19 de agosto de 2012

A ARTE DE ESCREVER, POR CRISTOVÃO TEZZA - Fernando de Oliveira

Premiado escritor analisa sua trajetória literária no recém-lançado O Espírito da Prosa

Autor do aclamado O Filho Eterno (2007), Cristovão Tezza, um dos mais importantes e premiados escritores brasileiros contemporâneos, está de volta às livrarias.

No livro-ensaio O Espírito da Prosa – Uma Autobiografia Literária, recém-lançado pela editora Record, o catarinense radicado em Curitiba analisa sua formação como escritor.

Para isso, relembra, entre outras coisas, a infância em Lages, a morte trágica do pai num acidente, o envolvimento com um grupo de atores de teatro marginal em Antonina, no litoral paranaense, na década de 70, a influência de determinados autores em sua vida – e conta como precisou se despir das utopias de sua geração para se tornar um romancista, adepto da prosa realista.

Dessas memórias emerge uma reflexão instigante e rara no Brasil sobre o ofício de escritor, a arte de escrever.

Ex-professor universitário que deixou a vida acadêmica para viver dos livros estudioso do linguista russo Mikhail Bakhtin (1895-1975), objeto de sua tese de doutorado, Tezza falou ao Diário, nesta entrevista exclusiva, por e-mail.

Diário Regional – Por que se tornou escritor?

Cristovão Tezza - Esta questão forma o tema central de O Espírito da Prosa. É uma longa conversa. Se eu contar tudo aqui, ninguém vai ler o livro!

DR – O senhor pode falar sobre o seu processo de criação? Quando trabalha? Como pensa a ficção?

Tezza - Trabalho sempre pela manhã, de segunda a sexta, entre 8 e 11 horas. Levo cerca de dois anos para escrever um romance, que começa com uma ideia muito vaga, que vai crescendo na minha cabeça, até que eu comece a escrever. Dali para a frente, é trabalho duro.

DR – Seu contundente O Filho Eterno conquistou os mais importantes prêmios da literatura brasileira e tornou-se sucesso de vendas. Como a fama obtida com essa obra mudou sua vida de escritor? Afinal, é difícil viver só de literatura no Brasil, não?

Tezza - Eu já estava há alguns anos com a ideia de largar a universidade e viver apenas para a literatura. O Filho Eterno me ajudou muito a realizar esse velho projeto. Com o sucesso do livro, passei a ser convidado a muitos eventos literários que hoje existem em abundância no país: feiras, simpósios, festas literárias. Era o empurrão que eu precisava para mudar de vida. Pedi demissão da universidade e hoje vivo dos meus livros. Eu diria que há 10, 20 anos, era praticamente impossível viver de livros no País, mas hoje isso mudou. Há muita gente da nova geração de escritores que sobrevive em torno da literatura.

DR – Em O Filho Eterno o senhor fala sobre a relação com seu filho portador da síndrome de Down. Acredita que o tratamento dado aos portadores de síndrome de Down tenha mudado a partir dessa obra?

Tezza - Não, de modo algum. O meu livro é um trabalho de ficção, um romance sobre a relação entre um pai e um filho especial, e também sobre um período da história brasileira recente; é literatura, e não um manual de orientação sobre nada. Não vamos confundir as coisas. O Brasil conta com instituições e profissionais altamente competentes trabalhando na área da síndrome de Down.

DR – O escritor argentino Manuel Puig disse certa vez: “Os livros têm a qualidade maravilhosa de mostrar outras vidas. Eles podem nutrir muito”. O que acha disso?

Tezza - É uma definição certeira da literatura. A ficção é um modo extremamente rico e generoso de representar as pessoas e o mundo, afirmando a originalidade dos pontos de vista.

DR – A literatura ainda tem importância social?

Tezza - Acho que sim. Não tanto quanto já teve em outros tempos, quando a literatura estava no centro quase que absoluto de todas as discussões culturais, filosóficas e éticas do tempo. Hoje a competição com outras linguagens é grande, mas a literatura mantém a sua grande importância.

DR – O senhor foi um dos jurados que selecionou os 20 textos para o número da famosa revista Granta dedicado “aos melhores jovens escritores brasileiros”. Essa coletânea revela uma renovação da prosa romanesca no Brasil. Como analisa essa questão?

Tezza - Está surgindo uma nova geração de escritores que vem dando uma grande renovada na produção brasileira, depois de algumas décadas em que a nossa prosa perdeu muito espaço. Há uma troca muito grande de informações via internet, uma internacionalização das fontes e da leitura. A seleção da Granta é bastante representativa desta renovação.

DR – A que atribui esse novo momento da literatura brasileira?

Tezza - Muita coisa ao mesmo tempo: a intensa urbanização brasileira das últimas décadas, a estabilização política que deixou mais livre e solta a produção ficcional, uma nova geração que não tem mais a memória e os cacoetes dos anos 70, a explosão globalizante da internet. Enfim, o mundo mudou.

Tezza numa pensão de Coimbra, Portugal, onde estudou nos anos 70
DR – Recentemente o senhor incursionou nos contos com o livro Beatriz. Como vê o atual momento desse gênero no Brasil?

Tezza - Os contos nunca deixaram de ter presença na literatura brasileira. Os editores é que costumam falar mal deste gênero, com o argumento de que o conto vende pouco. Durante um tempo, desapareceram as revistas literárias de ficção, um espaço ideal para o conto. Mas hoje, com a internet, esse espaço está voltando com toda força.

DR – O senhor foi professor universitário de 1984 até 2009, primeiro na UFSC e depois na UFPR. Como avalia esse período e por que se deu a ruptura com a vida acadêmica?

Tezza - Em O Espírito da Prosa eu analiso essa passagem da minha vida, que foi complexa para mim. Minha ruptura foi apenas um modo de continuar escrevendo, quando eu não conseguia mais conciliar a universidade com a literatura.

DR – A crítica universitária brasileira de hoje tem a mesma influência da época da ditadura militar, quando a universidade determinava, digamos, a pauta literária do País?

Tezza - A internet implodiu as fontes de informação e referência, aqui e no mundo inteiro. Na época da ditadura, a crítica acabou se refugiando na universidade, até por falta quase que total de alternativas. E havia um quadro teórico predominantemente formalista, que chegou ao Brasil via França, que não favorecia especialmente a prosa romanesca. Hoje isso mudou. Claro, a universidade será sempre um centro poderoso de prestígio teórico e cultural, mas hoje ela não está mais sozinha, o que eu acho bom, porque é estimulante.

DR - A leitura da poesia de Carlos Drummond de Andrade foi muito importante para sua formação, como já disse. E no seu novo livro o senhor conta que começou a escrever como poeta. Por que desistiu da poesia?

Tezza - Num momento me descobri definitivamente prosador. Mas, como se sabe, todo prosador, no fundo, é um poeta frustrado…

DR - O que está escrevendo agora?

Tezza - Tenho apenas uma ideia vaga na cabeça. Pela primeira vez em muitos anos, não tenho nada começado. Quero descansar bastante por um ou dois anos.

DR - Próximo de completar 60 anos, que balanço faz de sua carreira? O que ainda busca alcançar?

Tezza - Sinceramente: não faço nenhum balanço e não penso em alcançar nada. Só vou vivendo, um dia depois do outro.

* Publicado no Diário Regional.

Extraído do sítio Sul21

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