26 de junho de 2012

JORGELINA CERRITOS: UMA MULHER QUE ESCREVE A PARTIR DA VOZ DA MULHER

Cienfuegos, Cuba (Prensa Latina) - A dramaturga salvadorenha Jorgelina Cerritos, prêmio Casa das Américas 2010, autodefine sua literatura como a de uma mulher escrevendo a partir da voz da mulher.

É que a voz do homem a ouvimos todos os dias, em nossa cultura legalizamos a expressão masculina mesmo através da palavra da mulher, comentou à Prensa Latina a também atriz do grupo teatral Os do quinto andar.

A entrevista teve lugar na cidade portuária de Cienfuegos, 250 quilômetros a sudeste de Havana, durante sua primeira visita a Cuba, neste caso como júri do próprio prêmio que internacionalizou seu cotidiano literário.

Então fui percebendo que em todas minhas obras existem uma mulher falando, ainda nas infantis há uma menina como comunicadora da ideia, enfatizou.

Quando escrevi "Ao outro lado do mar" - a peça dramatúrgica premiada por Casa durante a edição 51 do mais reconhecido concurso literário da América Latina-, a primeira personagem que tive em minha frente foi o homem, Pescador, estava convencida, e assim comentei com meus colegas do grupo, recorda.

Mas quando eles a leram em seguida disseram: "A personagem é Dorotea". É que é que ela é a história, a dor, a precisada de redenção. Sua voz é a do auxílio, a do desespero, reforça sua tese a autora de outras sete peças como O colecionista e Respostas para um menu.

Interrogada a respeito de seu presumível feminismo, Cerritos assegurou ser alguém que se toma seu tempo em questões de inscrição em uma ou outra corrente.

Passei 10 anos escrevendo teatro antes de dizer sou dramaturga. O verdadeiro é que existem tantas histórias de mulheres que precisam ser contadas, afirma a salvadorenha que anda nos trajines do teatro desde começos dos anos 90.

Necessidade de falar da memória histórica 

Como muitos adultos de sua geração, Jorgelina se faz com frequência a pergunta: somos ou não meninos da guerra?, mas está segura de que a atmosfera de violência permanece intacta em sua memória em forma de toques de recolher, a mão insepulta de um morto ou essas coisas alaranjadas (paraquedas) caindo do céu.

Sobre a presença de tal ambiente político em sua obra, precisa que agora está adentrando-se naquele período. "Aliás, a obra que escrevo na atualidade com meu grupo enfoca esse momento histórico".

Desde 2005 anda-nos rondando a necessidade de falar da memória histórica. Então metemos-nos em uma investigação, fomos ao centro de San Salvador a ver com outros olhos a desordem que é essa área urbana patrimonial, antecipa.

Tem sido um processo longo que não sabíamos muito bem para onde nos ia levar, mas já temos o primeiro rascunho da peça, ainda sem título, mas sim conhecemos a suas três personagens, explica a respeito da obra, coletiva no sentido da investigação, mas escrita por ela.

Imagino-me que será uma trilogia na qual me proponho ir do geral ao específico; na segunda peça vou contar dos desaparecidos, agrega.

Mas no meio de tal processo criativo sente-se assaltada por recorrentes perguntas: que é a verdade?, como podemos construir nossa memória e não chegamos à verdade?, será possível que possamos chegar?, ou onde está o ponto médio? 

Veemencia de uma mulher eloquente 

Como queira que em El Salvador não existam os estudos superiores de Arte, salvo na plástica, Jorgelina Cerritos começou em oficinas universitários de teatro; desde 1993 não tem parado de atuar, e depois, no ano 2000, começou a incursionar na dramaturgia.

"De fato sempre escrevi poesia, desde adolescente, e uma parte de minha formação literária lhe devo a um diário pessoal que ainda levo, mas a necessidade de plasmar em letras o que pensava ou sucedia a minha ao redor estava presente".

"Depois comecei em oficinas literárias, de poesia especificamente, e sigo fazendo versos para meninos e adultos, quiçá goste mais dos destinados ao público infantil. A estas alturas reconheço que já não posso parar".

"Acho que com o tempo sim tenho o empenho de que minha obra poética chegue a ser publicada, ainda que contraditoriamente não o esteja fazendo com essa finalidade, mas tenho uns poemas que me dizem: Mamãe busca-me nascer ao mundo editorial".

Com uma dramaturga que começa ter palavra própria no palco teatral da região, resulta de interesse conhecer as influências que ela mesma reconhece em sua obra.

"García Lorca é das primeiras vozes que escuto da dramaturgia, depois vem o chileno Marco Antonio da Parra, com ele tenho estudado a parte ética do teatro, a partir da leitura de sua Carta a um jovem dramaturgo".

"Ali começo a encontrar todas essas ressonâncias do texto que quero escrever, esse em que ele convida a lançar ao precipício".

"Também está o argentino-equatoriano Arístides Vargas, quem tem passado com muitos espetáculos de seu grupo Má erva por El Salvador. Sua poética para mim é preciosa, gosto dessa maneira tão metafórica de falar da dor, da perda".

"É o desencanto que não te soa àquela coisa que te está rasgando a roupa, senão que estás encontrando a beleza para dizer isso. Faz dois anos tive a oportunidade de ir a Cali e tomar umas classes com ele".

"E não podem faltar os espanhóis Juan Mallorga e Sánchez Sinisterra, sobretudo o segundo, em quem encontrei a parte mais forte em minha formação dramatúrgica".

"Em 2006 mediante o projeto O Carromato a cada país da América Central foi sede de uma especialidade artística. Eu apliquei pela bolsa de dramaturgia e me deram, estive em um mês escrevendo teatro com Sánchez Sinisterra, 20 horas ao dia".

Ao termo de um diálogo com uma jovem mulher que conversa com veemência, o entrevistador lhe comenta e ela, enquanto sorri concorda: "Acho que o que me faz mais eloquente é a paixão".

Extraído do sítio Agência Prensa Latina

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