2 de maio de 2012

A 'BIBLIOTECA À NOITE' E OS LIVROS DE ALBERTO MANGUEL



A Wikipédia anda meio pobre, pelo menos na versão em português. Uma consulta sobre o que essa "enciclopédia livre que todos podem editar " diz sobre o grande leitor e escritor Alberto Manguel mostra colheita escassa. Diz ali que "Alberto Manguel (nasceu em 1948, em Buenos Aires) é um escritor nascido na Argentina e hoje é cidadão canadense. Passou a infância em Israel, estudou na Argentina e vive atualmente no interior da França. É ensaísta, organizador de antologias, tradutor, editor e romancista".

É pouco, muito pouco para homem tão criativo. A Wikipédia não esclarece que Alberto morou em Israel porque durante um tempo seu pai serviu ali como embaixador da Argentina, nem que ao voltar para a Buenos Aires natal encontrou problemas de adaptação pela pouca fluência do idioma pátrio. Nesse período, descobriu as aventuras da Emília, do Sítio do Pipa-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato. Confessa que sentiu empatia pela boneca por enfrentar como ela os mesmos problemas com a escola, no caso dele, o Colegio Nacional de Buenos Aires.

Manguel chegou a iniciar, em 1967, um curso na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires, mas abandonou os estudos para dedicar-se ao que realmente gostava de fazer: ler. Foi trabalhar numa editora portenha. Em busca de sua vocação, mudou-se para a Europa, trabalhando como parecerista de diversas editoras na Espanha, França, Itália e Inglaterra, lendo textos originais para decidir ou não sobre sua publicação. Passou por casas de prestígio, como a Gallimard e Les Lettres Nouvelles, de Paris, além de Calder & Boyars, em Londres.

Aos poucos, começou também a escrever. Seu primeiro prêmio chegou quando morava em Paris, em 1971: tirou o primeiro lugar num concurso do tradicional diário portenho La Nación, atribuído a uma coleção de contos escrita em parceria com Bernardo Schiavetta (poeta franco-argentino). Talvez esse prêmio influenciasse sua decisão de voltar para a Argentina em 1972, com o convite para trabalhar no mesmo jornal La Nación,considerado o porta-voz da "oligarquia argentina". Mas foi uma permanência curta, pois em 1974 a chique casa editorial Franco Maria Ricci, de Milão, fazia uma proposta, imediatamente aceita. Ali conheceu Gianni Guadalupi, especialista em roteiros e guias turísticos, com quem escreveu o primeiro livro, Dicionário de Lugares Imaginários, publicado aqui pela Companhia das Letras em 2003. Exatamente um dicionário, o livro revisita lugares imaginários da ficção mundial, começando de A, de Abadia da Rosa (referência ao romance de Umberto Eco) a Zuy, próspero reino dos elfos na Holanda. No meio do caminho, passeia por Atlântida, Xanadu, Shangri-La, a Terra do Nunca, Antares (no Rio Grande do Sul, extraído do romance de Érico Veríssimo), Sabá, na Etiópia, de onde teria partido um dos reis magos, ou o País das Maravilhas, refazendo o caminho da Alice de Lewis Carrol.

A estas alturas nômade assumido, Alberto Manguel segue em 1976 para o Taiti, convidado para ser editor assistente da Les Editions du Pacifique, onde passou meia década, com uma pequena tentativa empresarial sem grande sucesso como editor na Inglaterra.

Em 1982, já com 34 anos, instala-se em Toronto, adotando a nacionalidade canadense. Nos próximos dezoito anos dará vazão a sua verve ensaística, escrevendo regularmente em jornais como Globe & Mail, de Toronto,The Times Literary Supplement, de Londres, e os conhecidos New York Times e The Washington Post - além de outros, como The Sydney Morning Herald e Australian Review of Books , além de resenhas regulares de livros e de obras de teatro para a Canadian Broadcasting Corporation. Nesse período, dedicou-se a produzir uma dezena de antologias, resultado do vasto conhecimento acumulado nos anos em que operou como parecerista.

Mora atualmente num vilarejo de Poitou-Charentes, na França, com os livros amealhados em tantas andanças. Ali, comprou um antigo convento em ruínas e o reformou para transformar em residência. E no galpão dessa construção medieval, instalou sua fantástica biblioteca, que soma mais de 40 mil exemplares, segundo a mais recente entrevista, concedida durante uma palestra na Ottawa Public Library Foundation (o tema do encontro foi sobre o futuro do livro!). A organização de seus livros é o gancho para escrever A Biblioteca à Noite, discorrendo sobre muitas outras bibliotecas, como a do rei Assurbanípal, em Nínive; a de Alexandria; a Biblioteca do Congresso Americano. Ou a enciclopédia de Diderot e d’Alembert, a monumental enciclopédia chinesa Yongle Dadian ou até de sua própria coleção de literatura de cordel, adquirida no nordeste do Brasil. Ficamos sabendo ainda sobre as bibliotecas gratuitas criadas pelo milionário americano Andrews Carnegie, nascido na Escócia: sovina e unha de vaca com seus empregados, Carnegie criou mais de 2.500 bibliotecas nos EUA e em países de língua inglesa. Manguel esmiúça ainda a fantástica coleção de Aby Warburg, judeu alemão que viveu em Hamburgo na virada do século XIX para o século XX. Aby, que herdaria a instituição financeira da família, abdicou do direito de primogenitura em favor do irmão, em troca da garantia de que este compraria todos os livros que ele quisesse. Figura emblemática de amor ao livro, Aby Warburg organizou sua biblioteca pela afinidade ou "proximidade" que encontrava entre os livros, espécie de política de boa vizinhança.

www.alberto.manguel.com
O arranjo de sua própria biblioteca dá margem a Manguel, um excelente contador de histórias, para discorrer, com requintada erudição, sobre a forma das bibliotecas, a ordem e a organização e sobre como classificar livros. Ou sobre o poder que permite colecionar livros ou construir templos para abrigá-los. São quinze deliciosos ensaios, que valem a viagem. O "À noite", do título, se refere ao horário que Manguel considera o ideal para reler seus livros, sem os ruídos do dia, em paz com os sussurros de seus autores queridos.

Definitivamente, Alberto Manguel é autor sem contraindicações para quem busca o prazer de ler - que, para Borges, era a única forma de leitura que conta.


Extraído do sítio R7

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