19 de junho de 2012

SEJA O QUE DEUS QUISER - Roberto Drummond



Escrevo esta crônica 12 horas antes do jogo Brasil x Inglaterra. Vocês sabem: sou fascinado com bolas de cristal, videntes, tudo que pode prever o dia de amanhã, o futuro e seus mistérios, o que está por acontecer. Mais do que nunca, gostaria de ter uma bola de cristal ou os poderes de vidente de minha amiga madame Janete, só para saber quem venceu, se a Seleção de Ronaldinho, se a seleção de Beckham.

Poucas vezes desejei que o Brasil vencesse como agora. É verdade, a gente sempre quer que o Brasil vença. É uma vontade, um sonho, que está no coração de mais de 170 milhões de brasileiros. E não é para menos. Nosso país tem uma porção de esperanças, mas a vitória no futebol alegra o coração brasileiro, faz subir a nossa auto-estima, tão castigada, tão arranhada. E nos permite uma festa de irmãos e de irmãs, já que a Seleção Brasileira nos une acima das ideologias, dos partidos políticos e, num ano eleitoral como este de 2002, acima dos candidatos a presidente da República.

Nenhum estadista brasileiro, nem mesmo os dois maiores, Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek de Oliveira, deram à nossa alma carente as alegrias que Pelé e Garrincha, Didi e Nilton Santos, Tostão, Gérson, Rivelino, e Jairzinho e ainda Taffarell , Romário e Bebeto nos deram. Em outros tempos, as esquerdas brasileiras diziam que o futebol era o ópio do povo.

Essa opinião foi particularmente forte nos idos de 1970, quando a Seleção Brasileira ganhou o tri no México. O Brasil vivia os anos de chumbo. Era a noite da ditadura militar, iniciada com o golpe militar de 1964. O general Médici era o presidente da República e soube usar a conquista da Seleção Brasileira para dizer que o Brasil dava certo. Até parecia que os gols de Pelé, de Tostão, de Gérson e de Jairzinho, sem esquecer Rivelino, Carlos Alberto e Clodoaldo, tinham sido feitos pelos militares.

Nessa época, as esquerdas, que sofriam violentamente com a ditadura e perderam muitos de seus quadros torturados, assassinados, banidos, acreditavam que a conquista do tri prestou um benefício enorme aos generais. Hoje, passado tanto tempo, eu pergunto: será que foi assim mesmo? Lembro-me de minha própria divisão no dia em que o Brasil ganhou o tri. Eu já era cronista de futebol do ESTADO DE MINAS, na época da rua Goiás. Metade de mim cantava e festejava, metade de mim chorava, porque eu também acreditava que o feito da Seleção Brasileira ia ajudar a ditadura militar.

Ajudou ou não ajudou?

Ajudou, pois era o tempo do chamado milagre brasileiro e a euforia das ruas contava ponto a favor do clima de ufanismo que a ditadura militar queria criar. Muita gente diz que o penta vai ajudar o governo FHC e, portanto, a seu candidato a presidente da República, José Serra, e atrapalhar a candidatura de Lula, o líder nas pesquisas. Eu penso que não. Hoje vivemos numa democracia e o povo brasileiro vai votar, não por causa do penta, mas segundo uma avaliação consciente.

Acabei me desviando do que estava escrevendo. Eu dizia que poucas vezes eu quis com tanto fervor que a Seleção Brasileira derrotasse um adversário, no caso, a Inglaterra. E olhem que a Inglaterra, que para mim é a pátria de Shakespeare e de Dickens, dos Beatles e dos Rolling Stones, sem esquecer que é o berço do Partido Trabalhista, é um país de minha simpatia. Os ingleses inventaram o futebol e esse detalhe também conta ponto a favor. E os ingleses (como narro em meu livro O Cheiro de Deus) moraram em Belo Horizonte e exerceram uma grande influência em nossos costumes, como o culto aos fantasmas e deixaram uma palavra na maneira mineira de falar, o nosso uai , o porquê deles.

Mas futebol é futebol e eu estou, como cronista, particularmente engajado com a Seleção Brasileira, principalmente por causa de Ronaldinho, em cuja recuperação apostei. Contam os outros jogadores também, incluindo, claro, Gilberto Silva e Edílson. E eu sou brasileiro. Ainda: Inglaterra é um adversário forte demais e vencer (ter vencido) o time de Beckham, é carimbar o passaporte para o penta.


* Último texto publicado de Roberto Drummond.


Extraído do sítio Site de Literatura

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