29 de agosto de 2012

RITUAL KUARUP PODE SE TORNAR PATRIMÔNIO HISTÓRICO IMATERIAL DA HUMANIDADE

Celebração, da etnia Yawalapiti, foi registrada pelo Iphan durante 10 meses.


A manutenção da cultura. A cultura de um povo que, de geração em geração se preserva viva e atrai olhares do mundo inteiro. Os povos indígenas do Xingu, mais especificamente no Alto Xingu, onde está localizada a etnia Yawalapiti, é exemplo da tradição, da memória que não se deixa morrer. 

A celebração do Kuarup, um dos mais antigos rituais desses índios poderá se tornar patrimônio histórico imaterial da humanidade. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) esteve na aldeia e fez o registro dos 10 meses da celebração do ritual indígena, que iniciou em novembro e terminou no último dia 19.

Este ano o etnólogo e antropólogo Darcy Ribeiro, um dos responsáveis pela criação do parque Nacional do Xingu, juntamente com Marechal Rondon, Eduardo Galvão e os irmãos Vilas Boas, foi um dos homenageados. Em outubro ele completaria 90 anos.

Para a superintendente de Assuntos Indígenas de Mato Grosso, Janaina de Oliveira, esse registro é extremamente importante. Ela explicou que o Iphan estabeleceu uma metodologia para poder registrar todo e qualquer patrimônio imaterial ou registro cultural de um modo geral no Brasil. 

É o chamado Inventário Nacional das Referências Culturais (INRC). O Kuarup, segundo Janaina, vem sendo difundido, mostrado desde o contato dos índios com os não índios, e pelo fato haver uma curiosidade, uma busca muito grande por esse ritual indígena, existe o receio de que a celebração acabe.

“O Governo de Mato Grosso, por meio da Superintendência Indígena tem apoiado todos os registros dentro de área indígena para que não se perca essa identidade, fazendo o acompanhamento das equipes que se deslocam para a aldeia, já que é um trajeto dispendioso e longo. Sempre em parceria com a Funai, que nos informa o que os grupos visitantes precisam, encaminhamos alguém para auxiliar, por exemplo um cinegrafista que venha de fora e que nunca teve contato com terra indígena, para que não aconteça nenhum erro no processo”.

Com base na elaboração de uma agenda de governo, Mato Grosso resolveu mudar, não só para o Brasil, mas para o mundo, historicamente a imagem com relação aos cuidados com a cultura e com as etnias indígenas, conforme explicou a superintendente.

“Levando em consideração que o Brasil é uma sociedade extremamente eclética e que Mato Grosso possui 42 etnias e 78 terras indígenas homologadas e conseguimos registrar isso dizendo que o Estado cuida das questões indígenas e de sua diversidade cultural e populacional. Isso é fundamental para o Governo do Estado porque os espaços já foram tomados então nós temos que manter esses espaços já referendados e homologados. Isso é muito importante porque é único” disse Janaina ao lembrar que Mato Grosso saiu na frente quando fez o projeto piloto de INRC em 2008 na região quilombola no município de Vila Bela da Santíssima Trindade (a 521 Km a Oeste de Cuiabá). 

A partir daí, numa parceria com o Iphan, Secretaria de Estado de Cultura (SEC) e Instituto Quiloa Kongo de Vila Bela começou a desenvolver um método de fazer esse inventário.

“Em terras indígenas ainda não havia sido feito. Vai ser feito apoiamento inclusive com documentário para essa divulgação. Hoje, em muitas escolas as crianças não sabem o que está acontecendo nas terras indígenas que ficam aqui do lado e essas instituições são as principais fomentadores de qualquer informação”, ressaltou.

O documentário visual, que também está no edital, será distribuído em todas as escolas estaduais para que seja um instrumento de conhecimento das culturas de Mato Grosso, um trabalho de esclarecimento, para desmistificar a imagem do índio.

O respeito e a admiração pelo ritual do Kuarup foi destacado por Janaina quando ela comparou ao modo de vida na sociedade não índia. “Temos nossos mitos e ritos normais. Quando perdemos alguém, velamos, choramos, ficamos com saudade. Entender esse processo do Kuarup é muito bonito. Eles fazem o ritual, que é de desapego. Ali nos troncos do Kuarup os índios depositam o sofrimento durante toda a noite, e no raiar do dia vem a alegria. Depois jogam os troncos nas águas e ali se vai todo o sofrimento deles e continua-se a vida. Foi de extrema importância, inclusive pessoal e emocional estar presente nesse celebração. Os ritos são fundamentais em nossa vida e o deles é lindíssimo”, disse Janaina ao contar que foi muito gratificante ter participado da cerimônia pelo fato da superintendência indígena ter sido convidada a participar pelo trabalho que realiza na aldeia.

União Europeia

A mesma emoção foi relatada pela embaixadora da União Europeia em Brasília e antropóloga, Ana Paula Zacarias, que também esteve presente nos últimos dias de celebração do Kuarup.

Ela definiu a experiência como um sonho que se tornou realidade. Ela falou da importância de viver esse momento pelo interesse em documentar e ver de perto essa manifestação cultural extraordinária. 

“É realmente um privilégio poder estar aqui. Por outro lado, na qualidade de embaixadora, é muito interessante poder vir aqui ao Xingu e não só estar com as comunidades indígenas, mas também participar de discussões com alguns dos participantes sobre projetos que foram financiados pela União Europeia em toda essa área do entorno do Xingu”.

De acordo com Ana Paula, os projetos em que a União Europeia está envolvida são na área socioambiental, alguns deles com financiamento bastante substancial. “Temos um projeto na ordem de R$ 17 milhões, além de muitos outros que já foram sendo investidos e feitos ao longo do tempo”, disse ao explicar especificamente um, relacionado à colheita de sementes, e que Ana Paula considera muito interessante.

“É um projeto que reúne pela primeira vez as comunidades indígenas e os fazendeiros com o objetivo de reflorestar. A comunidade indígena recolhe as sementes da floresta e os fazendeiros plantam com as máquinas em áreas que estavam abandonadas, tornando possível o reflorestamento usando novas tecnologias e o saber tradicional”.

A embaixadora falou ainda da importância do Governo de Mato Grosso possuir uma Superintendência de Assuntos Indígenas que dá apoio às etnias do Estado. Segundo ela, basta ver o sucesso do Parque do Xingu que, no início da sua criação, havia muitas pessoas que se manifestavam contra e constata-se que foi um grande acerto, uma grande decisão. “Essa realidade que hoje podemos ver aqui não seria possível se não houvesse quem apoiasse essas etnias. As comunidades estão aumentando, hoje nós vemos jovens que dominam as novas tecnologias, que usam celular, que têm antena parabólica e que simultaneamente preservam a sua cultura, sua tradição. Isso é o valor maior da diversidade humana. A diversidade é o fundamento da nossa própria existência. Isso é extraordinário”.

Ana Paula diz ter conhecimento que o Governo do Estado tem vários programas de apoio aos índios e projetos muito interessantes. “Ouvi o governador Silval Barbosa em várias entrevistas e ele falou da necessidade de acautelar a sustentabilidade e o equilíbrio entre esses dois mundos. Um mundo das novas tecnologias, o mundo agrícola e o mundo mais tradicional que tem que conseguir encontrar um espaço de vivência conjunta”.

As ações e o apoio, seja do Governo do Estado, da União Europeia ou de tantas outras organizações não governamentais resultam num só objetivo, que é, como bem lembrou Janaina de Oliveira, de manter a cultura viva. “Os índios não usam ‘o que nós éramos’ e sim ‘o que nós somos’. Eles não querem perder sua identidade”.

Extraído do sítio CenárioMT


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