15 de junho de 2012

CESARE BATTISTI LANÇA LIVRO DISPOSTO A MUDAR IMAGEM DE "TERRORISTA" - Felipe Prestes

“Graças ao lançamento do livro estou podendo falar ao povo brasileiro para que possam ver que não represento isto (terrorismo)” - Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Vim para falar como escritor, não para responder sobre coisas que não cometi”, disse Cesare Battisti às cerca de 20 pessoas presentes no auditório do Sindicato dos Bancários, em Porto Alegre, na noite desta quinta-feira (13). O italiano — condenado em seu país por um assassinato que nega ter cometido e alvo de polêmica judicial e diplomática, o governo brasileiro lhe concedeu status de refugiado, em 2009 – passa pelo Rio Grande do Sul nesta semana para lançar Ao Pé do Muro (Editora Martins Fontes, 304 páginas), um romance fortemente autobiográfico, que foi escrito e é ambientado na prisão.

Ao rodar o país, o escritor espera mudar a imagem de terrorista, que foi disseminada no Brasil. “Graças ao lançamento do livro estou podendo falar ao povo brasileiro para que possam ver que não represento isto”, disse a uma plateia formada em grande parte por militantes de esquerda, mas também por um parente seu, um Battisti cujos antecedentes migraram para o Brasil. Cesare, aliás, após passar por Porto Alegre e Pelotas irá lançar o livro nesta sexta-feira (15) em Progresso, cidade de seis mil habitantes, no centro do Estado, onde reside grande parte dos Battisti brasileiros.

O escritor conversou por cerca de vinte minutos com o Sul21 antes do evento, organizado pela Associação Cultural José Marti, que apoio o regime cubano. Em seguida, falou com outros dois veículos. Aos repórteres, da Rádio Bandeirantes e da Folha de São Paulo, disse, de forma polida, que os veículos não teriam agido corretamente com ele. Battisti disse que tem sido muito bem tratado pelo povo brasileiro e que os que não gostam dele seriam justamente os “pretensamente bem-informados”: “A gente me acolhe bem por todos os lados. Morei em três cidades diferentes e foi quase uma festa quando cheguei. Me convidam a tomar cerveja, café. Não consigo pagar um café. Os que talvez não me acolhessem bem são os pretensamente bem-informados, os que leem intoxicação midiática. Mas essa gente não se manifesta comigo”.

Cesare Battisti garante ser muito bem recebido por onde anda no Brasil: "me convidam a tomar cerveja, café. Não consigo pagar um café" - Foto: Ramiro Furquim/Sul21
À plateia, Battisti disse que, assim que foi preso, uma foto dele sorrindo ao lado de agentes federais bastou para que fosse taxado como “cínico” por veículos de imprensa. “A mídia não fez isto de graça. Tinha alguma razão econômica, ou política, ou as duas juntas”, disse. O refugiado afirmou que nenhum dos jornalistas que o criticaram “leu uma página do pedido de extradição”. Battisti elogiou a atuação de Tarso Genro, naquele momento ministro da Justiça, e do ex-presidente Lula. “Tarso Genro não é meu amigo, nem temos os mesmos ideais. Ele leu os autos, se informou. Fez política como deveria ser feita. E Lula não é bobo. É um estadista. Ele não tomaria uma decisão que depois pudessem provar que errou”.

O italiano disse que já tinha refúgio concedido pela França há 14 anos (em 1991, pelo então presidente François Mitterand) quando a Justiça reviu a decisão. Acredita que o governo francês, que já não era de orientação socialista, “negociou” sua extradição “como se fosse uma mercadoria”. Battisti afirmou que naquele momento ficou “desesperado”. A decisão pelo Brasil se deu porque havia conhecido muitos brasileiros, porque gostava da América Latina desde que vivera no México e porque outros italianos já tinham conseguido refúgio no país. “Pelos outros processos semelhantes no Brasil, esperava resolver tudo em cinco, seis meses. Nunca aconteceu de um processo de extradição demorar tanto. A Itália investiu muito em recursos, em pessoas, em relações políticas neste caso e quase conseguiu. Fui um bode expiatório de tudo o que aconteceu nos anos 1970 na Itália”.

"Conheci o Brasil pela voz dos presos", afirma Battisti, que esteve preso durante quatro anos e meio em solo brasileiro - Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Livro relata histórias de presidiários e do próprio Battisti

Cesare Battisti contou que antes de ser preso no Rio de Janeiro viveu apenas em apartamentos alugados por temporada, em lugares famosos da Cidade Maravilhosa. “Não conhecia o povo brasileiro. Conheci o Brasil pela voz dos presos”. Em Ao Pé do Muro o protagonista é um refugiado estrangeiro que acaba preso e narra o livro em duas horas de banho de sol na cadeia. Ao olhar para os colegas presos, relembra as histórias de cada um.

Segundo Battisti, as histórias dos presos não são apenas de tristeza. “O preso vive na tristeza absoluta, mas não é triste. Ele só lembra de coisas bonitas, ele tem uma exagerada noção da liberdade, então só lembra das coisas belas da rua. O que mais aparece (no livro) é como essas pessoas superam a brutalidade da prisão através do humor, da solidariedade que seria quase incompreensível na rua”, explicou. Foi a partir destas histórias que, tanto Augusto, o protagonista do romance, quanto Cesare conheceram o Brasil. “Palavras de um preso são palavras soltas, não têm um segundo objetivo. Um preso não tem nada a perder, principalmente quando não sabe que o que está falando pode ser escrito (risos). Então, você tem uma tempestade de emoções que se você consegue encaminhar isto em uma história pode dar uma boa imagem do país”.

O livro foi escrito atrás de autos judiciais e depois no computador, quando Battisti passou a ter acesso ao equipamento por duas horas, três vezes por semana. “Todo o autor sempre escreve sobre a própria vida. Inventa uma história para deixar um recado e o recado é as perguntas que ele se faz”, afirmou Battisti. No caso do italiano, um dos recados é que ele acredita que a história dele poderia ter passado com qualquer um e que esta pessoa passa a ser vista apenas como criminosa. “Queria mostrar como uma pessoa pode cair de um dia para outro na prisão. Isto pode acontecer com qualquer um de nós. Ela está sendo julgada por alguns instantes da sua vida e ninguém se pergunta quem é esta pessoa, quem foi, quem poderia ser, a única coisa que conta são os instantes em que ele supostamente cometeu o crime. Queria apresentar não o criminoso, ou a pessoa”, disse, embora afirme que isto não se refere a ele, mas aos outros presos com quem conviveu.

Quando perguntado sobre como deve ser sua vida daqui para a frente, Battisti responde: “Gostaria de saber” - Foto: Ramiro Furquim/Sul21
O ex-membro do grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) ficou quatro anos e meio preso no Brasil. Um ano e meio na Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, e mais três anos no Complexo Penitenciário da Papuda, também no Distrito Federal. “Encontrei de tudo, desde ladrão de galinha até matador profissional, traficante. Tudo”, conta.

Hoje, está vivendo no Rio de Janeiro e trabalha com a divulgação do livro, que também foi lançado na França e na Itália. “O editor parece satisfeito, mas é claro, isto não vai dar para viver. Bem longe disto”. Quando perguntado sobre como deve ser sua vida daqui para a frente, compartilha a dúvida: “Gostaria de saber”. Tem dado oficinas de literatura para jovens em favelas cariocas e pensa cobrar por oficinas no futuro, além de pensar em escrever novos livros. Mas antes, acredita, precisa “sair disto”. Isto, no caso, é toda a história que viveu no Brasil. “Não é fácil começar a escrever um livro depois de tudo isto. Sempre tem um pretexto para ficarem em cima de mim e isto me mantém preso. Tenho que sair disto, para eu poder começar a escrever”.


Extraído do sítio Sul21

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