14 de agosto de 2012

O PAÍS DE JORGE AMADO E GILBERTO FREYRE - Marion Frank

O professor Antonio Dimas, da USP, fala sobre a relação entre esses dois grandes pensadores do Brasil.

O universo de Jorge Amado, apesar de amplamente discutido por estudiosos, permanece regado de contradições. Foto: Maurício Belo

O Brasil é grande, bastante. E um modo de se dar conta dessa grandeza é prestando atenção à obra de alguns dos nossos escritores. Jorge Amado, por exemplo. Ele foi responsável por tornar conhecida a Bahia - que simplesmente não existia, nos anos 50 e 60, para boa parte dos brasileiros. "Nessa época, a indústria de turismo ainda dava os primeiros passos, o que fazia do universo baiano algo a ser desvendado por quem vivia no sul e no sudeste do País", afirma Antonio Dimas, professor de Literatura Brasileira da Universidade de São Paulo (USP). "O que mostra a importância da obra de Amado, capaz de abrir a janela para um território bem mais vasto do País."

Outro que alargou o conhecimento sobre o Brasil, em especial, o Nordeste, foi o pernambucano Gilberto Freyre, com Casa-Grande & Senzala. Publicado em 1933, foi leitura marcante para o então jovem Amado, "... que se aproximou de Freyre e se tornou amigo dele", conta o professor da USP. Curiosidade: Dimas, que vem relendo Freyre e Amado, está certo da sintonia que existe entre eles. "Ambos revelam grande interesse sobre a cultura negra, que abordam cada um do seu jeito." Outros pontos em comum há e são revelados na entrevista a seguir.

Por que a obra de Jorge Amado é importante?

Antonio Dimas: No Brasil, temos uma história que vem sendo praticamente escrita apenas por Rio de Janeiro e São Paulo, uma espécie de império cultural determinado por esses centros. E eu acho isso uma cegueira, o Brasil é muito maior... Basta reparar no trabalho que Jorge Amado faz, nos anos 30, por meio do romance, e o que Gilberto Freyre também faz, no mesmo período, com os ensaios sociológicos, são formas de habilitar o País de um modo muito mais amplo do que o realizado pela Semana de 22, por exemplo. Porque o modernismo que tanto se fala dessa época é um modernismo paulista, ao passo que Amado e Freyre abrem a janela para um território bem mais vasto de Brasil. A Bahia é um fato novo, por assim dizer, ela começa a aparecer nos anos 50 e 60 e Jorge é responsável por isso, essa capacidade de mostrar outras formas de viver, comer, pensar que não de molde carioca ou paulista. Além de Amado e Freyre, também há o escritor Erico Veríssimo, no Rio Grande do Sul... Todos eles responsáveis por abrir o horizonte, ampliar o território nacional.

É verdade que ainda existe um ranço, de parte da intelectualidade brasileira, em relação à obra do escritor baiano?

Antonio Dimas: Ainda existe má vontade, na USP, a respeito de Jorge Amado... Gilberto Freyre também passou um pouco por isso, mas o valor antropológico de sua obra é inconfundível e acabou se impondo de certa forma. A razão da má vontade? Um pouco por terem tratado da cultura popular, a linguagem desabrida dos dois, também acho que existe um pudor indisfarçável, quase moralista - no caso de Amado, ele é criticado por "folclorizar" a Bahia ao criar personagens que são estereótipos, a sexualidade exagerada, as mulheres fogosas e ousadas... Por exemplo, D. Flor, uma personagem que leva dois homens para a cama, ora, isso é quase uma afronta à moral vigente!

Gilberto Freyre e Jorge Amado foram próximos?

Antonio Dimas: Sim, eles se tornaram amigos, apesar de terem ideias políticas completamente diferentes, Jorge era da esquerda radical, enquanto Gilberto se mostrou conservador desde o começo, com atitudes no mínimo discutíveis após 1964 - era a favor dos militares e chegou a ser sondado para ser ideólogo da Arena, partido político que dava sustentação ao governo militar... Há muito venho lendo Jorge Amado e Gilberto Freyre e, em minha opinião, os dois andam juntos, eles fizeram carreira em sintonia.

Jorge Amado foi influenciado pela obra de Freyre?

Antonio Dimas: Não acho que ele tenha sido muito influenciado, claro, ele lêCasa-Grande & Senzala, mas tem lá suas ideias... Ambos demonstram enorme interesse pela cultura negra, isso é certo, mas cada um trata o tema do seu jeito. Freyre tem formação acadêmica deliberada, ele vai para os Estados Unidos e passa dois anos estudando Antropologia, no Texas, enquanto Amado, filho de um fazendeiro de cacau bem sucedido, vai crescer no Pelourinho, imagine o quanto ele aprontou, sozinho, em Salvador... E depois vai frequentar o curso de Direito não porque queria saber algo sobre as leis, mas sim porque precisava estudar... Não há influência alguma desses estudos em sua obra.

Eles também diferiam na conduta, Amado, se misturava ao povo, ao passo que Freyre era bem distante desse contato...

Antonio Dimas: Jorge Amado deixa muita gente de má vontade por ser bastante contraditório. Foi um ferrenho seguidor do Partidão, um estalinista nos anos 40 que acabou se afastando desse ideário no final dos anos 50, afinal, ele também tinha um temperamento anárquico, não existia regra para ele. A casa de Jorge Amado, por exemplo, era frequentada por gente execrada pela esquerda, ao que ele sempre dizia, "ora, na minha casa, convido quem eu quero!". Um sujeito assim é difícil de pegar, entende? Gilberto Freyre, em contrapartida, é diferente. Ele fazia questão de andar junto da nata da inteligência nacional, ele tinha um Norte, o reconhecimento de sua qualidade intelectual. Costumo dizer que Gilberto Freiye é a sala de visitas e Jorge Amado, a cozinha, mas ambos são parte de uma casa. A casa brasileira.

Extraído do sítio Educar Para Crescer

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