12 de dezembro de 2012

AS CATEDRAIS DO COMUNISTA - Marcelo Auler


Ao longo dos seus 104 anos, 70 deles voltados à arquitetura, Oscar Niemeyer destacou-se como um dos mais reconhecidos e respeitados profissionais da área, transformando-se em uma verdadeira grife. Afinal, sempre defendeu que a arquitetura deve ser bonita e diferente, com sentido de uma obra de arte, de tal forma que seu resultado espante e surpreenda.


É o que ocorre com as centenas de projetos que desenhou, não importa a utilização a que se destinaram: de palácios de governo às sedes de instituições como a ONU ou de partidos políticos, passando por teatros, praças, museus, universidades e escolas.


Paralelamente à dedicação ao desenho, Niemeyer manteve uma impressionante coerência na defesa da bandeira política que empunhou desde os seus 40 anos de vida: o comunismo, como consta na reportagem "Niemeyer, um disciplinado comunista".


O curioso é que, apesar de ter encampado uma ideologia que tem no materialismo um dos seus pilares, Niemeyer, graças às práticas que vivenciou na sua família – na casa da avó, aos domingos, havia missa – sempre encarou os religiosos como “pessoas do bem”.


No recente livro “As Igrejas de Oscar Niemeyer" (Editora Nosso Caminho, agosto de 2011, do qual reproduzimos fotos e projetos), ele descreve: “A ideia de um Deus todo-poderoso, criador de todas as coisas, havia desaparecido do meu pensamento. Mas a visão de um ser humano tão frágil e desprotegido, diante deste universo fantástico que o cerca, leva-me a acompanhar as conquistas da ciência, empenhada em desvendar os mistérios do cosmo e da nossa própria existência”.


Mas, para ele, ficou a certeza, a partir da convivência com amigos – em sua maioria católicos – de que “se tratava de gente boa e bem intencionada, que manifestava uma atitude generosa diante da pobreza, sem a revolta que em mim passou a dominar”.


Fascínio pelos templos

Tudo isto o levou, no exercício da sua profissão, a considerar um verdadeiro fascínio os desenhos e projetos de templos e igrejas, onde se prega fé, na qual ele não acreditava. Em sete décadas foram cerca de 30 desenhos a pedido de variados credos religiosos ou mesmo de particulares, como as capelas projetadas para amigos.


“Nunca ninguém fez tantas igrejas. Mas eu via a igreja de uma forma simpática, por causa destes meus antecedentes da família, que eram todos religiosos. Depois é um tema de arquitetura importante, fascinante, porque você tem que cuidar, criar o altar, criar a nave, criar problemas de luz, dar uma certa beleza interior. Me agradava muito”, explicou na mesma entrevista em que considerou que "a vida é uma merda".

Oscar Niemeyer assiste a colocação de anjo no teto da Catedral de Brasília em 20 de maio de 1970
No mesmo livro citado ele confessa: “Com que prazer desenhei as colunas da Catedral de Brasília, a subirem em círculo, criando a forma desejada. E lembro os contrastes de luz que adotei”.


Em seguida, concluiu mostrando a diferença de sentimentos diante da obra pronta dele, como autor, e do usuário, como pessoa crente: “Quando projeto uma catedral, reconheço que o prazer que sinto em ver uma obra bem realizada é muito menor do que a importância que lhe dão aqueles que vão frequentá-la, pois é ali que acreditam estarem perto de Deus. Para eles, o ser supremo que, onipotente, tudo criou”.


Recentemente, se espantou com a facilidade com que desenhou uma Igreja para o Caminho Niemeyer em Niterói, como ele próprio confessou em maio de 2011: “Agora fiz uma igreja que eu fiquei espantado. Fiquei pensando em uma igreja pequena que pediram para fazer. Então, pensando, eu imaginei a cruz, depois fiquei pensando que dos braços da cruz, era uma cruz grande, e dos braços da cruz saía a cobertura e a igreja estava pronta. Igreja feita em duas etapas. Estou tentando fazer em Niterói, no caminho Niemeyer. A Igreja me encantou muito, porque eu fiz sem pegar no lápis, pensando na igreja. Tão lógica a ideia: você faz a cruz, grande, a entrada, dos braços da cruz sai a cobertura. Tá feita a igreja”.


Ele também construiu capelas atendendo a pedidos de amigos. Em 1970, foi a capela Santa Julia, em Luziânia (GO), no sitio de Juscelino Kubistschek. A capela de Santa Cecília foi erguida em 1989, no sítio de José Aparecido de Oliveira, em Miguel Pereira (RJ). Para o ex-governador Orestes Quércia, ele projetou uma capela residencial em Pedregulho (SP), em 1990. Já Roberto Irineu Marinho encomendou a capela Santa Clara, em sua fazenda, em poços de Calda (MG), em 2008.


Em todas, bem ao seu estilo, misturou formas curvilíneas com espaços livres. Algumas jamais saíram do papel, como a Mesquita de Argel. Os templos erguidos, porém, surpreenderam. A começar pelo primeiro deles, coincidentemente, o menor: a igreja de São Francisco de Assis, mais conhecida como Igreja da Pampulha.


Encomendada por Juscelino Kubistschek, então prefeito de Belo Horizonte (MG), para substituir outro projeto que não lhe agradou, foi inaugurada em 1943. O sucesso dela está nas suas linhas curvas que fugiram aos tradicionais padrões da época. Niemeyer fez novos experimentos em concreto armado, abandonando a laje sob pilotis e criando uma abóbada parabólica em concreto.


Não bastasse isto, Niemeyer recorreu ao pintor Cândido Portinari, autor das pinturas no painel central desenhado atrás do altar, dos quadros da Via Sacra ali exposta e dos azulejos que revestem as paredes do púlpito, duas bancadas laterais e as paredes do confessionário, dando à igreja um sentido de obra de arte.


Na explicação do próprio Niemeyer, o resultado final alcançado na igreja foi de todos os seus projetos, o que mais se aproximou da ideia colocada no papel. 


Nem por isto, contudo, ele deixou de ter problemas. A igreja, a principio, foi rejeitada pelo arcebispo de Belo Horizonte, dom Antônio dos Santos Cabral. Realmente, custou a ser aceita pelo então bispo de Belo Horizonte. 


Na verdade, a Cúria nutria ciúmes por não ter participado da discussão do projeto da igreja de São Francisco. Alegou-se que a construção desrespeitou o Código do Direito Canônico. No entanto, segundo comentários da época, o que de fato escandalizou as autoridades eclesiásticas foram as pinturas de Portinari. Em consequência, a igreja demorou 13 anos para ser consagrada e aceita pela diocese de Belo Horizonte.


Curiosamente, mais de 50 anos depois, a cúria de Belo Horizonte foi pedir a Niemeyer o projeto de sua nova catedral, possivelmente o último por ele desenhado, até hoje ainda não executado. Entre a Igreja da Pampulha e a nova catedral de Belo Horizonte, foram trinta diferentes projetos, cada qual com a sua história.



O maior número de encomendas foi de templos católicos, mas além da Mesquita de Argel, ele também desenhou uma Catedral Batista, em Niterói, que não saiu do papel. Na mesma cidade, também no Caminho de Niterói, foi feito o projeto de uma igreja católica, também não erguida.



Maioria está em Brasília

Em Brasília concentra-se o maior número de templos desenhados e construídos. Ali, a primeira a ser erguida foi a pequena Igreja Nossa Senhora de Fátima, entre as Superquadras 307 e 308 Sul. Ela está debaixo de uma “leve laje triangular invertida de concreto, apoiada em três pilotis que a sustentam no ar. Sua parede com “furos” fechados por vidros coloridos lhes dá uma penumbra interna. Tinha em seu interior afrescos de Alfredo Volpi, que foram destruídos, mas ainda mantêm na parede exterior os azulejos pintados por Athos Bulcão, representando o Espírito Santo e a Estrela da Natividade.


Depois vieram a Catedral Metropolitana – um dos seus mais famosos projetos – a Igreja Dom Bosco e a capela do Palácio Alvorada. Ainda nos anos de chumbo da ditadura militar que o perseguiu e o fez exilar-se em Paris, foi construída a Capela do Palácio do Jaburu, sede da vice-presidência da República (1973). Em 1988, ele entregou a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Antioquina São Jorge de Brasília, localizada no Lago Sul.


Já no período da redemocratização do país, foram os militares que chamaram Niemeyer para desenhar a Catedral Santa Maria dos Militares Rainha da Paz, inaugurada em 1994, junto ao Setor Militar Urbano. No mesmo ano foi inaugurada a Capela da Câmara dos Deputados.

Capela na Favela

Entre as mais de 30 igrejas e capelas projetadas por Oscar Niemeyer há duas, no Rio de Janeiro, que embora sejam obras abertas ao público, são praticamente desconhecidas pela grande maioria dos cariocas. Uma delas incrustada na Favela de Manguinhos, a Igreja de São Daniel, inaugurada pelo presidente Juscelino Kubitschek, em 1960. Ela tinha uma Via Sacra pintada por Guignard e uma estátua do santo moldada por ninguém menos do que Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.


Embora tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC), por localizar-se dentro de uma favela ela jamais mereceu os cuidados devidos e estava em precárias condições, assim como acontece com construções do Caminho de Niemeyer, em Niterói, como o Jornal do Brasil mostrou na reportagem Crack e fezes, obstáculos do Caminho de Niemeyer. Na capela São Daniel, as obras de artes foram retiradas de seu interior por questões de segurança.


Outra capela pouquíssimo conhecida é a Capela São José, projetada em 2008, gratuitamente, para a Fundação Ação Social Frei Gaspar, na Vargem Grande, zona Oeste do Rio de Janeiro. Costa que ele utilizou neste projeto a ideia que havia desenvolvido antes para uma igreja na Ilha da Gigoia, que acabou não se realizando.

Projetos realizados:

– Igreja da Pampulha (BH) – Projeto de 1944, construção de 1945;

- Capela do Palácio Alvorada (DF) - Projeto de 1956, construção de 1958;

- Igreja Nossa Senhora de Fátima (DF) – SQS 307/308 – projeto de 1957. construção 1958; Foi o primeiro templo de alvenaria erguido em Brasília. Antes dele existiu uma Capela no Catetinho, feita em madeira, que também pode ser citada e mostrada por fotos

– Catedral Metropolitana de Brasília (DF) – Projeto de 1959, construção 1960 e inauguração 1970;

- Igreja de São Daniel Profeta – Bonsucesso (RJ) - Projeto de 1959, inauguração 1960;

- Capela Santa Júlia (Luziania – GO) – projeto de 1970; 

- Capela do Palácio Jaburu (DF) – Setor Palácio Presidencial; datas do projeto e do início da obra não especificadas, provavelmente em 1973, quando da construção do Palácio; 

– Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Antioquina de Brasília – (DF) - QI 09 Lago Sul, projeto de 1986, início da obra 1988;

- Capela Santa Cecília (Miguel Pereira – RJ) – projeto de 1989, Fazenda de José Aparecido de Oliveira;

- Capela da Residência de Orestes Quércia (Pedregulho - SP) - projeto de 1990;

– Catedral Santa Maria dos Militares Rainha da Paz (DF) – Canteiro Central do Eixo Monumental, próximo ao Setor Militar Urbano – projeto 1992 , inauguração 1994;

- Capela do Anexo IV da Câmara dos Deputados (DF) – Anexo IV da Câmara – projeto de agosto de 1994 início da obra 1994;

- Capela Dom Bosco (DF) – parque da Ermida Dom Bosco, QI 29, Lago Sul – projeto de abril de 2004 inauguração março de 2006;

- Capela São José (Fundação Frei Gaspar, Vargem Grande, Rio de Janeiro) na qual ele teria utilizado um projeto feito em 1991 para a Ilha da Gigóia, adaptado em 2008;

- Capela de Santa Clara (Poços de Caldas - MG ) Fazenda de Roberto Irineu Marinho – projeto de 2008;



 Altares desenhados:

- Altar do Congresso Eucarístico Nacional – (DF) projeto de 1967

- Altar para a Missa do Papa João Paulo II – (Brasília - DF) projeto de 1991

Projetos não executados:

- Igreja no Instituto de Teologia da UNB - (projetada em 1961)

- Centro Espiritual dos Dominicanos - Sainte, Bouches du Rhône, França (projetado em 1967);

- Mesquita de Argel (projetada em 1968);

– Igreja em Petrópolis (projetada em 1986);

- Igreja Católica de Niterói (projetada em 1997) – Caminho Niemeyer;

- Catedral Batista de Niterói (projetada em de 1997) – Caminho Niemeyer;

- Capela do memorial Roberto Silveira (projetada em 1997) – Caminho Niemeyer;

- Capela Ecumênica Darcy Ribeiro – Montes Claros (MG) – (projetada em 2001);

- Catedral Cristo Rei (Belo Horizonte – MG) projetada em 2006;

Extraído do sítio Jornal do Brasil

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