24 de agosto de 2012

AS VELHAS NEGRAS - Gonçalves Crespo

Mulata Quitandeira, 1893-1905 - Antônio Ferrigno ( Itália, 1863-1940) - óleo sobre tela, 179 x 135 cm - Pinacoteca do Estado de São Paulo

A Mme. Aline de Gusmão

As velhas negras, coitadas,
Ao longe tão assentadas
Do batuque folgazão.
Pulam crioulas faceiras
Em derredor das fogueiras
E das pipas de alcatrão.

Na floresta rumorosa
Esparge a lua formosa
A clara luz tropical.
Tremeluzem pirilampos
No verde-escuro dos campos
E nos côncavos do val.

Que noite de paz! que noite!
Não se ouve o estalar do açoite,
Nem as pragas do feitor!
E as pobres negras, coitadas,
Pendem as frontes cansadas
Num letárgico torpor!

E cismam: outrora, e dantes
Havia também descantes,
E o tempo era tão feliz!
Ai! que profunda saudade
Da vida, da mocidade
Nas matas do seu país!

E ante o seu olhar vazio
De esperanças, frio, frio
Como um véu de viuvez,
Ressurge e chora o passado
– Pobre ninho abandonado
Que a neve alagou, desfez…

E pensam nos seus amores
Efêmeros como as flores
Que o sol queima no sertão…
Os filhos quando crescidos,
Foram levados, vendidos,
E ninguém sabe onde estão.

Conheceram muito dono:
Embalaram tanto sono
De tanta sinhá gentil!
Foram mucambas amadas,
E agora inúteis, curvadas,
Numa velhice imbecil!

No entanto o luar de prata
Envolve a colina e a mata
E os cafezais ao redor!
E os negros mostrando os dentes,
Saltam lépidos, contentes,
No batuque estrugidor.

No espaço e amplo terreiro
A filha do Fazendeiro,
A sinhá sentimental,
Ouve um primo-recém-vindo,
Que lhe narra o poema infindo
Das noites de Portugal.

E ela avista entre sorrisos,
De uns longínquos paraísos
A tentadora visão…
No entanto as velhas, coitadas,
Em
Cismam ao longe assentadas
Do batuque folgazão…



Em: Obras Completas de Gonçalves Crespo, Rio de Janeiro, Livros de Portugal: 1942

Antônio Cândido Gonçalves Crespo (Rio de Janeiro, 1846 — Lisboa, 1883), jurista e poeta, membro das tertúlias intelectuais portuguesas do final do século XIX. Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, tendo colaborado em diversos periódicos, entre os quais O Ocidente e a Folha, o jornal de que era director João Penha, o poeta que introduziu em Portugal o Parnasianismo. Naturalizou-se português quando precisou ter cidadania portuguesa para exerger a advocacia. Casou-se com a escritora e poetisa portuguesa Maria Amália Vaz de Carvalho. Faleceu aos 37 anos de tuberculose, em 1883.


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