21 de maio de 2012

DE LIVROS E FESTIVAIS LITERÁRIOS - Nikelen Witter

No fim de abril último, Porto Alegre sediou dois interessantes eventos literários. O Festipoaliterária, nos dias 18 a 28 de abril, e a 1ª Odisseia de Literatura Fantástica, nos dias 27 e 28 de abril. Mesmo que os eventos não tenham propriamente “conversado”, fica claro que, se a literatura não vive um momento importante, ao menos há, em torno dela, um movimento digno de atenção.



Meus vícios de historiadora me colocam sempre em cautela quanto a analisar o presente, no entanto, essa renovada atenção à literatura tem me extasiado. É claro que estou consciente dos debates sobre a arte literária hoje. Os que acreditam em sua morte, os que defendem sua reestruturação, os que afirmam (ainda) que os jovens não leem e não se interessam por ler, os que veem na digitalização da leitura o fim da civilização como conhecemos. É certo que nossas práticas de leitura irão se modificar. Já estão se modificando e são, até mesmo, diferentes do que eram há pouco mais de 5 ou 10 anos. E estas modificações irão prosseguir, não tenho dúvidas.

A grande pergunta tem sido: mas, e se as mudanças nas práticas de leitura matarem o livro e a literatura? É uma preocupação séria e louvável. Contudo, o que quer que venha depois da literatura em forma de livros irá adaptar-se a sociedade que a criar. E a arte literária – tenho certeza – irá recriar-se neste ou em qualquer outro suporte. Somos seres narrativos, não conseguimos fugir disso, seja na forma do romance ou em qualquer outra forma de contar histórias que a antecedeu ou sucederá. Vejo, em muitos debates acerca do período de mudanças que estamos vivendo, uma espécie de exercício de apego a um mundo que, de qualquer forma, já não nos pertencerá. Nós, seres do livro, partiremos, os que ficarem, criarão e recriarão sobre o legado civilizacional que deixarmos. O fato é que, assim como o códice substituiu o rolo de pergaminho, outras formas virão.

Preocupa-me bem mais a manutenção da leitura. E aí entramos em outra série de debates. Toda a leitura é válida? Ou não? Será que somente a leitura cultural e socialmente valorizada faz o leitor ou é leitor aquele que lê até mesmo bula de remédio para passar o tempo? Que tipo de leitor queremos que se forme para viver esse futuro de mudanças? O leitor da literatura “fácil” jamais chegará à literatura “superior”? E, nesta última questão ainda temos uma disputa de poder: afinal, quem irá deter o controle sobre os Olimpos literários? O público? Voraz, mercadológico, sem gosto? Os críticos? Encastelados, padronizados, academicistas? (Utilizei aqui apenas os termos com que uns se referem aos outros e não minha opinião).

De fato, estamos longe de respostas unívocas ou, mesmo, de qualquer tipo de resposta. Talvez, nem mesmo as perguntas sejam exatamente estas ou formuladas desta maneira. É esta confusão que faz com que muitos definam este como um momento de crise. No entanto, poucas coisas podem ser mais pujantes e férteis que os períodos em que o caos das perguntas (ainda mais que o das respostas) se instala. E a arte literária é um terreno assaz produtivo para que se criem e recriem saídas para conjuntura convulsionada que vivemos.

Pessoalmente, acho que toda a forma de leitura vale à pena. Creio no vício que a leitura provoca. Creio na imaginação. Creio no deleite e na angústia. Creio em todas as coisas que, há dois séculos e meio, fizeram com que os romances fossem uma novidade mal vista. Admito todas aquelas objeções que, 500 anos atrás, fizeram com que a leitura fosse negada ao povo e às mulheres para não estimular-lhes a rebeldia. Objeções que o próprio Sócrates, há mais de dois mil anos, expressou para a leitura como um todo, quando ela passou efetivamente a roubar espaço da oralidade.

De tudo, acredito, mesmo com tantos a anunciar o apocalipse, devemos comemorar o aquecimento do setor literário e os novos e velhos leitores que agora correm para luz empunhando bandeiras e camisetas. Os livros estão na boca do povo, tornaram-se objetos próximos e não restritos a alguns. São vendidos em catálogos de cosméticos, em lojas de departamento, estão nas paradas de ônibus, são ouvidos via fones, assistidos no cinema e na TV e depois, vendidos novamente na forma de livros. Comenta-se por toda parte e quer se ter uma opinião a respeito. Ler não é mais feio. É uma moda crescente, embora, é provável, os leitores novos não leiam exatamente aquilo que os antigos gostariam de lhes indicar. Entretanto, são dois crescimentos a serem encarados. Um deles é no número de leitores. O outro, o do enriquecimento das formas literárias consumidas. Engendrá-los é o papel de professores, autores, editores, críticos, leitores apaixonados. É aí que os encontros e festivais literários descobrem seu mais importante papel.

Por questões de distância – morando no interior deste estado de estradas longas e ausente de trens rápidos – não pude participar do Festipoaliterária, mas estive presente à 1ª Odisseia de Literatura Fantástica. Esta última dedicou-se a um gênero de criação que vem crescendo e ganhando admiradores não apenas no domínio da literatura (veja o FANTASPOA, festival que contempla o gênero no cinema e que rendeu o excelente artigo do Gabriel Cid de Garcia, aqui mesmo no Sul21. O segundo dia do evento foi coberto por mesas de debate em que ficou claro não apenas o interesse em conquistar o público leitor, mas também necessidade de qualificar, cada vez mais, as obras que são oferecidas a ele. Autores, editores e público lotaram o auditório do Memorial do Rio Grande do Sul durante todo o chuvoso sábado do dia 28 para trocarem experiências e fortalecerem um movimento literário que já se espalha pelo país. Da Fantasticon em São Paulo (que já vai para seu sexto ano), aos encontros da cultura nerd, filhas e filhos destes festivais têm se espalhado pelo país. Já há uma Fantasticon em Londrina e, em fins do ano passado, ocorreu o 1º Encontro de Literatura Fantástica de Pernambuco. No caso da 1ª Odisseia de Literatura Fantástica de Porto Alegre, resolvi ir além de minhas impressões pessoais e conversei com os três organizadores: Cesar Alcazar e Duda Falcão, da editora Argonautas, e o escritor Christopher Kastensmidt. Gentilmente, o Cesar fez uma pequena avaliação do evento para esta coluna e também traduziu alguns termos nos quais os leitores não-iniciados ou recentemente iniciados tropeçam.

1. Como você definiria a Literatura Fantástica e o momento em que ela vive no Brasil?

A Literatura Fantástica é a literatura que lida com o imaginário, o irreal, o sobrenatural. Ela se divide em três veios principais: Fantasia, Horror e Ficção-Científica. Existe desde o início da Literatura, mas só ganhou força a partir de meados do século XVIII.

No Brasil ela vive seu melhor momento. Depois de décadas na marginalidade, a Literatura Fantástica começa a ocupar um grande espaço, com novos livros, autores e editoras surgindo diariamente. E os leitores, que antes viam as publicações de autores nacionais com preconceito, agora acolheram o Fantástico brasileiro.

2. Explique-nos o que as pessoas envolvidas na atividade de escrever, editar e ler Ficção Fantástica chamam de fandom.

Fandom (do inglês fan = fanatic; dom = domain) é a denominação dada ao conjunto de fãs unidos por um interesse em comum. No caso da LitFan, é a comunidade/cenário das pessoas envolvidas na produção e consumo desse tipo de literatura.

3. Como surgiu a ideia do evento e quais as facilidades e as dificuldades que vocês encontraram para concretizá-lo?

A ideia de realizar um evento de Literatura Fantástica no RS começou a surgir com a participação da Argonautas no Jedicon 2010, em São Paulo. Percebemos que o cenário gaúcho não era unido como o de SP e que havia muito pouca interação entre o pessoal do sul com outros estados. Mas a ideia do evento tomou forma apenas quando Christopher Kastensmidt participou conosco do Fantasticon 2011. O clima do Fantasticon e os contatos que fizemos por lá foram decisivos para a definição do que veio a ser a Odisseia de Literatura Fantástica. A falta de dinheiro para eventos culturais iniciantes é sempre um problema. Mas, isso foi superado com o apoio de vários amigos que nos auxiliaram em diversas áreas, da parte gráfica à divulgação.

4. Como você avalia os resultados do evento?

O sucesso da Odisseia foi ainda maior do que o esperado. Tivemos um público magnífico durante os dois dias de evento. Reunimos cerca de 500 pessoas e tivemos mais de 600 livros vendidos. Editoras e escritores de vários estados (e um autor internacional) estiveram presentes e adoraram ter participado. Toda essa bela recepção por parte do público e dos profissionais confirma o grande momento vivido pela Literatura Fantástica brasileira. E o futuro é promissor.

5. Vocês acham que eventos deste tipo, que estimulam o contato direto de autores e público, podem funcionar no sentido de aumentar o número de leitores?

Sem dúvida. Muitas pessoas ainda veem a figura do autor com certo distanciamento. Acontece que o escritor é uma pessoa como outra qualquer. O contato com o público é essencial para quebrar essa barreira. E nada melhor do que conhecer o autor para se interessar pela obra dele. Melhor do que qualquer campanha de marketing.

* Nikelen Witter é historiadora, professora e escritora.

Extraído do sítio Sul21

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