14 de maio de 2012

JORGE AMADO E A PUBLICIDADE - Nelson Cadena

Jardim das caricaturas, charges e cartoons
Em 1992, Jorge Amado recebeu em Paris a visita de Nizan Guanaes que então presidia a DM9DDB para ouvir do criativo, numa conversa para lá de amena, uma inusitada proposta. Nizan queria que Jorge redigisse um anúncio de seu próprio punho para a cervejaria Antarctica. Acredite! Isso mesmo. E, acredite, Jorge Amado topou. 

Ninguém nunca cometeu a indiscrição de falar sobre o valor do cachê, mas tenho para mim que não foi o dinheiro que motivou o escritor a criar e assinar a belíssima crônica em torno do hábito e do gosto de se beber cerveja, e sim saber que não estava só nessa empreitada. Tinha a companhia de bons amigos: João Ubaldo Ribeiro, Luis Fernando Veríssimo, Arnaldo Jabor, Armando Nogueira e até o cartunista Ziraldo, convidado a ilustrar a campanha que recebeu na claquete o nome de Paixão Nacional.

Jorge Amado não cumpriu apenas um compromisso, mas escreveu um texto delicioso, se reportando a marcas de cerveja concorrentes, acredite de novo, que começa com a narrativa de um “sol primaveral no norte da França, no rumo de Bruges” a paisagem lhe desvendando um grande mistério: “Cerveja é mulher. Fiquei sabendo quando de minha aventura com a belga... Não deu sequer para Zélia perceber e subir a serra do ciúme. Chamava-se Stela Artois e sua presença de anúncios e cartazes dominava a paisagem, impunha-se com nome e sobrenome, quem seria? Marca de cerveja, assim soubemos e degustamos. Stela Artois, aprendi para sempre o nome e o sabor”. 

Em seguida narra as suas andanças com a cerveja, nos bares de Praga, na companhia de Pablo Neruda, em Viena com Calasans Neto e Auta Rosa, ele e Zélia como cicerones, em Hamburgo e Londres; ali “bebe-se no meio da rua, os copos transbordando sem que uma única gota se perca”. O escritor conclui esse texto magnífico, um primor de narrativa, lembrando “o dialogo entre o cliente indignado e o garçom estouvado” num bar de beira de estrada em Estância, Sergipe: “Eu lhe pedi cerveja, quer dizer que eu lhe pedi Antarctica”. 

Três anos depois, o escritor recebeu outra proposta inusitada. Ser o garoto propaganda de um comercial da construtora Encol conta atendida na Bahia pela Engenhonovo. Cheia de dedos, a agência foi procurar Jorge Amado com a ideia de gravar na sua residência, a casa do Rio Vermelho, um testemunhal seu e de Zélia, narrando as vantagens da “casa da gente”, alusão à casa própria, conceito de campanha da construtora. Jorge topou interpretar o comercial. Dessa vez não teve cachê e sim o patrocínio da Encol para um livro de Paloma, sua filha, como contrapartida. O filme foi ao ar com a declaração espontânea do escritor, não prevista no script “até parece um comercial”. Ganhou a simpatia dos baianos e o Grand-Prix do Bahia Recall, premiação da Rede Bahia para o mercado publicitário, na sua primeira versão. 

A relação de Jorge Amado com a publicidade não se esgota por aí. Em 1981 escreveu, a convite da MPM Propaganda, então a maior agência do país, o livro O Menino Grapiúna, edição fora do comércio com dez mil exemplares, ilustrada por Floriano Teixeira; brinde de natal para clientes, colaboradores e formadores de opinião. A obra, em que o escritor conta a sua infância e retrata o ambiente que lhe inspirou vários personagens, estreou como job de uma ação promocional de relacionamento de uma grande agência. Encantou o público e a crítica. E, no ano seguinte, o livro ganhava novas edições, com selo da Record para venda em livrarias, atendia um público cativo, sempre no aguardo de novos romances, as histórias de Jorge, o Amado.

Extraído do sítio O Correio

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