22 de janeiro de 2013

LITERATURA EMERGENTE - Denise Turco

O mercado editorial começa a escrever uma nova história rumo à internacionalização do livro brasileiro.

Pavilhão brasileiro em Frankfurt: novos mercados

Antes mesmo de ser lançado no Brasil pela Companhia das Letras, em meados de novembro, Barba Ensopada de Sangue, o quarto romance do escritor Daniel Galera, um paulista de 33 anos que vive em Porto Alegre, teve os direitos de publicação vendidos para editoras dos Estados Unidos, Alemanha, Itália, Espanha, França e Inglaterra. Galra desperta o interesse das editoras estrangeiras enquanto ainda está construindo uma trajetória literária, o que o diferencia de outros autores brasileiros – como Jorge Amado e, mais recentemente, Paulo Coelho –, que eram muito populares no Brasil antes de conquistar o público internacional (em Barba Ensopada de Sangue, o escritor conta a história de um professor que se refugia na Praia de Garopaba (SC) e investiga as circunstâncias da morte de seu avô, no mesmo local, décadas antes).

Como Galera, o gaúcho Michel Laub também ganhará leitores estrangeiros. Seu livro mais recente, Diário da Queda, teve os direitos vendidos para nove países.

Laub, de 39 anos, autor de cinco romances igualmente publicados pela Companhia das Letras, foi um dos nove escritores brasileiros que participaram, em outubro, da Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, o maior evento mundial da indústria do livro – além dele, estiveram ali Milton Hatoum, Luiz Ruffato, Marina Colasanti e João Paulo Cuenca. A forte presença dos escritores brasileiros foi o prenúncio de uma invasão no ano que vem: em 2013, o Brasil será o convidado de honra da Feira, outro sinal do crescente interesse internacional pela produção editorial nacional.

Na edição deste ano do evento – a principal porta de entrada para o mercado internacional –, as grandes casas brasileiras montaram estandes próprios, enquanto 33 editoras pequenas e médias partilharam um espaço coletivo reservado ao projeto Brazilian Publishers, que dá apoio à internacionalização do livro nacional e é tocado em conjunto pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) em a Câmara Brasileira do Livro (CBL) (leia mais na na pág. 42). Entre si, essas pequenas e médias editoras, que sozinhas não teriam recursos para bancar a participação na Feira, realizaram mais de 900 reuniões de negócios e venderam 35 mil dólares e direitos autorais (as editoras maiores não revelam números). “Os negócios apenas começam na Feira, depois vão se concretizando gradativamente”, afirma a presidente da CBL, Karine Pansa. “Esperamos negociar mais 135 mil dólares em direitos autorais nos próximos 12 meses.”

Os números ainda são modestos, mas apontam para uma mudança promissora: as editoras brasileiras não vão mais à Feira apenas para comprar livros estrangeiros, mas também para expor seus próprios autores no mercado global. Os países que mostraram maior interesse pela produção editorial brasileira em Frankfurt foram a Alemanha e o Reino Unido, seguidos de França, Estados Unidos e Itália. A literatura contemporânea é o gênero que mais atrai os editores estrangeiros, em busca de nomes novos para oferecer aos leitores nas próximas décadas. “Depois de um limbo demorado, entre os anos 1970 e 1990, em que a prosa brasileira quase desaparecendo mapa, uma nova geração de escritores vem despontando com muita força”, comenta outro dos convidados deste ano, o catarinense radicado no Paraná Cristovão Tezza, cujo romance O Filho Eterno — publicado pela Record e premiadíssimo em seu lançamento brasileiro, há cinco anos — já foi vendido para Itália, Portugal, Austrália, Holanda, México, Croácia, Dinamarca, Ucrânia, Estados Unidos e China.

Durante o evento, a Fundação Biblioteca Nacional (FBN), ligada ao Ministério da Cultura, lançou o primeiro número da revista Machado de Assis – Literatura Brasileira em Tradução. A publicação, em parceria com o Instituto Itaú Cultural, pretende ser uma espécie de amostra grátis da produção nacional para agentes e editores que atuam no mercado internacional: ela apresenta capítulos e trechos de obras traduzidas para o inglês e o espanhol. A1 revista é trimestral, na versão on-line, e tem duas edições impressas por ano. A primeira edição trouxe textos de autores brasileiros clássicos e contemporâneos. O segundo número será dedicado a textos de ficção e poesia; e o terceiro, à literatura infanto-juvenil.

Não são apenas os escritores de ficção que têm movimentado o mercado lá fora. A Editora SBS/ HUB Editorial, de São Paulo, vendeu, nos últimos anos, 135 mil cópias do seu livro para ensino do português Bem-Vindo!, pegando carona no aumento do número de estrangeiros interessados em aprender o idioma.

Previsivelmente, esse novo interesse pela produção literária brasileira tampouco passou despercebido pelos investidores estrangeiros. No fim de 2011, o grupo britânico Penguin adquiriu 45% da Companhia da Letras, o exemplo mais eloquente do interesse de grandes editoras internacionais em marcar presença no mercado brasileiro. O que está por trás de todo esse burburinho? Há razões diversas, respondem editores e organizações do setor. A começar pela constatação de que a importância econômica e política do Brasil cresceu no cenário mundial, o que resultaria num interesse maior pela literatura, pelo idioma e pela produção editorial do país em geral. Mas contariam pontos também a profissionalização das editoras nacionais, as políticas públicas de incentivo ao setor e o aumento da base de leitores — segundo a CBL, em 2011 o número de exemplares vendidos no mercado interno privado (excluindo compras de governo) subiu 9,8%, ao passo que o preço médio do livro caiu 6,1%.

Até há pouco tempo relativamente pequeno e fechado, o mercado nacional ganhou peso e visibilidade. Um estudo da International Publishers Association (IPA) feito em 50 países e apresentado na Feira de Frankfurt situou o Brasil como o nono mercado editorial do mundo, com valor estimado em 2,54 bilhões de euros, atrás apenas de países ricos, com indústria editorial consolidada, e da China, o rolo compressor emergente (veja quadro na pág. 41). Todos esses fatores — mais a percepção da qualidade das obras de ficção, da literatura acadêmica e técnica e dos livros infanto-juvenis produzidos no Brasil — começam a posicionar o país como um produtor e exportador editorial, e não apenas comprador do que vem de fora.

A Companhia das Letras é uma das casas editoriais brasileiras que têm sabido se colocar lá fora. Não é de hoje que a editora paulista aposta em novos escritores para ganhar o mercado internacional. Ela tem no catálogo um dos brasileiros de maior prestígio no mundo, hoje em dia: o amazonense Milton Hatoum, autor de Relato de um Certo Oriente; Dois Irmãos; Cinzas do Norte; e Órfãos do Eldorado. Seus romances, ambientados entre famílias de imigrantes árabes na Amazônia, ganharam o maior prêmio da literatura nacional, o Jabuti, e boas críticas no exterior. Hatoum foi publicado em 14 países e traduzido para 12 línguas; inglês, espanhol, francês, alemão, árabe, catalão, chinês, croata, grego, holandês, romeno e servo-croata (leia mais nestas páginas). Enquanto busca reeditar o êxito do amazonense, a Companhia das Letras informa apenas que vendeu mais do que comprou em Frankfurt — sem abrir números —, confirmando que o mercado internacional está mesmo mais receptivo às obras brasileiras. Outro exemplo marcante é a explosão do interesse internacional em torno da obra de Clarice Lispector, alimentado pela publicação, em 2009, de uma elogiada biografia da escritora pelo crítico e tradutor Americano Benjamin Moser (publicada no Brasil com o título de Clarice, pela editora Cosac&Naify). A revista nova-iorquina Bookforum dedica a capa de sua última edição a Clarice, que teve cinco livros traduzidos recentemente nos Estados Unidos.

A mesma percepção verifica-se nas editoras de obras técnico-científicas, profissionalizantes e universitárias. A Editora Melhoramentos, tradicional casa paulista, por exemplo, fechou acordos nas três áreas em que atua – gastronomia, infanto-juvenil e dicionários. Nesta última, licenciou o conteúdo de seu conhecido Dicionário Michaelis para empresas de tecnologia da Rússia e do Japão, que precisam de bancos de dados em português para integrar em aplicativos e programas de computador. A Cortez Editora, também de São Paulo e há 32 anos no mercado, aproveitou a chance de conhecer potenciais parceiros e sondar o mercado externo para obras de educação, serviço social e literatura infantil, conta o diretor executivo Antonio Erivan Gomes. A meta inicial é fincar bandeira em território estrangeiro com 20 títulos, entre eles A Importância do Ato de Ler, do educador Paulo Freire. A experiência da Cortez no mercado externo é pontual, e a editora apenas começa a se internacionalizar de maneira mais profissional.

O nicho de publicações para o ensino da língua portuguesa para estrangeiros foi tema de uma palestra apresentada em Frankfurt pela diretora livreira da CBL e diretora internacional da Editora SBS/HUB Editorial, Susanna Florissi. Ela nota que o número de interessados em estudar português vem aumentando ano a ano, no rastro do crescimento econômico que atrai para o país uma nova leva de executivos, trabalhadores e estudantes estrangeiros. Aos poucos, diz Susanna, o português de Portugal deixa de ser dominante no ensino para estrangeiros, cedendo espaço à variante brasileira. Foi isso o que levou a SBS, com sede em São Paulo, a criar a HUB Editoral, divisão que produz livros digitais interativos para o ensino do português e materiais preparatórios para os testes do Celpe-Bras, o certificado brasileiro de proficiência para estrangeiros (a editora publica o livro de ensino da língua Bem-Vindo!, já citado como sucesso de vendas internacionais). “O que o Brasil ainda não notou é o valor econômico do idioma”, sustenta Susanna. “Na Inglaterra, por exemplo, há duas enormes editoras – a Oxford e a Cambridge – que produzem material para estudo da língua inglesa, fazem programas de intercâmbio e preparam tradutores para o turismo.”

O esforço de ampliar a presença do livro brasileiro no exterior tem contado com o apoio da Fundação Biblioteca Nacional numa outra trincheira. Neste ano, a FBN anunciou um programa de investimento de 35 milhões de dólares até 2020 para esse fim. O valor será destinado a financiar a tradução de obras brasileiras e divulgar os autores e a literatura nacional por meio de participação em eventos, programas de residência e apoio a viagens, palestras e encontros (leia mais nestas páginas). Em junho deste ano, a FBN criou o Centro Internacional do Livro (CIL), responsável pela gestão desses recursos. Além de intensificar a presença nacional nos eventos internacionais e trabalhar no detalhamento das homenagens que a produção brasileira receberá em 2013 em Frankfurt e no ano seguinte na Itália — por ocasião da Feira do Livro Infantil de Bolonha, a mais importante do mundo no segmento —, o CIL articula novos destaques em eventos na França (2015), Grã-Bretanha (2016) e Nova York (2017).

A programação de 2013, quando o Brasil será o convidado de honra da Feira do Livro de Frankfurt, está em desenvolvimento. Segundo o presidente da Biblioteca Nacional, Galeno Amorim, a proposta é mostrar a diversidade da literatura e da cultura brasileiras sem recair nos clichês do futebol e do Carnaval. A cenógrafa Daniela Thomas, responsável, entre outros trabalhos, pela produção artística do Brasil na cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Londres, na passagem do bastão para o Rio de Janeiro, será a responsável pelo visual do pavilhão brasileiro. Além de exposições e debates com autores na própria feira, prevê-se uma programação paralela sobre o Brasil nos principais museus e espaços culturais de Frankfurt e em outras cidades alemãs.

O que antes era um rascunho da internacionalização, com iniciativas pontuais, começa, portanto, a se desenvolver e a ganhar uma narrativa consistente. “Estamos no começo de uma aceleração do mercado editorial em âmbito internacional”, observa o superintendente da Editora Melhoramentos, Breno Lerner, um pioneiro que há 40 anos participa de eventos editoriais na Alemanha.

O esforço das empresas, desta vez, é no sentido de não repetir as falhas cometidas no passado.

Em 1994, por exemplo, o Brasil foi homenageado na mesma feira de Frankfurt e ganhou uma divulgação expressiva que ajudou as empresas a fechar novos negócios. O problema é que não houve continuidade. Naquele momento, as editoras estavam mais voltadas para a compra de títulos estrangeiros do que para a venda dos direitos de publicação de autores de seu próprio catálogo. Agora é a hora de dar uma reviravolta nesse enredo.

Extraído do sítio Revista Pib

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