16 de junho de 2012

A PELEJA DE ARIANO SUASSUNA CONTRA JOYCE, ELVIS E OS DEMAIS DIABÕES - Fernando Monteiro

Convidamos o recifense Fernando Monteiro para escrever a respeito de Ariano Suassuna, que hoje  (16) completa 85 anos. Fernando Monteiro é poeta, romancista e cineasta. Também colabora como articulista na revista literária Rascunho, de Curitiba (PR), e em jornais e revistas como a pernambucana Continente, assim como no site Substantivo Plural, de Natal (RN). Com isso, buscamos a opinião de um intelectual e artista que produz e produziu na época e no local em que Ariano Suassuna trabalha, para quem e do qual mais fala, e onde foi, por mais de uma gestão, Secretário da Cultura.

Teatrólogo e romancista, Ariano Suassuna nasceu em 16 de junho de 1927, na cidade da Paraíba, atual João Pessoa. Em 1942, mudou-se para o Recife. Em 1950, formou-se em Direito e, em 1960, em Filosofia. Iniciou a carreira literária aos 16 anos, escrevendo poesias, aos 20 publicou sua primeira peça teatral, “Uma Mulher Vestida de Sol”. Entre suas obras de maior sucesso estão “O Auto da Compadecida” (1955) e a “Pedra do Reino” (1971). Fundador do Teatro Popular do Nordeste e do Movimento de Cultura Popular, além de idealizador do Movimento Armorial, exerceu, entre outros cargos públicos, o de secretário de Cultura de Pernambuco, durante o terceiro governo de Miguel Arraes (1995/98) e durante os mandatos de Eduardo Campos, de quem é, atualmente, assessor.


Conheci Suassuna quando ele completava 41, num almoço de comemoração no engenho São João, de Francisco Brennand. Foi em 1968, e, fazendo-se as contas, são mais de quatro décadas, desde aquela tarde na companhia do autor do futuro A Pedra do Reino (1971), do pintor anfitrião Chico e mais João Cabral de Melo Neto, Tomás Seixas, Renato Carneiro Campos e outros.

Verve herdada dos palhaços dos circos mambembes
Contaram-se muitos “causos” naquele almoço, com o paraibano de Taperoá dominando a cena, a voz deliberadamente arrastada e uma verve que, ele mesmo me disse mais tarde, teria provavelmente assimilado daqueles palhaços de circos mambembes, lonas esburacadas sobre as caras mal pintadas dos comoventes clowns que, quase à luz da Lua e das Estrelas (com maiúsculas do gosto de AS), faziam suas graças primitivas com repetições de volta ao ponto de partida das histórias e as vozes forçadamente anasaladas que o narigão de Suassuna também favorece, ao arremedá-los, nas piadas com que costura as suas “aulas-espetáculos”.

Continuei a vê-lo quixotesco, magérrimo, correndo, com as pernas compridas, a fim de alcançar o ônibus da linha “Cidade Universitária” (quando dava aulas na UFPE), porque, ele afirmava, era “melhor perder a dignidade do que a condução”. Ironia da boa, levava os alunos ao riso… Mas, era bem menos engraçado quando o mesmo professor – de Estética – passava a ensinar que “José de Alencar é mais importante do que James Joyce” [SIC].


Tudo bem, qualquer um tem o pleno direito de achar que o romancista de Iracema é mais importante (?) do que o autor de Ulysses, porém mais ou menos em particular, na intimidade cercada de xilogravuras de Onças Castanhas e Beatos e Príncipes-do-Vai-e-Volta etc. Já um professor de Universidade, em sala de aula, precisa ter cuidado quando se permite certas opiniões expressas diante da atenção basbaque de jovens estudantes tendentes a respeitar um mestre reconhecido – naquela altura – mais como o dramaturgo do Auto da Compadecida do que como o futuro autor do romance que, em recente tradução francesa, teve 200 páginas cortadas fora pelo editor, por serem repetitivas (e o tijolo A Pedra do Reino, na França, veio a reaparecer bem mais palatável, ao ser assim “enxugado”. Ariano aceitou o corte, é claro).

Privilegiando o armorialismo como se apenas ele existisse

Prossigamos. O sociólogo e músico Sebastião Vila-Nova sustentou acesa polêmica, aqui, com o ex-monarquista Suassuna, mas não por razões republicanas: Vila defendia que Tom Jobim não era apenas um “compositor a mais”, praticamente medíocre, conforme Ariano considera o maestro. Caetano Veloso – que acha o escritor “o maior barato” – nunca se importou que o paraibano considerasse lixo tanto a Bossa Nova quanto a Tropicália (o que mostra que o “mano Cae” escolhe com muito cuidado contra quem deve dar os seus chiliques)…

Ora, provavelmente pouca gente se deu conta, ainda, do que significa esse homem inteligente – e escritor do nosso tempo, porque AS não nasceu no século 19 – dizer que “execra” Elvis e o rock, os Beatles, o pop e tudo mais que não seja “Armorial”, isto é, sertanejo de raiz seiscentista, ou da ancestralidade arcaica presente em violeiros, repentistas e no geral alto sertão profundo de antigos cangaceiros e fanáticos.

“Bom, Monteiro, o notável Ariano passou sua infância, já vimos, em Taperoá (PB), num armorialesco ambiente de cabras e xiques-xiques, e é disso que ele gosta. Pode não?” – alguém talvez se lembrasse de me perguntar.

Certo. Porém, quando você se torna administrador da cultura, em duas, três gestões municipais e/ou estaduais, vosmicê é obrigado a esquecer onde diabo nasceu e quais são as suas preferências estéticas pessoais & gostos… eu responderia, na lata.

Não foi o que o taperoense fez. Ele sempre privilegiou o armorialismo, como secretário da Cultura, e todos aqui em Pernambuco sabem disso. O “resto” fica de fora da sua cartilha (e do orçamento da pasta), devidamente ignorado pelo administrador público Ariano Vilar Suassuna. O grande “probrema”, para mim, reside aí, no causo em tela, em palco, em circo, em estádio e aonde for. Um secretário da Cultura contempla o setor encarando-o em toda a sua diversidade, e não com uma particular visão pela qual até Chico Science seria “Francisco Ciência” (sério!), para ele, porque o aniversariante de hoje não é chegado a inglês nem aos apelidos… O que poderia soar até engraçado, caso radicalismos tão “fundamentalistas” não tivessem levado o Ariano inclusive à agressão (a socos) ao jornalista Celso Marconi, no antigo Teatro Popular do Nordeste, durante o intervalo de uma peça, na frente de todos, por motivo de uma crítica feita por Marconi à produção do filme A Compadecida, de George Jonas. Por incrível que pareça, Marconi é ainda mais magro do que Ariano – e até hoje eu penso que AS nunca teria levado tão longe as divergências (de ordem estética ou não) em face de um, vejamos, Maguila?…

Ariano no programa de Jô Soares

Bem, o assim doce Suassuna completa 85 anos. Já não esmurra ninguém. Parabéns. Vai ao Jô e o Jô chega a orgasmos de prazer ainda maior do que com seu pequeno bongô. Se Suassuna há tempos não publica nada de novo, esperemos que brevemente o faça, ou siga gozando de boa saúde para com isso voltar a ser mais um escritor talentoso em atividade do que uma figura “folclórica” no programa do Gordo.

Neste ano, já falaram em seu nome para o Nobel de Literatura (refiro-me ao nome de Ariano, não ao do Jô). Porque os brasileiros vivem querendo que algum nativo afinal conquiste esse caneco, traga “pra casa” a láurea, desfile em carro de bombeiro com o diploma dourado que o próprio Rei da Suécia entrega. No momento, nenhum escriba nosso (salvo Paul Rabitt!), preenche o pré-requisito básico, por exemplo, de possuir obras suficientemente traduzidas em “idiomas da alta cultura”, para pretender aspirar à corrida nobelesca. Essa loteria literária não é bem como a Copa do Mundo, as Olimpíadas, os jogos de Fifas e Firulas. O Nobel não vem “na marra” ou “por jeitinho”, embora tal prêmio tenha ido parar, às vezes, nas mãos de escritores ruins, porém fartamente traduzidos…

País estranho, este. Pensando bem, talvez José de Alencar, na espécie de mitologia de emergência que Ariano Suassuna tentou criar para a pátria, seja mesmo o patrono patético de nossas patuscadas, dos romances indianistas até chegar ao romance da pedra pesada.


Extraído do sítio Sul21

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários serão moderados. Não serão mais publicados os de anônimos.