9 de junho de 2012

CULTURAS E FRONTEIRAS - Daniela Mountian

Entrevista com o escritor e pesquisador Andrei Kofman.


De uma forma ou de outra, todas as tradições culturais nascem e se transformam na interação de mentalidades, línguas, costumes, etc. Algumas tradições, no entanto, criadas no embate e no cruzamento de épocas e de culturas muito distintas, carregam traços mais explícitos de interação, e de dominação, como no caso da América Latina e da Rússia. Sem ignorar as ambiguidades e tensões desse processo e evitando lugares-comuns, o escritor e professor Andrei Kofman, um dos maiores especialistas russos em América Latina e o primeiro pesquisador a abordar o tema da conquista espanhola das Américas em seu país, nos falou um pouco da surpreendente época dos descobrimentos e dos descobridores e, também, de identidades culturais, latino-americana e russa. Tivemos, assim, a chance de conhecer um pouco do trabalho do Instituto de Literatura Mundial, sediado em Moscou, e principalmente do de Andrei Kofman, que, além de tudo, agora prepara sua primeira publicação em português. O novo livro, “de caráter controverso e provocador”, traz, com uma metodologia própria, a análise de grandes obras russas do século 19. Kofman, pela terceira vez no Brasil como professor convidado do departamento de russo da USP, nos cedeu a entrevista em São Paulo.

Percursos

Daniela Mountian: Antes de mais nada, eu queria saber quando e como começou seu interesse pela literatura e história latino-americanas?

Andrei Kofman: Quando eu estudava no departamento espanhol da faculdade de letras da MGU [Universidade Estatal de Moscou Lomonossov], eu dava preferência à literatura espanhola. Por quê? Antes de tudo, por influência dos professores especialistas em literatura espanhola. Naquele tempo, nos anos de 1970, os estudos da literatura latino-americana na Rússia (então URSS) apenas começavam, e começavam no Instituto de Literatura Mundial (IMLI). Na faculdade de letras não existiam tais estudiosos, assim como não existiam cursos especializados em literatura latino-americana. É preciso reconhecer que esses hispanistas se relacionavam com a cultura latino-americana com certa arrogância, considerando-a jovem e “imatura”, e essa ideia, em parte, foi passada aos estudantes. Ao mesmo tempo, o diretor da cátedra de literatura estrangeira percebeu que essa não era uma situação normal e que seria preciso começar a formar especialistas em cultura latino-americana. Eu fui admitido no mestrado com uma rígida condição: eu teria de estudar a América Latina. Eu fiz isso, ainda assim, não estudei literatura, mas folclore. Escrevi minha dissertação sobre a canção popular mexicana. Enquanto isso, os três especialistas em literatura latino-americana do IMLI (então os três únicos do país) resolveram escrever a história da literatura latino-americana, em cinco volumes. A coragem deles é inconcebível! Em 1985, um delesfaleceu, e o projeto não vingou; então eu fui admitido no Instituto, e de novo com uma rígida condição: de eu me dedicar à literatura, e não apenas ao folclore. Desde essa época eu tenho me dedicado a isso, o que abriu para mim uma grande e interessante camada da cultura mundial. E, apesar de todas as dificuldades, nós finalizamos “A História da Literatura Latino-Americana” – o último tomo, o sexto, saiu em 2005.

DM: Seus livros, como, por exemplo, “Cortez e seus Capitães” (Moscou, 2007), “Cavaleiros do Novo Mundo” (Moscou, 2006) e “Terra Adelante!” (Moscou, 2003), abordam o momento dos descobrimentos das Américas. O que o atrai para essa temática?

AK: Este tema me atrai por três motivos. Primeiro, desde criança eu gostava de ler livros sobre viagens, meu livro de cabeceira eram os cinco volumes de “Ensaios da História dos Descobrimentos”. Segundo, pela importância e singularidade desses acontecimentos. É pouco provável que se encontre na história da humanidade um momento de importância comparável à surpreendente época das grandes descobertas geográficas. Esse foi um acontecimento de fato em escala planetária; com ele, propriamente falando, iniciou-se o processo hoje chamado “globalização”. E o evento principal dessa época, sem dúvida, foi o descobrimento e conquista espanhóis da América. Não seria exagero, no conjunto, caracterizar a conquista como a empreitada mais aventurosa da história da humanidade. Pois mesmo as campanhas gloriosas de conquista dos séculos anteriores e posteriores definitivamente se distinguem da conquista espanhola. Lembremos o significado das palavras de Júlio César: veni, vidi, vici (vim, vi e venci). Para os conquistadores, a palavra “vim”, que antecede “vi” e “venci”, significou algo totalmente diferente. A principal diferença entre Júlio César e outros predecessores e os conquistadores espanhóis é que normalmente aqueles sabiam aonde iriam, que distância seria percorrida, quais povoados encontrariam pelo caminho, contra quem iriam guerrear, o número aproximado de oponentes e como esses se armavam. Já os conquistadores embrenharam-se em milhares de milhas desconhecidas, guiavam-se por rumores e relatos que, na maior parte das vezes, se mostraram inverídicos. O terceiro motivo foi minha surpresa ao me direcionar para essa temática: eu descobri que, além de contos literários sobre as expedições de Cortez e Pizarro, não havia em russo sequer um livro sobre a conquista. Então, eu comecei a preencher essa lacuna com minhas penas.

DM: Além das questões práticas da colonização, na sua obra aparecem os mitos e as lendas da época, como, por exemplo, em “Terra Adelante!”. Qual é a importância dessa camada simbólica, digamos assim, para o processo de conquista e colonização das Américas?

AK: Aceita-se a ideia de que os conquistadores, em suas expedições exploratórias e conquistadoras à América, encarregavam-se claramente de objetivos práticos – a pilhagem dos indígenas e a colonização de novas terras. O fato, no entanto, é que, em grande medida, a conquista do Novo Mundo revelou-se uma empreitada, por assim dizer, “fantástica” – pelo que sabemos, ela foi ditada pelos caprichos das fantasias excitantes dos conquistadores. Na realidade, as mais importantes descobertas do Novo Mundo se deram justamente na busca de quimeras, quando as poderosas brigadas dos conquistadores foram atrás das forças eternas da juventude, do reino das amazonas, da cidade de ouro, das montanhas de prata. Como é sabido, Colombo descobriu a América quando procurava uma rota ocidental para as Índias. Mas nem todos sabem que o objetivo principal dessas quatro expedições foi a procura do paraíso terrestre, localizado, como indicado na Bíblia, no “oriente”. Por sinal, esse grande navegador alcança o objetivo ao “abrir” a porta para o paraíso terrestre no delta do rio Orinoco, o que noticiou com alegria ao casal real espanhol. Além disso, Colombo procurou com insistência a ilha mítica Antilliadas Sete Cidades, a terra dos cinocéfalos (homens com cabeça de cão), de que Marco Polo havia falado, e a ilha das amazonas Matinino.

DM: E esses mitos nascem com os descobrimentos?

AK: Desde a Antiguidade, diversos mitos se fortaleceram na cultura europeia e na ciência – relatos de terras longínquas e de seus estranhos habitantes. Depois, quando Colombo escancarou, diante dos olhares europeus estupefatos, um espaço enorme antes desconhecido, a crença geral nesses mitos não apenas se fortaleceu, mas adquiriu quase que um caráter de uma psicose de massa. Confiantes, cientistas e viajantes previam que achariam nas terras do Novo Mundo a cidade de ouro e a ricas nações das amazonas, além de sereias, tritões, grifos, dragões, unicórnios, gigantes, homens sem cabeça e outras criaturas extraordinárias. O mais impressionante é que eles realmente os acharam, como atestado pelas crônicas americanas do século 16, literalmente repletas de descrições de milagres. Meu livro de ciência popular “América dos Milagres Irrealizados” (Moscou, 2001) foi inteiramente dedicado a essa problemática.

DM: Em “Cavaleiros do Novo Mundo”, entre outros temas, o senhor analisa a personalidade do conquistador, sua formação e mentalidade contraditórias. Fale um pouco, por favor, dessa figura dual do século 16.

AK: Nascido no cruzamento de épocas, espaços e culturas, o conquistador espanhol representava em sua essência um tipo peculiar de personalidade, que encarnava características do período de mudança da Idade Média para a Moderna. Os conquistadores eram pessoas tão ambivalentes e contraditórias quanto suas atitudes e sua conduta – eles mantiveram alguns traços do pensamento e da cultura do homem medieval e, ao mesmo tempo, tornaram-se representantes da personalidade renascentista. E, em larga medida, os conquistadores foram um produto de fronteiras espaciais.

DM: O senhor quer dizer que a mentalidade do conquistador também foi formada entre a Europa e a América?

AK: Sim, e aqui eu gostaria de destacar uma ideia ainda não mencionada sobre os traços dos conquistadores. Os executores das conquistas chegaram ao Novo Mundo da Espanha, e isso significa que o conquistador espanhol é uma figura, digamos assim, de consciência “dividida” por sua experiência de vida. A fase americana da vida do conquistador não apenas se distingue radicalmente do período espanhol, ela, pode-se dizer, nega as experiências anteriores dele, abala sua visão de mundo e seus princípios fundamentais. No entanto, a antiga visão de mundo “espanhola” não desaparece totalmente da consciência do conquistador e, em grande medida, mantém sua atualidade. A coexistência de duas visões de mundo tão diferentes determinou o elemento principal para caracterizar esse tipo de personalidade, ou seja, sua indelével dualidade de percepção, pensamento e comportamento. Na moral, no pensamento e na conduta do conquistador, as paixões mais vis e suas manifestações se combinavam com as aspirações elevadas da alma; a ganância primitiva com a paixão de desvelar, a ânsia de fazer descobertas e a sede cavaleiresca de glória; o pragmatismo desenfreado com a prontidão para o autossacrifício a serviço do cristianismo e da nação; o fanatismo religioso com a admirável tolerância e receptividade da cultura indígena; a arrogância do civilizador com a capacidade momentânea e sem remorso de adotar alguns costumes “bárbaros” dos autóctones, como, por exemplo, presentear alguém com mulheres e praticar a poligamia.

Identidades culturais

DM: O senhor já afirmou que a questão da “mestiçagem cultural” na América Latina é muito mais complicada do que se costuma considerar, que há várias formas de interação e nelas as culturas envolvidas não ganharam o mesmo peso. Como se deu na prática o que chama de “síntese cultural” latino-americana (“El Problema de la Síntesis Cultural en Latino américa”, México, 2003[1])?

AK: Realmente, o trabalho mencionado, polêmico e incisivo, estava contra a teoria de “mestiçagem cultural” apresentada em sua abordagem superficial e, assim, recebeu ampla divulgação da crítica latino-americana e da imprensa. Ao tentar compreender como surgiu a originalidade sem precedentes da literatura latino-americana, que tanto impressiona os leitores europeus, muitos críticos apontaram, antes de tudo, para uma característica que, na forma e aparência, distinguiria a cultura latino-americana da europeia: exatamente a mistura desmedida de três raças e, respectivamente, de três culturas: crioula, indígena e afro-americana. Analisando criticamente esse conceito em inúmeros exemplos, eu destaquei neles uma série de posições questionáveis.

DM: Que posições o senhor questiona?

AK: A primeira objeção que lancei foi contra a clara tendência de equiparar o princípio racial ao cultural. Um enorme número de exemplos da assimilação plena no seio da cultura europeia de negroides e mongoloides, e não apenas de indivíduos mas de sociedades inteiras, mostra claramente que é impossível demarcar igualdade entre raça e cultura. A segunda tendência problemática da teoria da “mestiçagem cultural” é pressupor que a interação de culturas aconteça em pé de igualdade, como se as duas culturas originais fossem ativas e se influenciassem igualmente. Na verdade, é extremamente raro isso acontecer. Normalmente uma cultura domina a outra. Isso revela que a cultura dominante, em primeiro lugar, menos assimila e mais entrega; em segundo, reprime parcialmente a cultura mais “fraca” e “passiva”; e, em terceiro, determina uma direção geral de interação cultural, exercendo o papel de uma cultura “modeladora”. Essas considerações são especialmente oportunas para a América Latina, que, em todas as etapas de seu desenvolvimento, por óbvias razões históricas e políticas, continuou dominada e modulada pela cultura da península Ibérica, a qual incluía em sua órbita tradições indígenas e africanas, apesar de a última ter sido ajustada, modificada e empobrecida, perdendo sua integridade estrutural. A generalização e a não diferenciação dos termos “mestiçagem cultural” e “síntese cultural” também provocam dúvidas, pois, na visão da “mestiçagem cultural”, os elementos indígenas e africanos teriam se dissolvido na cultura nacional, como se, com tinta para escrever, a água fosse colorida de violeta. Essa representação se mostra infundada no primeiro choque com os fatos concretos. A análise de toda a cultura nacional da região logo revela uma evidente irregularidade na distribuição dos elementos indígenas e africanos.

DM: O senhor poderia dar um exemplo dessa irregularidade?

AK: Então, se tomarmos a cultura brasileira, a presença do elemento africano se mostra mais no folclore e na música profissional e menos na pintura, e ele não se revela de nenhum modo na arquitetura. Mas a questão não envolve apenas parâmetros quantitativos (em que há mais, em que há menos, em que no geral não há), mas também parâmetros qualitativos, com os quais se definem os métodos de inclusão dos elementos indígenas e africanos na cultura nacional. E nessa relação se percebe a principal diferença entre arte folclórica e profissional. O folclore é uma arte coletiva, dirigida por uma “censura” coletiva, a qual rejeita toda individualidade, tudo o que contradiz a visão de mundo do coletivo. Desse modo, os elementos indígenas ou africanos se incluíram na tradição folclórica de forma espontânea, natural e inconsciente. Nesse processo de interação de tradições não pode existir nada intencional, ideológico, ele não está sujeito a estímulos ou a direcionamentos. Já a arte profissional é algo totalmente diferente, nela os elementos indígenas e africanos se incluem, na maior parte das vezes, de modo consciente. Nesse caso, o uso de elementos culturais “estrangeiros” apresenta-se como um ato ideológico condicionado a determinada situação histórica ou política, a uma consciência nacional ou ética, a uma inclinação artística e, finalmente, a uma predileção pessoal ou um objetivo estético do autor. Assim, nas artes profissionais os elementos indígenas ou africanos estão sujeitos a todo tipo de interpretação ideológica e subjetiva e a modificações. Portanto, no que se refere à interação, a tradição da cultura latino-americana apresenta-se de modo muito complexo, num mosaico muito variado, no qual cada caso deve ser examinado cuidadosamente e com base nos fatos. Se olharmos para esse quadro em geral, sem dúvida, apenas uma parte, sendo essa sua menor parte, terá relações com a “mestiçagem cultural”.

DM: Então, na sua opinião, a que se deve a originalidade da cultura latino-americana?

AK: Na minha opinião, a originalidade da cultura latino-americana está condicionada ao fato de ela, em seu desenvolvimento, ter adotado várias fontes, primeiramente as europeias, e por isso a síntese cultural deve ser entendida de maneira muito mais ampla. Nesse caso, não importa se o processo decorre em formas conscientes ou intuitivas. A adoção e o posterior processamento dos sistemas e modelos estéticos europeus; o ecletismo específico da filosofia latino-americana e seu método próprio de filosofar, sobre o qual muito já foi escrito; a especial abertura cultural e receptividade; o conceito de “mestiçagem cultural” com seu desejo de desvelar a fusão da tradição, mesmo quando isso não existe – enfim, toda a pluralidade dos caminhos de sintetização da cultura latino-americana, que reúne elementos heterogêneos, constrói uma tradição própria.

DM: O processo de formação da identidade nacional russa é também marcado por muitos cruzamentos étnicos e culturais. O senhor esboçaria, mesmo em se tratando de histórias tão diversas, uma comparação entre o processo de formação da identidade brasileira e da russa?

AK: A meu ver, a principal diferença entre a Rússia e o Brasil no que concerne a essa questão é que a Rússia, no movimento de expansão de suas fronteiras, incialmente para o leste e depois para o oeste, dominou diferentes povos, muitos dos quais tinham ricas tradições culturais próprias. A Rússia foi um império, enquanto o Brasil, no sentido pleno da ideia, nunca foi um, mesmo tendo tido dois imperadores. A cultura russa adotou muito pouco da cultura dos povos dominados – da qual mais adotou foi da cultura da Europa Ocidental. Além disso, a história imperial da Rússia, sem dúvida, refletiu-se na identidade dos russos, acostumados a considerar-se o povo “mais poderoso” dentre os que pertenciam a ela e a cercavam. E, a meu ver, a tradição imperial resulta na mentalidade imperial tão característica dos russos (não de todos, claro, isso é uma tendência geral). Daí se origina na mania de grandeza, a ambição, o messianismo, o nacionalismo, e, não raro, manifestações de racismo.

Andrei Kofman no Brasil

DM: Pelo que sabemos, está sendo traduzido um livro seu no Brasil. Poderia falar dele em linhas gerais?

AK: Este livro está baseado num ciclo de palestras, duas vezes apresentado em espanhol aos pós-graduandos do departamento de letras eslavas da USP, nos anos de 2005 e 2009. Aproveito a oportunidade para transmitir meus sinceros e profundos agradecimentos à Universidade de São Paulo e, individualmente, aos professores Arlete Cavaliere, Elena Vássina e Noé Silva, que não apenas me ofereceram essa excelente oportunidade de ministrar as palestras, como me cercaram de cuidados, ajudaram-me em tudo, participaram pessoalmente dos seminários e dos acalorados debates, estes sempre presentes nas aulas. Agradeço aos alunos de pós-graduação, que, em ambas as ocasiões, mostraram um interesse vivo e genuíno pelo que eu dizia, dominaram a metodologia dada com criatividade, fizeram perguntas, debateram, apresentaram trabalhos − em suma, criaram um ambiente de confiança e criatividade, tão necessário para um trabalho produtivo. Foram justamente os alunos que sugeriram publicar as aulas em português, considerando que o livro será significativo para os estudantes do departamento; e essa iniciativa é o melhor prêmio que um professor pode receber pelo seu trabalho. O ciclo de palestras foi chamado “Imagens  Artísticas de Tempo e de Espaço na Literatura Russa do Século XIX”. É claro que, ao transformá-lo em livro, eu o reformulei consideravelmente. Meu livro está sendo traduzido para o português por Denise Sales, uma ótima tradutora. Nós trabalhamos em colaboração: ela me manda os textos em português, então nós corrigimos alguns erros, tiramos as dúvidas... E eu sou muito grato a ela. O objetivo do livro consiste em oferecer aos linguistas principiantes algumas ferramentas úteis e ensiná-los a lidar com elas por meio de sua aplicação na análise de obras isoladas. Nessas ferramentas, a escolha das categorias de tempo e de espaço artísticos não foi por acaso. Já em si tão relevantes e interessantes, essas categorias englobam enormes possibilidades de interpretação, quer dizer, ajudam a entrar nas profundidades da obra, escondidas do olhar superficial, e a desvelar camadas de sentidos que não são identificadas pelos critérios literários tradicionais: gênero, enredo, forma, etc. Analisando com essa perspectiva alguns clássicos conhecidos da literatura russa, eu pude oferecer uma série de interpretações próprias. Meu livro não tem nenhuma pretensão de passar verdades absolutas –os estudos literários possuem poucas verdades absolutas, e os textos artísticos profundos implicam inúmeras interpretações. Pelo contrário, esse trabalho, em grande medida, é de caráter controverso e provocador. Em última análise, sua principal finalidade é incentivar a reflexão sobre o texto artístico – de fato, é com essa reflexão que começa o trabalho do linguista.

DM: Então esta é sua terceira viagem ao Brasil. A seu ver, durante esse tempo, houve no Brasil mudanças significativas?

AK: Sim, essas mudanças são visíveis a olho nu. Em muitos bairros onde havia favelas agora estão construídas confortáveis residências. Há menos pedintes e desabrigados nas ruas. E eu vejo que o departamento de russo da USP cresce com muita força: ao longo de oito anos, o número de graduandos e pós-graduandos duplicou, e o corpo docente aumentou. Em geral, o Brasil está seguramente no caminho do desenvolvimento. Aliás, isso é sentido até na Rússia. Se, há somente dez anos, o Brasil era mencionado apenas por suas ligações com o futebol e o carnaval, agora normalmente escrevem e falam sobre o Brasil como um novo gigante econômico.

[1] KOFMAN, A. “El Problema de la Síntesis Cultural en Latinoamérica”. Contribuiciones desde Coatepec, julio-diciembre, año/vol III, número 005, p. 2-8. Toluca, Universidad Autónoma del Estado de México, 2003.

Colaboração: Moissei Mountian, Kátia Volkova e David Menezes.

Leia a entrevista na íntegra, em versão bilíngue, na Revista Kalinka: www.kalinka.com.br

Biografia: O escritor e professor Andrei Kofman (1954), nascido em Moscou, formou-se em 1976 na Faculdade de Letras da MGU (Universidade Estatal de Moscou Lomonossov) e em 1997 recebeu seu título de doutorado. Desde 1986, trabalha como pesquisador no Instituto de Literatura Mundial (Moscou), onde atualmente é chefe do departamento de literatura europeia e americana do século 20. Foi três vezes professor-convidado do departamento de russo da USP. Considerado um dos maiores especialistas russos em cultura latino-americana, é autor dos livros“Uma Visão Artística do Mundo Latino-Americano” (Moscou, 1997), “América dos Milagres Irrealizados” (Moscou, 2001), “Terra Adelante!” (Moscou, 2003), “Cavaleiros do Novo Mundo” (Moscou, 2006), “Cortez e seus Capitães”(Moscou, 2007), “Conquistadores, Três Crônicas sobre a Conquista da América” (Moscou, 2009). Por “Terra Adelante!”, recebeu o prêmio Zaviétnaia Metchtá(2006).

Extraído do sítio Diário da Rússia

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