10 de setembro de 2012

TRABALHADORES "INVISÍVEIS" AO SERVIÇO DA CULTURA - Vladimir Kultyguin

© Flickr.com/Helder da Rocha/cc-by-sa 3.0
No final da semana passada, de 6 a 8 de setembro, teve lugar em Moscou o II Congresso de Tradutores Literários. É um evento organizado pelo Instituto russo de Tradução, cuja missão é o fomento das relações internacionais culturais na área da literatura, e pela Biblioteca Nacional de Literatura Estrangeira de Moscou, onde foi realizado.

O Congresso é parte do programa Outono com Livros, iniciativa da Agência Federal de Comunicações, que patrocina também a Feira do Livro de Moscou e outros eventos.

Tradutores de russo de mais de 30 países reuniram-se para discutir as questões da tradução e os caminhos que a literatura russa está percorrendo no mundo. Foram discutidos os temas mais diversos, da tradução de obras de presos políticos no Gulag até à formação de tradutores e intérpretes, da pesquisa teórica sobre métodos de tradução literária até à história de amor pela língua russa do escritor D.H. Lawrence.

O primeiro Congresso foi um sucesso, segundo os organizadores, sendo a primeira iniciativa do gênero no mundo. O fórum, bienal, é dedicado ao intercâmbio de experiência profissional e pesquisas teóricas e práticas na área da tradução como arte, profissão e ciência.

“Um bom tradutor é sempre uma pessoa invisível”, - destacou o tradutor russo Alexander Livergant sobre um dos paradoxos deste trabalho durante o seu depoimento na sessão plenária na abertura do Congresso. E frisou: “Quanto maior é a presença do tradutor no texto traduzido, pior.É uma profissão humilde”. O paradoxo está em que o tradutor tem sempre que assumir também uma parte das funções do autor, já que há noções em uma língua que não possuem análogos noutra. E a própria possibilidade de tradução, como disseram vários participantes do congresso, é um paradoxo também.

O problema principal presente nas duas reuniões do Congresso se traduz nesta pergunta: qual é o papel do tradutor no processo literário? Será que ele é criador, artista, ou um simples instrumento? A pergunta é reforçada pela existência de várias modalidades de tradução: existe a tradução literária, o grande tema deste Congresso, e também a tradução jurídica, econômica, a interpretação, que servem de instrumento de comunicação. Um dos participantes abordou a questão polêmica da formação nas universidades: deverão os alunos que pretendem ser intérpretes estudar também tradução escrita e literária? Segundo ele, sim, devem, porque a tradução de textos não estandardizados requer sempre a capacidade de sentir a língua viva.

O correspondente da Voz da Rússia Vladimir Kultyguin falou durante o Congresso com o professor Rafael Guzmán Tirado, do Departamento de Filologia Grega e Eslava da Universidade de Granada, fundador deste Departamento, em 1994. O professor, que fez uma apresentação sobre as traduções para o espanhol de contos do autor russo Mikhail Bulgákov, feitas por seus alunos, disse o seguinte:

“A tradução para o russo na Espanha teve várias épocas, vários períodos. Nós podemos dizer que já há quase vinte anos que as traduções são feitas quase todas diretamente do russo para espanhol por tradutores nativos, e isso é importante porque, até então, a tradução dos clássicos da literatura russa se fazia através do francês, do inglês, do alemão, mais frequentemente do francês. Estas iniciativas são apoiadas pelo governo russo e por diversas instituições, por um lado pelo Instituto de Tradução, por outro lado, pela fundaçãoMundo Russo e a Fundação Boris Yeltsin, que estão fazendo um esforço muito grande. Acho que estão dando já um grande resultado. Eu tive a sorte de ser membro do júri dos três prêmios promovidos pela Fundação Yeltsin na Espanha, com a colaboração da Fundação Pushkin em Madrid. Então, eu tive a oportunidade de conhecer diretamente o que se está traduzindo, a variedade do que se está traduzindo. São tanto escritores clássicos, que estão sendo novamente traduzidos, como escritores contemporâneos. Por exemplo, neste ano, o vencedor do prêmio da Fundação Yeltsin foiAnna Karenina, de Tolstói, que já tinha sido traduzida várias vezes, sendo esta tradução de maior qualidade.”

Nem sempre a tradução literária merece a atenção devida da parte das instituições e editoras, cedendo lugar às áreas mais pragmáticas e mais rentáveis, como diz Guzmán Tirado:

“Infelizmente, na Faculdade de Tradução e Interpretação da Universidade de Granada, não temos Tradução Literária. Mas ensinam-se noções de Tradução Literária na disciplina de Tradução Geral. Temos Tradução Geral, temos Tradução Jurídico-Econômica e temos Tradução Científica, mas não há Tradução Literária e é uma pena, porque deveria haver também.”

O Congresso contou também com a participação de uma tradutora brasileira: Arlete Cavaliere, professora da Universidade de São Paulo no Departamento da Literatura Russa, que também participou do primeiro Congresso. A professora Arlete é tradutora para o português da obra de Nikolai Gógol e também participante da Nova Antologia do Conto Russo, compilada por Boris Schnaidermann e editada em finais de 2011 pela Editora 34 de São Paulo. “Gógol continua sendo uma figura importante para a literatura russa e também para a compreensão, do ponto de vista da crítica literária, de vários autores contemporâneos russos”, - diz Arlete.

“Isto se deve a que na literatura russa contemporânea, tal como na época de Gógol, estão muito presentes elementos importantes como o jogo verbal, os “gestos verbais”, segundo a definição do crítico literário russo Boris Eichenbaum, as “piruetas verbais”, que são difíceis de traduzir, ou, para melhor dizer, re-escrever – mas que de modo nenhum devem ser omitidas na tradução”.

Para a professora, a tradução é também arte e análise literária, ou seja arte e ciência simultaneamente:

“Quando a tradução literária supõe estar dentro do texto traduzido, quando é a desmontagem e uma nova montagem da máquina criativa, daquela beleza frágil que não deve ser tocada, então a tradução é, como notou o nosso poeta Haroldo de Campos, também análise literária”.

Então, a tradução literária é “uma leitura mais atenta”. A pesquisadora brasileira destacou também o interesse pela literatura russa no Brasil. “A tradução de literatura contemporânea russa implica também conhecimento do processo histórico da Rússia, que agora está no auge”, disse. A popularidade da literatura russa está agora crescendo no Brasil, começando por autores clássicos, como Tolstói, Dostoiévski e Tchékhov, e continuando em autores contemporâneos, como Pelévin, Dovlátov e Petruchévskaia (e esperemos que esta lista tenha continuação).

Extraído do sítio Voz da Rússia

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