16 de maio de 2012

A IRRELEVÂNCIA DA LITERATURA BRASILEIRA - Juca Reiners Terron


No mês passado fui convidado a falar sobre José Agrippino de Paula, escritor paulista nascido em 1937 que publicou somente dois romances e alguns poucos contos. Aproveitei e reli tudo dele, além do texto crítico mais conhecido — o único? — sobre sua obra, o ensaio Supercaos, de Evelina Hoisel (Civilização Brasileira, 1980). Para que Zé Agrippino entrasse para a história da literatura brasileira teria bastado apenas Panamérica, livro que influenciou o Tropicalismo e semeou a cachola encaracolada de Caetano Veloso (o paulista é o mais citado no índice onomástico de Verdade Tropical, livro de memórias do músico baiano). A verdade, porém, é que — queiram ou não Caetano e demais defensores da importância de Panamérica, como Mario Schenberg, Celso Favaretto etc — Zé Agrippino não entrou para a história da literatura brasileira: não é lido, não gerou massa crítica. Pergunto: e por que ainda não?

Dias atrás tive a sorte de entrevistar em Porto Alegre o escritor argentino César Aira, frequentemente relacionado como atual camisa 10 da forte literatura produzida na vizinhança. Em meio a outras afirmações, Aira (que entre seus mais de sessenta livros também é autor de um abrangente — repleto de brasileiros — dicionário de autores latinoamericanos) considerou nossa literatura a “mais rica do continente”, além de comentar como a leitura precoce dos contos de Guimarães Rosa quase o levou a desistir de escrever e de tascar uns elogios hiperlativos à obra de Sérgio Sant’Anna, Dalton Trevisan e João Gilberto Noll. Eu o ouvia em seu entusiasmo e pensava o que diriam se ali estivessem os jovens críticos brasileiros tão céticos que militam na internet e enchem a bola dos argentinos sem muito critério, pois tudo vale para parecer moderno e bem informado (chamo isso de “Síndrome de Pepe Escobar”*). O crítico literário brasileiro do século 21 é um provinciano às avessas, preferindo valorizar o estrangeiro a parecer caipira.

E por que Zé Agrippino não entrou para o cânone brasileiro ou mundial (há esperanças, pois Panamerica foi recém editado na França) e os “pepe boys” da crítica literária webrasileira olham tanto para cima, para baixo e nunca para os lados, embora César Airalhes forneça pistas com alguma regularidade (ele já falara de Dalton na Flip em 2007 e vem traduzindo sistematicamente Sérgio Sant’Anna na Argentina)? A releitura de Hoiselme sugeriu uma hipótese: a segunda metade da década de 60 viu no Brasil a explosão da música popular em sua vertente mais estridente e pop, da Jovem Guarda à Tropicália. Com o endurecimento que rolou em 64, mas principalmente a partir de 68, o teatro brasileiro — cujas origens estão diretamente ligadas ao comentário social — também veio para a frente do palco, unindo-se ao protagonismo da música e do cinema. A literatura teve lá seus destaques — o Concretismo, por exemplo, e ensaístas políticos —, contudo a ficção se recolheu aos bastidores.

Tornou-se impossível para a narrativa competir com amplificadores Marshall e plumas e paetês, mas não creio que a ficção literária de então tenha sucumbido à irrelevância, ela apenas não foi ouvida: diante da barulheira de massa provocada pelo impacto estético da Tropicália, pelo Cinema Novo e pela dimensão opositora do teatro (de Augusto Boal, de Zé Celso, e até do próprio Zé Agrippino, cujo Rito do Amor Selvagem espocou a cilibrina da rapaziada), a baixa voltagem da narrativa — mais propensa à fruição individual — se alastrou pelas margens, fazendo a cabeça de uns poucos antenados e atingindo o público apenas indiretamente. Entre criadores da época que só seriam resgatados três décadas depois estão Hilda Hilst, Samuel Rawet e Campos de Carvalho. A situação começa a mudar nos anos 90, mas isto ainda não se reflete na produção crítica brasileira, que continua a dedicar** mais teses a Aira (e a Roberto Bolaño, W. G. Sebald e J. M. Coetzee) do que a todos os brasileiros citados neste texto — juntos.

Isso se deve, evidentemente, ao fato de a Argentina produzir bibliografia crítica sobre César Aira aos montes. Para que, afinal, perder tempo procurando reverter nosso descaso e atraso em relação ao que se produziu aqui se referências abundam logo ali e com as vantagens do câmbio favorável? Enfim, para que pensar? Ademais, é como afirmou Nelson Rodrigues: “Que Brasil formidável seria o Brasil se o brasileiro gostasse do brasileiro.”

* Jovem e pouco esclarecido leitor, Pepe Escobar é um jornalista musical que atuou na Folha de S.Paulo nos anos 80 e adorava citar umas bandas de rock que ninguém conhecia a não ser ele (e eram desconhecidas, claro, porque ele as inventava).

** Não possuo dados estatísticos, só chutes empíricos.

Joca Reiners Terron é escritor. Publicou Curva de rio sujo e Sonho interrompido por guilhotina, entre outros. Pela Companhia das Letras, lançou seu último romance, Do fundo do poço se vê a lua, e relançou seu primeiro, Não há nada lá. Ele contribui para o blog com uma coluna quinzenal.


Extraído do Blog da Companhia das Letras

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários serão moderados. Não serão mais publicados os de anônimos.