17 de maio de 2012

AINDA EXISTE O SONHO LATINO-AMERICANO? - Ronaldo Correia de Brito


Houve tempo em que andar com livros de Gabriel Garcia Marquez debaixo do braço e dizer poemas de Pablo Neruda em reuniões era senha para iniciados. Quem não possuía os discos de Mercedes Sosa, Angel Parra e Violeta Parra, cantores de voz melodiosa, carregada de nacionalismo e revolta social? Nas bandas de cá, o intérprete mais afinado com eles se chamava Geraldo Vandré, de triste história e já esquecido. Alguns anos depois, Milton Nascimento assumiria na voz e nas composições uma nota parecida com a dessa utopia musical.

Eram os anos de Latino América, quando as pessoas acreditavam que fazíamos parte de um grande continente formado pelo México, a América do Sul e Central. No Brasil, líamos Juan Carlos Onetti, Miguel Ángel Asturias, Ernesto Sábato, Juan Rulfo, Julio Cotázar, Eduardo Galeano, Alejo Carpentier, Cesar Vallejo, para citar bem poucos e não parecer esnobe. Jorge Luis Borges, o argentino antiperonista, que enfureceu as esquerdas patrulhadoras quando aceitou uma comenda do tirano chileno Pinochet, sobreviveu às modas com sua obra de gênio. Borges era um caso à parte, embora devesse muito aos pampas, aos charcos e aos arrabaldes de Buenos Aires, sempre se inclinou por uma literatura sem os fogos do nacionalismo, que bebia em toda cultura do mundo e de todas as épocas.

As fronteiras do Brasil tornaram-se permeáveis a tudo o que se produzia nessa Latino América, mesmo em tempos de ditadura militar, com censura vigilante e avessa ao que cheirava a arte engajada. O espanhol parecia fácil de ouvir, ler e compreender. O mesmo não acontecia com o português. Éramos a única nação desse extenso continente artificial, criado pelos sonhadores de uma América livre e contrária à outra América – a do Norte –, a falar uma língua diferente. A “última flor do Lácio inculta e bela”, que é “a um tempo, esplendor e sepultura” – o idioma português segundo Olavo Bilac –, nos tornava culturalmente estranhos ao mundo de fala espanhol. 

Começamos a achar as fronteiras deles permeáveis à nossa literatura, o trânsito se fazia em menor intensidade de cá para lá. Intelectuais como Jorge Luis Borges não reconheciam nem mesmo Machado de Assis, orgulho das letras verde e amarelo. Será que não tínhamos mesmo uma literatura de igual valor? Por que o mundo se curvava aos escritores de língua espanhola e nem sequer mencionavam (com certeza porque desconheciam) nossos autores? Seria um problema exclusivo da língua em que falamos e escrevemos? 

Na Feira do Livro de Bogotá, de onde retornei há uma semana, senti que há muito a se fazer para que a literatura brasileira contemporânea seja lida. Os escritores brasileiros leem o espanhol sem dificuldade, falam um portunhol compreensível para todos, mas o brasileiro (evitarei dizer português, a partir de agora) parece grego. Mesmo os intelectuais confessam a dificuldade em ler e ouvir nosso idioma. Esta seria a causa da incomunicabilidade? Ou a literatura produzida em português é mesmo inferior à que se produziu e produz em língua espanhola? 

Existe outra questão bem séria. Em conversa com alguns poetas de diferentes países da América Latina, eles me confessaram uma autossuficiência na produção em idioma espanhol, que os deixam indiferentes ou com preguiça de investigar o que se escreve no Brasil. Algo parecido com a produção em língua inglesa.

Há muitos escritores jovens na Colômbia, escrevendo e sendo lidos. Há ótima literatura, embora eu não possa avaliar se da mesma qualidade da que se produzia nas décadas de sessenta, setenta e oitenta. O que eu arrisco dizer é que o ideário latino-americano não existe mais, foi talvez enterrado com a guerrilha de Che Guevara e o sonho do paraíso de Cuba. 

Che está vivíssimo como um artista pop. A música brasileira possui força e as pessoas falam do Brasil como a Quinta Potência Mundial. Mas ninguém reconhece nossa potência literária. Continuamos a terra das letras por desbravar. Felizmente, existem ações bem sucedidas como o pavilhão brasileiro dentro da Feira de Bogotá, onde fomos o país homenageado. E o esforço do Ministério da Cultura, da Biblioteca Nacional e da Câmara do Livro, que saíram da Colômbia com o elogioso “melhor desempenho de país homenageado dos últimos vinte anos”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários serão moderados. Não serão mais publicados os de anônimos.