9 de novembro de 2012

A GRANDE POETA CECÍLIA MEIRELES, A MAIOR TAGOREANA BRASILEIRA - José Paz Rodrigues

De nome completo Cecília Benevides de Carvalho Meireles, nasceu no Rio de Janeiro a 7 de novembro de 1901, e faleceu na mesma cidade a dia 9 do mesmo mês do ano 1964, com 63 anos de idade. Por isso eu quero lembrar esta excelsa escritora nestas datas do presente mês, porque, junto com Rosália de Castro, a considero a melhor poeta do nosso belo idioma internacional, o galego-português.

Cecília foi criada pela sua avó materna Jacinta, oriunda das ilhas dos Açores, pois com três anos faleceu-lhe sua mãe, e seu pai três meses antes de nascer. Com a ajuda de Pedrina, a cuidadora, ambas contavam contos e histórias a Cecília sendo criança, factos e lendas das terras açorianas, ditos e cantares do folclore popular, o que muito influiu na formação literária e sua criatividade da grande poetisa, considerada como a mais importante do país, e uma das maiores da lusofonia. Foi uma escritora excecional, tanto em poesia como em prosa. Escreveu infinidade de artigos em numerosas publicações periódicas. E também muita literatura infantil, da qual foi considerada uma especialista mundial.

Com nove anos já recebeu uma medalha de ouro, com seu nome gravado, pelo seu grande esforço na escola primária. Mais tarde fez na Escola Normal do Rio os estudos de magistério e foi uma grande educadora, seguidora dos princípios do movimento educativo da “Escola Nova”. Junto com Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Hermes Lima e Anísio Teixeira, Cecília divulgou na teoria e na prática por todo o Brasil, nos anos 30, os postulados pedagógicos deste importante movimento, que tinha nascido na Europa. E, especialmente, o de fomentar uma educação sem divisões de sexo, raça e religião, que também defendeu Tagore e aplicou na sua escola nova de Santiniketon.

Para poder aceder à cadeira de Literatura da Escola Normal do Rio de Janeiro, em 1929 defendeu a sua tese titulada “O espírito vitorioso”, precisamente seguindo o modelo educativo da “Escola Nova”, mas o júri, injustamente, reprovou-a e não pôde ocupar a cadeira. Depois de 1930 a 1933, dentro da “Página da Educação” do Diário de Notícias do Rio de Janeiro, publicou nada mais e nada menos que 127 artigos variadíssimos sobre temas educativos, didáticos, de organização escolar, de educação social, renovação pedagógica e de política educativa, seguindo os postulados do movimento antes mencionado, a que pertencia. Todos eles são mesmo hoje de grande atualidade, e entre eles, por tagoreanos, quero destacar aqueles que falam de cooperação, educação e fraternidade universais, educação artística, o respeito pela vida, o ambiente escolar, os poetas como precursores do novo idealismo educacional e a paz pela educação. Todos podiam ser assinados pelo mesmo Robindronath.

Sobre temas educativos continuou publicando depoimentos em outros jornais e revistas. Em 1934 organizou a primeira biblioteca infantil do país, e em 1935 começou a lecionar literatura luso-brasileira e técnica e crítica literária na Universidade Federal do Rio de Janeiro, ademais de dar cursos e ditar conferências em vários países como Portugal (nas universidades de Lisboa e Coimbra), Chile e os EUA, chegando a ministrar aulas de literatura e cultura brasileira na Universidade do Texas.


PAIXÃO PELA ÍNDIA

Sendo adolescente começou a apaixonar-se pela Índia e sua cultura, e esta sensibilidade para o Oriente a manteve sempre durante toda a sua vida. Por isso na sua crónica “Meus Orientes”, chegou a dizer: “O Oriente tem sido uma paixão constante na minha vida (…) pela sua profundidade poética que é uma outra maneira de ser da sabedoria”. Nos inícios de sua carreira de escritora, em 1920, participou na corrente literária chamada “espiritualista”, dentro da qual destaca o grupo da revistaFesta, com os seus máximos representantes Tasso da Silveira (1895-1968) e Tristão de Ataíde, pseudónimo de Alceu Amoroso Lima (1893-1983), amigos de Cecília e também admiradores de Tagore. No entanto, a nossa escritora e educadora nunca desejou estar filiada a nenhum movimento literário, embora estivesse próxima ao simbolismo e depois ao modernismo.

Segundo Cristina Gomes, a sua poesia é intimista e reflexiva, com tom filosófico, de profunda sensibilidade feminina. A vida, o amor e o tempo são os temas recorrentes dos seus poemas, estando também presente nos seus escritos a musicalidade. Todas as suas tristezas e desencantos, como a perda dos seus pais, depois da avó e do seu primeiro esposo, marcaram a sua poesia, enchendo de lirismo todos os seus escritos. Recebeu postumamente, pelo conjunto de sua excelente obra, da Academia Brasileira de Letras, o “Prêmio Machado de Assis”. Visitou vários países, ademais dos antes citados, escrevendo formosas crónicas das suas viagens para jornais brasileiros. Entre eles há que destacar Itália, país a que lhe dedicou um livro de poemas, Israel, sobre o qual também escreveu poemas e artigos, e a Índia, que tanto amava já desde jovem.

Era uma grande admiradora de Gandhi, dedicando-lhe vários e formosos poemas e artigos. Só o tema do seu apreço pelo “Mahatma” mereceria um estudo amplo e monográfico. Em 1953, para participar em Nova Deli, convidada pelo governo indiano presidido por Nehru, num congresso internacional dedicado a Gandhi, e receber a nomeação de Doutora Honoris Causa pela Universidade de Nova Deli, com 52 anos de idade, viajou à Índia. Estando no grande país asiático de 1 de janeiro a 6 de março desse ano de 1953. Além da sua estância na capital da República indiana, aproveitou para visitar, entre outros lugares e cidades, Hiderabade, Agra com o seu Taj Mahal, Bangalore, Patna, Jaipur, Puri, Varanasi (Benares), Chennai (Madras), Mumbai (Bombaim), Cachemira, Goa (onde foi muito agasalhada e os jornais recolheram a sua presença, poemas, artigos e entrevistas, sendo nomeada membro de honra do Instituto Vasco da Gama) e Calcutá (Kolkata), ficando muito triste por não poder acercar-se desde esta cidade à Santiniketon de Tagore, estando tão perto.

Produto desta viagem à sua amada Índia é a publicação do seu livro Poemas escritos na Índia, composto de uns 60 poemas escritos no seu périplo indiano de 1953, e editados pela primeira vez em livro em 1961. No mesmo há um poema dedicado a Sarojini Naidu, outro a Gandhi e um muito formoso dedicado ao seu admirado Tagore, com o título de “Cançãozinha para Tagore”. Escreveu também depoimentos, artigos e crónicas (algumas publicadas posteriormente em jornais brasileiros) sobre temas variados da Índia, as suas gentes, paisagens, cidades, templos e personagens importantes como Gandhi e Tagore, que ela tanto admirava. Estas crónicas e artigos foram publicados postumamente nos volumes de Crónicas de viagem e Obra em prosa, ao cuidado do académico Leodegário de Azevedo Filho. Também na antologia de crónicas O que se diz e o que se entende, publicada pela primeira vez em 1980.

A gestão de Cecília Meireles foi fundamental para que se organizassem representações teatrais tagoreanas e homenagens e exposições dedicadas a Robindronath. Com tradução da própria Cecília, no mês de maio de 1949, foi representada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro a obra O carteiro do rei (The Post Office/Dakghor), graças ao apoio de Krishna Kripalani e sua esposa Nondita, membros da missão diplomática indiana, desempenhando um papel na obra Maria Fernanda, filha de Cecília. Para lembrar o centenário do nascimento de Tagore, em 7 de maio de 1961, num número especial do Jornal do Brasil, sob a epígrafe “Da Índia distante”, escreve o artigo intitulado “Homenagem a Rabindranath Tagore”. E nos Cadernos Brasileiros nº 2, publicados no Rio de Janeiro em abril-junho do mesmo 1961, escreve um formoso depoimento com o título de “Um retrato de Rabindranath Tagore”.

Por tudo isto, logo já em 1962, para celebrar o centenário de Tagore, por proposta de Cecília, de forma cooperativa entre o Ministério da Educação e Cultura brasileiro e a Embaixada da Índia no país, organizaram-se atividades de homenagem em base a conferências e exposições. Também com este motivo, coordenadas por Cecília, saíram à luz publicações comemorativas de obras de Robindronath, traduzidas por Guilherme de Almeida, Abgar Renault e a própria Cecília, que passou ao português Mashi, A bela vizinha e outros contos, sete poemas do livro Purobi, que Tagore lhe dedicara a Victoria Ocampo, e O carteiro do rei. No mesmo ano de 1962, publicou-se com a sua tradução, a obra Çaturanga (Choturongo) na coleção de prémios Nobel, com uma apresentação da própria Cecília e um depoimento seu sobre a relação de Tagore com o Brasil.

Em abril de 1962, com ajuda de Cecília, a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro organizou uma magna exposição bibliográfica e fotográfica, de que existe catálogo publicado, dedicada a Tagore. Com apoio da comissão brasileira da Unesco, em 1961, escrito por Cecília, publicou-se no Rio de Janeiro em inglês um folheto de 30 páginas, com o título de Rabindranath Tagore and the East-West Unity. No mesmo ano de 1961, a Sahitya Akademi de Nova Deli incluiu no livro R. Tagore-A Centenary Volume, um capítulo escrito por Cecília sob o título de “Tagore and Brazil”.


ADMIRADORA DE ROBINDRONATH

O amor e apreço que Cecília Meireles teve a Robindronath Tagore levou-a, não só a traduzir várias das suas obras, como também a dedicar-lhe seis formosos poemas e numerosos artigos e crónicas. Para compreender melhor este apreço por Tagore, prefiro que, com as suas próprias palavras escritas, fale a mesma Cecília. A seguir exponho estas palavras de forma sintética, assinalando que seria muito importante editar uma monografia sobre Tagore e Cecília Meireles, em que fossem incluídos os textos completos da poetisa relacionados com Tagore, tanto os poéticos como os escritos em prosa.

a) Nos Poemas: Num artigo como este só posso incluir fragmentos dos mesmos. No titulado “O Diviníssimo Poeta” escreve Cecília: “Rabindranath! Rabindranath! Rabindranath! / Por que deixas a luz mística do teu Oriente, / que é o corpo de ouro dos ídolos de lá / onde os ídolos são a luz do sol de toda a gente! (…). Sofro porque eras o Todo-Longe, o Todo-Altura, / o Criador, que ninguém sabe como será.../ É muito, é enormemente doloroso ser criatura.../ Rabindranath! Rabindranath! Rabindranath!”. Este poema foi escrito em 1923, e saindo à luz esse mesmo ano na revista Para Todos nº 262 de Rio de Janeiro, publicado em tradução para o inglês por K. Kripalani no nº de fevereiro de 1949 do The Visva-Bharati Quarterly (Santiniketon), revista criada por Tagore em 1923.

Do livro Poemas escritos na Índia é o formoso poema “Cançãonzinha para Tagore”, escrito em 1953 e publicado pela primeira vez em 1961. Este poema seu tão lindo o reproduzimos em anexo ao final do presente artigo.

b) Na “Apresentação” da obra Çaturanga (Choturongo), editada em 1962 pela editora Delta do Rio de Janeiro, e reeditada em 1973 pela editora Opera Mundi da mesma cidade, dentro da Biblioteca de Prémios Nobel, em tradução da própria Cecília, da edição francesa À quatre voix (inglês Broken Ties), é muito lindo e acertado onde Cecília escreve: “A verdade, porém, é que Tagore foi um grande defensor das mulheres, e sem que elas mesmas, em geral, o saibam: pois essa defesa se apresenta mais claramente em sua obra de romancista e o Poeta, entre nós, é menos conhecido sob esse aspecto, sendo, realmente, este, o seu primeiro romance traduzido no Brasil. Em verso, Tagore canta freqüentemente a Mulher; mas, em prosa, explica-a, ilumina seus sentimentos e pensamentos, torna-a compreensível em suas delicadezas e obscuridades, glorifica-a entusiástica e ternamente; e, a essa generosa e penetrante luz, seus defeitos e culpas se diluem e apagam. É a maneira tagoreana de encarnar o espírito da Índia, com sua adoração pela Forma Feminina da criação universal”.

c) Em “Tagore e o Brasil” (1961) escreve: “Recordamos ainda, no que nos toca, outra experiência importante relacionada com Tagore como educador, pelo fato de termos exercido sempre, paralelamente, atividades literárias e educacionais. Em 1930, quando se operava no Brasil importante modificação nos conceitos pedagógicos, aparecia também em “Feuilles de l´Inde”, um brilhante trabalho de Tagore sobre “Uma Universidade Oriental”. Tudo quanto ele então aí dizia sobre métodos educacionais, erros na formação dos estudantes, organização do ensino, orientação dos professores, importância da arte e do folclore na educação, etc., representava exatamente aquilo a que aspirávamos. E essas distantes palavras viviam em nós como se fossem as únicas que pudéssemos proferir sobre o assunto. No nosso caso particular, a construção de um mundo em que Oriente e Ocidente se conhecessem e amassem tinha sido sempre uma idéia fundamental. E até hoje pensamos em Shantiniketan como um exemplo”.

d) Em “Rabindranath, pequeno estudante”, publicado no livro antológico de crónicas O que se diz e o que se entende (1ª edição de 1980), baseando-se no livro autobiográfico de memórias tagoreanoJibonsmriti, e comentando o famoso conto de Tagore Totakahini (O adestramento do loro / The Parrot´s Training), escreve também: “R. Tagore, homem extraordinário, que se fez educador por amar as crianças, anotou suas amarguras de pequeno colegial. Falou-nos de seu mundo encantado, de sua vida poética ainda incomunicável – em contraste com os métodos e as finalidades do ensino, no seu tempo. Isso foi há um século, e, por incrível que pareça, continua a ser mais ou menos como era, até agora”.

e) Em “O Gurudev”, publicado no mesmo livro antes citado, faz um acertado panegírico de Tagore, explicando o profundo significado deste apelativo e escrevendo: “Poemas, contos, canções, romances, teatro, música, tudo converge para um fim superior, na obra de Tagore. É uma obra altamente educativa, sem nenhuma aparência ou intenção didática. Ele não acreditava, aliás, em métodos de educação que não fossem inspirados em grandes sentimentos.(...) Queria educadores capazes de amar seu ofício e seus discípulos, de amar a vida em sua totalidade. E, sem desconhecer os sofrimentos deste mundo, gostava de mostrar caminhos de alegria, esses caminhos por onde os corações felizes e agradecidos vão sem medo ao encontro de seu Amor. Caminhos do fim do mundo, onde todos se reconhecerão”.

f) Em “Canções de Tagore” do mesmo livro anterior, depoimento publicado em 1963, Cecília escreve:“Eu tinha traduzido as minhas simples canções (…). As suas eram de Tagore. Falavam do amor humano e divino, e guardavam sempre nas palavras aquela dignidade religiosa que caracteriza a obra do poeta. Ele escreveu a letra e a música de tantas canções, que parece impossível a riqueza criadora do seu espírito. E essas canções circulam pela Índia toda, de tal maneira o poeta estava identificado com a sua terra. Talvez muita gente nem saiba de quem é a canção que está cantando, aqui e ali, na imensidão da Índia. Mas todos encontram nas suas palavras a expressão da sua vida”.

g) No depoimento “O aniversário de Gandhi” (1961), Cecília Meireles compara Gandhi com Tagore, e num treito do mesmo diz: “Para R. Tagore, Deus é uma expressão de amor, é uma intuição poética, é um encontro póstumo, transcendente e definitivo; para o Mahatma, Deus é a Verdade, a Verdade é Deus, como num postulado científico”.

h) Na crónica publicada no jornal Folha da Manhã de São Paulo em 1 de abril de 1950, com o título de“As flores de Champaca e a irmã Parul”, Cecília lembra, fazendo um paralelismo entre ambos, o famoso e lindo poema de Sissu (A lua crescente ou nova) e uma cena de O carteiro do rei (Dakghor/The Post Office), e escreve: “Mandaram procurar a pobre rainha, por todos os lados. Afinal chegou, tão maltratada que nem parecia quem fora. Mas, assim que levantou os braços, as flores vieram como pássaros, pousaram em redor de sua cabeça. E da corola de cada Champaca saiu um príncipe; e da corola de Parul uma princesinha. Todas cantaram e dançaram, e foram felizes até o fim”.

i) Na crónica escrita durante a sua visita a Kolkata em 1953 e publicada em 1959, intitulada“Transparência de Calcutá”, fala muito e bem do formoso idioma bengali chamado Bangla e dos seus grandes cultivadores R. Tagore e Sorot Chondro Chatterji. Esta crónica é muito linda e inspirada, e num dos seus treitos Cecília escreve: “Pois, se algum dia me tivesse ocorrido chegar a este país, a primeira coisa a que me conduziriam os meus desejos seria, naturalmente, a Universidade de Shantiniketan. Ela era – e continua a ser – como um símbolo, no meu coração. Fundada por um poeta – e um poeta que se chamou Tagore! – no princípio deste século, – que havia de ser tão atordoante, – e sonhando realizar o “sítio da paz” que o seu nome exprime, por meio de uma educação integral, intelectual, moral, artística, ao mesmo tempo ligada ao glorioso passado da Índia, à humildade contemporânea e a um futuro que se poderia sonhar fraternal,- tudo, nessa instituição, me chamava: origem, métodos, objetivos. (Embora com resultados constantemente melancólicos, a minha vocação profunda foi sempre uma: educar). No entanto, aqui, a umas noventa milhas dessa universidade, por obediência a um plano de viagem que é preciso cumprir, não a poderei ver: continuarei a guardá-la na imaginação, com suas árvores, seu ensino ao ar livre, sua preocupação de dar aos estudantes uma correta formação interior, e meios de exprimi-la. Shantiniketan continuará a ser um lugar lírico, com música, dança, poesia, festas populares, tecelagem, pintura,- ciência, filosofia, num ambiente bucólico, com as aldeias em redor, as cestas de frutas, os jarros de leite,- a vida antiga enriquecendo a atual, e a vida atual enriquecendo a antiga... Não verei Shantiniketan. Assim é o nosso destino: recebemos o que jamais esperamos; não conseguimos o que às vezes pretendemos”. Infelizmente, estando tão perto, Cecília não viajou à Morada da Paz tagoreana, mas estas suas palavras tão formosas, tão acertadas e tão profundas, revelam o grande conhecimento que tinha da obra de Tagore e do seu pensamento educativo, que, mesmo se tivesse ido a Santiniketon, não poderia escrever daquele lugar com tanta exatidão sobre a sua beleza e a sua paz.

j) Cecília escreveu outras crónicas em que aparece resenhada a obra e figura de Tagore e várias estão dedicadas à formosa cidade de Calcutá (Kolkata), na qual nasceu Robindronath, escritas em 1953 e publicadas em 1959. É o caso de “Vistas de Calcutá”, “Amanhece em Calcutá” e “Um dia em Calcutá”. Nesta última, publicada no Diário de Notícias do Rio de Janeiro, em 31 de outubro de 1954, escreve: “R. Tagore sobrevive e alegra mais este ambiente intelectual com a primavera dos seus desenhos. Como o sentimos eterno – no que pintou, no que escreveu, no que compôs em todos os caminhos da arte! Como o sentimos vivo, ao nosso lado, e entendemos o seu sonho de tornar inteligíveis, um ao outro, o Oriente e o Ocidente! E com que sinceridade lho agradecemos! E com que carinho! Voltamos felizes, como se o tivéssemos visto. A Beleza é uma felicidade imortal”. Escrita também na capital indiana de Bengala a crónica “Do Ganges a Tagore”, publicada também no Diário de Notícias do Rio de Janeiro, em 19 de setembro de 1954, tem um treito em que Cecília escreve: “Giram, diante de meus olhos, Calcutá, com suas múltiplas aparências, e Tagore, com seus múltiplos dons. E tudo ressoa como um caramujo aplicado ao ouvido, desde o primeiro instante, neste remoto lugar”.

Finalmente, não quero deixar de citar que, no depoimento “O tempo e os relógios”, publicado no livro antes citado O que se diz e o que se entende, Cecília, que passara para o português O carteiro do reide Tagore em 1949, lembra aquela cena em que o protagonista Omol fala do toque do gongo, para anunciar as horas do dia. E nos seus poemas “A pastora das nuvens” e “Sol”, revelam-se as influências do pensamento indiano de Tagore, podendo ser Cecília a pastora e Tagore o sol, que é o que significa o nome de Robi.

Depois de ler a antologia de textos anteriores arredor de Robindronath Tagore, não podem ficar dúvidas já de que Cecília Meireles – que começou a ler Tagore lá pelo ano 1920, e já não o deixou de ler mais – é uma tagoreana profunda, uma das mais importantes do mundo. Pelo seu alto significado, quero fechar esta parte com aquele texto de Cecília que diz: “Nestes últimos anos, a vida se tornou de tal modo trepidante no Brasil – como no resto do mundo – que não é fácil encontrar-se quem fale de Tagore, tal foi a invasão de autores, idéias e sobretudo inquietações de toda espécie. A poesia tagoreana conduz a uma visão de santidade, de serenidade, na contemplação geral – visão que as gerações atuais mal podem compreender. No entanto, talvez toda esta trepidação seja momentânea e superficial. Não será impossível um renascimento de Tagore, quando esta onda turbulenta e caótica se acalmar, quando os jovens acreditarem na supremacia do Espírito sobre todas as coisas e a sabedoria do Oriente não for ignorada no Ocidente tão técnico”. Assombra comprovar a profunda atualidade destas palavras da Cecília, no momento atual a nível mundial. Embora tenham sido escritas há várias décadas.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA:

MEIRELES, C. (et al.): Tagore. Assoc. Brasileira Congresso Liberdade da Cultura, 1961 (folheto de 23 páginas).

MEIRELES, Cecília (Ed.): Homenagem a Rabindranath Tagore. Poeta, dramaturgo, ator, musicista, novelista, pintor, educador. Rio de Janeiro: Embaixada da Índia, 1961.

MEIRELES, Cecília: O que se diz e o que se entende (Crônicas). Rio de Janeiro: Nova Fronteira Editora, 2002 (5 crônicas sobre Tagore)

ID.: Crônicas de viagem (2). (Obra em prosa). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

ID.: Crônicas de viagem (3). (Obra em prosa). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

ID.: Obra em prosa. Vol. I: Crônicas em geral. Tomo 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

ID.: “Necessidade de poesia”. Rio de Janeiro: Leitura nº 25, janeiro 1945 (Tagore e A. Renault)

ID.: “Abgar Renault e Rabindranath Tagore”. Belo Horizonte: Panorama, Arte e Literatura nº 5, 1948, p. 13.

ID.: “Tagore and Brazil” in R. Tagore- A Centenary Volume. N. Delhi: Sahitya Akademi, 1961, Pp. 334-337.

ID.: R.Tagore and East West Unity. Rio de Janeiro: Brazilian National Commission for Unesco, 1961.

ID.: “Homenagem a Rabindranath Tagore”. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, 7-05-1961.

ID.: “Um retrato de Rabindranath Tagore”. Rio de Janeiro: Cadernos Brasileiros nº 2, abril-junho de 1961.

ID.: “Tagore e o Brasil” no livro de Tagore A noite de núpcias. Brasília: Coordenada, 1968.

ID.: “Apresentação” no livro de Tagore Çaturanga. Rio de Janeiro: Delta Editora, 1962.

ID.: “Abgar Renault e R. Tagore”. Belo Horizonte: Diário de Minas Gerais- Suplemento Literário, 20-07-1968.

CANÇÃOZINHA PARA TAGORE

Por Cecília MEIRELES (Poema escrito em 1953 e publicado em 1961)

Àquele lado do tempo
onde abre a rosa da aurora,
chegaremos de mãos dadas,
cantando canções de roda
com palavras encantadas.

Para além de hoje e de outrora,
veremos os Reis ocultos
senhores da vida toda,
em cuja etérea Cidade
fomos lágrima e saudade
por seus nomes e seus vultos.

Àquele lado do tempo
onde abre a rosa da aurora
e onde mais do que a ventura
a dor é perfeita e pura,
chegaremos de mãos dadas.

Chegaremos de mãos dadas,
Tagore, ao divino mundo
em que o amor eterno mora
e onde a alma é o sonho profundo
da rosa dentro da aurora.

Chegaremos de mãos dadas
cantando canções de roda.
E então nossa vida toda
será das coisas amadas.

* José Paz Rodrigues é didata e pedagogo Tagoreano.

Santiniketon («Morada da Paz»)-Bengala-Índia, a 30 de Outubro de 2012

Extraído do sítio Portal Galego da Língua

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