. 483, 01/03/12) por Barbara Dunn, diretora do programa de prevenção ao câncer do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, discute de maneira muito clara o estado da arte sobre a pesquisa e as novas estratégias de tratamento do câncer. Dunn dá destaque especial ao resveratrol como uma avenida importante a ser percorrida pelos pesquisadores e como alento a todos aqueles preocupados com o aumento da freqüência de incidência do câncer.


Mesmo com as denúncias, as pesquisas devem continuar seguindo o caminho do vinho e do resveratrol. Além dele, ganha força o estudo de outros fitoquímicos que poderiam ajudar a tratar o câncer sem provocar os efeitos colaterais da quimioterapia. (foto: Flickr/ Isabelle Fontrin – CC BY-NC 2.0)
Aliás, segundo Dunn, o câncer parece ser bem mais antigo que o vinho, já que ossos fossilizados de dinossauros exibiam evidências de tumores (pode-se afirmar que o vinho é quase tão antigo quanto a humanidade). Assim, lendo o texto de Dunn no cenário pós-Das, fica a dúvida sobre a validade potencial ou de fato do resveratrol e de outros produtos de plantas, o que ilustra eloquentemente que os malefícios da fraude científica transcendem as paredes do laboratório. 

Além do resveratrol, há no momento uma nítida tendência a fortalecer a fitoquímica como maneira de descobrir novos adjuvantes da quimioterapia em câncer. Certas pimentas, por exemplo, contêm compostos que matam seletivamente as células tumorais, o que é o objetivo maior dos oncologistas. Seria possível com tais produtos evitar os efeitos colaterais da quimioterapia que muitas vezes produzem sintomas piores que o próprio tumor.

Embora a fraude em ciência não seja endêmica ainda, o exemplo de Das vai, infelizmente, complicar ainda mais o processo de publicação científica. Não só a competência dos pesquisadores será julgada, mas também a sua honestidade. Na verdade, alguns periódicos já fazem isso lançando mão de sofisticadas ferramentas de informática.

Franklin Rumjanek - Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


Extraído do sítio Revista Ciência Hoje

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