19 de setembro de 2012

SOB A PROTEÇÃO DOS MUSEUS DE ARTE - Iracema Sales

Pesquisadores discutem as formas de preservar a memória de obras realizadas a partir de suportes efêmeros.

Dos museus para as ruas ou para o ciberespaço. A necessidade de preservação da memória das obras de arte é um consenso. Elas podem até ser confeccionadas com materiais perecíveis, mas de efêmeras não têm nada, já que, lançando mão às tecnologias, analógicas ou digitais, aos poucos, os artistas constroem os seus arquivos visuais.

Um coiote e Joseph Beyeus... 
Hoje, o questionamento que se coloca não é mais se essas manifestações podem ou não ser preservadas, ou mesmo narradas para as gerações futuras, nem tampouco se as suas "auras" serão alteradas pelos processos de reprodução, como alertava Walter Benjamin, em texto que continua atual quando à intercessão arte e tecnologia. O X da questão é quanto à fragilidade desses meios para a preservação da memória, tema que perpassa também o campo da comunicação, área com a qual a arte contemporânea dialoga com maior frequência, sobretudo a partir dos anos 1960.

Coleção

"Neste aspecto, o museu tem um papel determinante na história humana, sobretudo quando o assunto é preservação da memória", destaca Silvana Boone, professora na Universidade de Caxias do Sul (UCS), doutoranda em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGAVI-UFRGS), com pesquisa sobre arte computacional nos museus da arte contemporânea brasileira.

...na célebre performance "I like America and America likes Me"
"A origem do museu, da forma que conhecemos hoje, - de caráter público, ligado às ideias de coleção, resgate de memória e patrimônio, permanência e conservação da história da arte - tem seu início no século XIX", explica. A pesquisadora lembra que a ação de conservar e apresentar objetos existe desde o Renascimento, quando as famílias nobres e o clero guardavam suas coleções, cujo acesso era restrito à aristocracia e aos religiosos, que detinham o saber e a cultura erudita.

Silvana Boone destaca que o século XIX constitui um período de importantes acontecimentos para a arte e inicia a chamada "era dos museus", lembrando que a França, por exemplo, abre suas coleções privadas durante a Revolução Francesa, no final do século XVIII. Mas é no século XIX que se origina a ideia de museu como lugar de guardar a história coletiva do homem e do conhecimento que se tem dele, a partir dos objetos e da arte produzida em diferentes épocas, completa.

O Museu do Louvre, em Paris, é inaugurado em 1793 como o primeiro museu público francês. A constituição das coleções de arte a partir de então será fundamental para o conceito de museu que será instaurado no século XX. "Teoricamente, o museu deve guardar e conservar o novo e o antigo para a história futura e sua estrutura deve acompanhar o tempo presente", assinala.

Performances

Com relação à formação da memória, a partir do conceito de arte contemporânea quando, muitas vezes, a obra usa material perecível, responde: "A questão da efemeridade na arte não é recente e ao longo da segunda metade do século XX, as manifestações artísticas com esse caráter se davam em tempo e espaço apropriados enquanto um acontecimento". Cita manifestações como Body Art, Happenings e mesmo algumas obras da Arte Conceitual, as quais só puderam ser resgatadas na recente história da arte, através dos registros fotográficos ou em vídeo, porém, com o caráter de memória do evento e não como uma produção estética.

Para Silvana Boone, "a essência ou característica maior de um happening ou de uma intervenção geralmente é o seu tempo de existência". O registro, explica, é um "outro" que conta um tempo passado. Não é mais a obra. O que ocorre é que, hoje, boa parte desses registros encontram-se nos museus, em substituição à própria obra.

O historiador de arte e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Álbio Sales, afirma ser a arte contemporânea bastante abrangente, chamando a atenção para a arte digital cujo armazenamento se dá no ciberespaço. Fica em aberto o tempo que essa obra vai ficar disponibilizada, sendo necessário ser enviadas informações para vários locais desse ambiente virtual.

Ele reitera a posição de Silvana Boone, ao se referir às manifestações como happenings e performances, criadas para desconstruir a ideia de obra de arte como algo concreto. "A arte contemporânea dispensa a materialidade", diz, explicando ser diferente da arte grega, por exemplo, caracterizada pelo material.

Esclarece que o homem moderno inventa os conceitos de preservação. Hoje, alguns museus guardam os elementos que deram origem à obra, na falta de sua materialidade, conceito que pode ser traduzido como "o espiritual ou não- material", característica da arte contemporânea, possibilitando a fruição diretamente com o que o artista buscou, ou seja, a sua ideia.

Fotografia

A fotografia é uma forma de registrar a memória de uma obra, lembrando que também é arte. "Ela existe como registro e como expressão estética", explica o historiador. A intervenção é por natureza efêmera, feita para ficar nas ruas, por um determinado tempo. Ela é baseada no subversão da ordem. A fotografia é apenas um registro e não mais a obra. Existem livros com os comunicados das performances, explicando como é realizada, mas também constitui um evento único, restando o registro. A imagem fotográfica não dá a noção da tri-dimensionalidade, e no caso do videoarte, o material deve ser bruto e não passar por edição.

Aliás, esse tema abre uma discussão também no campo da informação jornalística, como coloca no livro "Videologias", o jornalista Eugênio Bucci, no capítulo "A história na era de sua reprodutibilidade técnica", reclamando que, hoje, nem mesmo se tem acesso aos negativos das fotografias, fazendo referência, ainda, entre o material bruto, colhido pelo jornalista nas rua, e quando passa pela edição, no caso do telejornalismo. "Jornais impressos são coisas palpáveis, concretas, estão materializados em papel. No papel está seu suporte físico. Do papel, assim como da tinta, podem-se examinar a idade e a autenticidade. Já em televisão, como em toda forma de mídia eletrônica, é cada vez mais difícil encontrar o suporte físico original da informação".

No campo da arte, os processos artísticos eram utilizados levando em consideração a durabilidade da obra, diferente do comportamento das vanguardas do inicio do século XX, que apostavam em obras e eventos para chocar e provocar discussões. Não eram feitas para durar, causando dificuldade para a recuperação dessas memórias, citando trabalhos feitos por Picasso, usando papeis colados em telas, sendo difícil a preservação. Outra característica da arte contemporânea é a negação da obra como mercadoria. 

Extraído do sítio Diário do Nordeste

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