15 de setembro de 2012

RONIWALTER JATOBÁ: "ESCREVO SOBRE O QUE SOU" - Carlos Herculano Lopes

Na capital paulista, para sobreviver, fez de tudo: trabalhou como ajudante de almoxarifado, apontador gráfico e operário metalúrgico, até conseguir se formar em jornalismo. Foi a partir daí que a literatura entrou na sua vida. Isso aconteceu na década de 1970 e, desde então, Roniwalter já escreveu muitos livros: a maioria retratando o que acontece conhece de perto: a dura realidade dos migrantes mineiros e nordestinos em busca de uma vida mais digna em São Paulo. Atualmente está às voltas com uma história que se passa na Chapada Diamantina, na Bahia. “Pertenço à ala dos ficcionistas brasileiros ligados à realidade”, confessa o escritor, que também se dedica a produzir literatura para jovens. “Há um limbo entre a produção literária para jovens e adultos”, avalia Roniwalter. 

Pergunta: Você acaba de lançar três livros: O jovem Monteiro Lobato, a novela Alguém para amar a vida inteira e Cheiro de chocolate e outras histórias. Em que circunstâncias estes livros nasceram, dá para falar um pouco de cada um?

Roniwalter Jatobá: O ano de 2012 foi realmente produtivo em relação a lançamentos. Mas, embora os três livros tenham sido editados ao mesmo tempo, em cada um deles houve um trabalho individual, cada um à sua maneira. O jovem Monteiro Lobato, que faz parte da coleção “Jovens sem fronteiras” da Editora Nova Alexandria, por exemplo, foi objeto de uma longa pesquisa que durou mais de um ano. Além de buscar informações em livros, revistas e jornais antigos, estive duas vezes na região de Taubaté, no interior paulista, para visitar os lugares percorridos pelo criador do Sítio do Pica-pau Amarelo, um pioneiro e mestre da literatura infanto-juvenil no País. Já Alguém para amar a vida inteira, editado pela Editora Positivo, é um romance que escrevo e reescrevo há mais de cinco anos, e conta uma história de amor na periferia fabril de São Paulo. Quanto a Cheiro de chocolate e outras histórias, este é um livro que revela o meu sentimento de amor e ódio por São Paulo. Afinal, faz quarenta anos que vivo na metrópole e, por isso, os contos mostram a minha relação com a cidade. No primeiro texto, por exemplo, trato com delicadeza a história de antigos namorados que se reencontram na Avenida Paulista, e que recordam de momentos vividos em Paris e dos projetos que tinham juntos. Sobre este livro, o jornalista, escritor e crítico literário Renato Pompeu escreveu que “a literatura sempre avança em relação à mais requintada teoria literária. O principal teórico do realismo crítico, o húngaro György Lukács, julgava que não era possível fazer arte a partir do singular, por não ser universal. Somente a partir do singular-universal, ou seja, a partir do particular, é que seria possível fazer arte. Mas Roniwalter Jatobá, neste livro Cheiro de chocolate e outras histórias, prova o contrário. Ele chega a estesias melancólicas e encantadoras, a puros enlevos, a partir de uma feira de singularidades; o conjunto se torna universal.”

P: Você é considerado um dos grandes cronistas da vida operária brasileira, que já retratou em vários livros. Você concorda com isto? Por quê?

RJ: Assumo que a minha literatura tem um tom confessional, uma vez que revisito sempre os lugares em que vivi, tentando mapear as minhas andanças. Toda a minha literatura vem da reconstrução literária da vivência e da experiência nas constantes migrações entre Campanário (onde nasci), Campo Formoso e Bananeiras (onde vivi) e São Paulo (onde moro). Quanto ao pioneirismo ao retratar a vida operária e a importância de alguns livros meus, como Sabor de química (Prêmio Escrita de Literatura, 1976), Crônicas da vida operária (Finalista do Prêmio Casa das Américas 1978, em Cuba) e Paragens (Finalista do Prêmio Jabuti 2005, São Paulo), quem fala sempre sobre isso é o escritor mineiro Luiz Ruffato. Ao defender sua tese, Ruffato mostra que o operário, como personagem, foi pouco retratado na literatura brasileira. Segundo ele, antes dos meus textos, o trabalhador urbano só podia ser entrevisto em um que outro romance – O cortiço, de Aluísio Azevedo, de 1890, Os corumbas, de Amando Fontes, de 1933, O moleque Ricardo, de José Lins do Rego, de 1935 – ou em um que outro conto – de autores como Mário de Andrade e Alcântara Machado. 

P: Foi a partir de sua própria vivência como operário metalúrgico e gráfico que você partiu para explorar este universo?

RJ: Sou um dos poucos autores que escrevem sobre o migrante nordestino. Não tenho intenção de mudar de assunto ou mesmo buscar modismos, o que é comum em grande parte dos escritores brasileiros. De certa forma, busco devolver ao leitor aquele Brasil que já esteve presente em nossa literatura de ficção, sobretudo a partir dos anos 30, que tanto ajudou na formação de uma consciência nacional. Escrevo sobre a vida que conheci como nordestino migrante, motorista de caminhão, trabalhador de construção civil e fábrica, buscando condições melhores em São Paulo. Não tive nenhuma intenção de tratar cientificamente fatos e personagens, não levantei teses sociais. Minha partida, claro, foi a experiência real, porém não escrevi como historiador, antropólogo ou sociólogo, muito menos cultivando correções políticas – e sim como escritor. 

P: Como é para você dar voz a esta grande massa de invisíveis pela sociedade brasileira?

RJ: Desde o começo da década de 1970 venho escrevendo sobre o trabalhador em São Paulo, principalmente o migrante mineiro e nordestino que vive na metrópole. Pertenço à ala dos ficcionistas brasileiros ligados à realidade, e com o fito de comprovar a existência de uma temática nossa, brasileira, longe de esgotar-se. Escrevo com o que sou. Sou o que há de mim, apenas. 

P: O que ficou na sua literatura da sua vivência no interior de Minas e no sertão da Bahia?

RJ: A minha vivência desse período é marcante na minha literatura. A infância e a adolescência são momentos ricos para o escritor e para a sua obra. Nasci em Campanário, norte mineiro, em 1949. Meus pais eram baianos, estavam ali desde o final da 2ª Grande Guerra, quando buscaram Minas para tentar a sobrevivência. Em 1960, minha família voltou para o sertão baiano nas proximidades da cidade de Campo Formoso. E essa volta foi importante para mim. Vivendo na casa de um tio, entrei num colégio protestante para fazer o ginásio e, ali, descobri a literatura. Em 1964, terminei o ginásio, mas meu pai não tinha condições de me enviar para Salvador para continuar os estudos. Com quinze anos, a minha perspectiva era trabalhar na roça ou ajudar meu pai, que possuía um velho caminhão. Virei, então caminhoneiro. Depois de servir o Exército em Salvador, vim para São Paulo, em 1970, e fui morar no bairro de São Miguel Paulista. Era fevereiro. Até abril bati muita perna em busca de trabalho. Na Nitroquímica, a maior fábrica de São Miguel, e que empregava quase todo mundo que chegava da Bahia, não tinha vaga. Rodei a cidade inteira até que, um dia, consegui uma vaga de ajudante de almoxarifado na Karmann-Ghia, em São Bernardo do Campo. Fiquei três anos empurrando carrinho cheio de peças para a produção. Em 1973, saí e entrei na Abril, como apontador de produção na gráfica. A partir daí, auxiliado pela empresa, fiz supletivo colegial e, depois, pude me formar em jornalismo. Foi na escola que comecei a escrever os primeiros trabalhos. Eram contos e, em todos eles, o cenário era a periferia paulistana ou os dramas dos migrantes na sua vinda. Virei, então, escritor e jornalista. Enquanto trabalhava em Versus, Movimento e publicações da Abril, continuei a escrever. Aí, um dia, mandei um conto para a revista Ficção, no Rio, e outro para a Escrita, em São Paulo. Ganhei os dois prêmios e não parei mais. 

P: Por falar nisto, parece que de uns tempos para cá tem havido uma tendência muito grande de urbanizar a literatura brasileira. Como você vê isto?

RJ: É um processo natural. Ao contrário de décadas atrás, a maioria da população mora hoje nas cidades, que, violentas e brutais, se tornaram fonte de inspiração para quem escreve e vive nelas.

P: Você também fez suas incursões na literatura infanto-juvenil. Fale um pouco sobre esta experiência.

RJ: Há escassez de bons textos para o público jovem. Num limbo entre o leitor adulto e o infantil, os jovens sentem falta de uma literatura que aponte rumos num momento de formação da sua personalidade. Por isso, tenho escrito bastante para jovens. Viagem ao outro lado do mundo, publicado em 2009 pela Editora Positivo e que conta a história de um menino interiorano perdido em São Paulo, é um grande sucesso. Outro sucesso é O jovem JK, a biografia de um grande político e rica de aventuras e exemplos de vida. Nesta obra narro a infância e a adolescência de uma pessoa interessante da história num caldeirão em que se misturam experiências de vida, fatos e, para torná-lo de agradável leitura, uma pitada de ficção.

P: E a experiência como jornalista, ajudou na literatura? O que anda fazendo atualmente?

RJ: Gosto do exemplo do norte-americano Ernest Hemingway. Ele dizia que fazer jornalismo leva o escritor a escrever com clareza e simplicidade. Mas é bom lembrar que a literatura exige algo a mais, pois nela é essencial entrar na consciência dos personagens, inclusive em suas idealizações. O profissional da notícia precisa da capacidade de se concentrar em meio ao imediatismo das ocorrências diárias. O escritor precisa de tempo para observar, analisar, compreender e se aprofundar. Atualmente, escrevo um romance histórico, cuja história se passa em 1926, na Chapada Diamantina, Bahia, durante a grande saga da Coluna Prestes na região. Pesquiso o assunto há anos e acho que já estou amadurecido para mergulhar nessa fascinante aventura.

Extraído do sítio Portal Vermelho

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