14 de janeiro de 2013

PORTO VERÃO ALEGRE CONSOLIDA-SE COMO ALTA TEMPORADA PARA TEATRO DA CAPITAL - Gilmar Eitelwein

Comédias de longa trajetória nos palcos, como “Se Meu Ponto G Falasse”, estarão presentes no festival | Foto: Myra Gonçalves/Divulgação

Começou na quarta-feira (9) e segue até 17 de fevereiro a 14ª edição do Porto Verão Alegre, evento que consolidou-se como a alta temporada do teatro gaúcho. Desde sua criação, em 1999, encabeçada pelos atores Zé Victor Castiel e Rogério Beretta, tornou-se uma das principais opções para quem fica em Porto Alegre no verão e, principalmente, um ‘filé’ de público para a grande maioria dos profissionais que trabalham com teatro na capital. O evento alavanca bilheterias e garante mercado de trabalho direto para mais de mil profissionais. “Muitos alcançam um público que não conseguem durante o ano. Virou temporada alta em Porto Alegre”, atesta um dos criadores do projeto, o ator Zé Victor Castiel.

No princípio apenas um modo dos profissionais do meio garantirem seu ganha-pão em um período de entressafra no sempre escaldante verão da capital, o Porto Verão Alegre tornou-se a principal agenda cultural do período. A ponto de diretores e atores escolherem seus melhores trabalhos para o festival – cientes, de antemão, da garantia de público.

“Nos primeiros cinco anos, era mais importante para os artistas do que para o público”, lembra Castiel. A grande transformação veio aos poucos. “Ajudamos a mudar aquele ‘status quo’ de que a cidade esvazia no verão. Agora é o público que acorre ao Porto Verão”.

Em 2012 foram vendidos aproximadamente 70 mil ingressos. Um dos motivos desse crescimento é a estabilização dos preços dos ingressos nos últimos cinco anos – em média R$ 15, considerando os descontos previstos. A maioria tem valor de R$ 20 (antecipado) e R$ 25 (na bilheteria dos teatros). A manutenção dos preços foi possível graças ao ingresso de patrocinadores e do uso das leis federal e estadual de incentivo à cultura, nos últimos dois anos.
Ao todo, este ano, serão 63 espetáculos, cada um com uma agenda assegurada de pelo menos três dias. Algumas montagens já consolidadas e de público garantido chegam a alcançar dez apresentações.

Atrações antigas e estreias dividem espaço no Porto Verão Alegre

No início restrito a peças de teatro, hoje o evento reúne espetáculos de longa trajetória em cena, montagens estreadas no ano que passou e – uma das novidades deste ano – quatro shows gratuitos de música. O eixo central da programação, no entanto, continua sendo comédias e temas leves, para entreter a plateia.

“Homens de Perto” é um dos destaques da programação do Porto Verão Alegre | Foto: Claudio Fachel/Divulgação

Entre as atrações mais antigas que podem ser vistas ou revistas este ano, está Homens de Perto I e II (com Zé Victor Castiel, Rogério Beretta e Oscar Simch); o monólogo Pois é, Vizinha (com Deborah Finocchiaro) e a comédia Se Meu Ponto G Falasse (dirigida por Patsy Cecato). Entre os tradicionais humorísticos, estão o musical Guri de Uruguaiana, de Jair Kobe, mais recente sucesso do mercado local e Humor à Primeira Vista, com os personagens de André Damasceno.

A programação também preparou duas estreias para este ano – fato inédito para um evento tradicionalmente ancorado em montagens já testadas em palco. São elas: Entre Nós, comédia romântica de Paulo Guerra sobre texto de João Sanches e Fugindo Para Viver, texto e direção de Luis Carlos Pretto, que aborda os perigos do consumo de álcool pela juventude.

As novidades não param aí. Este ano, o festival também abrirá espaços para montagens mais ‘cabeça’, não tão leves e adequadas ao clima da estação. Entre elas, o público poderá conferir Beckett & Bion – o Gênio Imaginário, texto e direção de Julio Conte que aborda a relação do Presidente da Sociedade Britânica de Psicanálise, Wilfred Bion e um dos principais dramaturgos contemporâneos, Samuel Beckett. Outra dica nesta linha é Frida Kahlo, à Revolução, de Daniel Golin, que encerra temporada neste domingo (13), no Teatro de Arena.

Eventos gratuitos também integram o festival

Eventos paralelos, todos gratuitos, também integram a lista de novidades das últimas edições. Literatura, artes plásticas, cinema e debates podem ser conferidos em espaços alternativos. As Segundas Literárias, por exemplo, agendadas para a Livraria Saraiva do shopping Praia de Belas, vão discutir temas como humor, jornalismo, desenho e música na literatura. Nas artes plásticas, o Museu Iberê Camargo abrigará visitas teatralizadas e lúdicas, além de oficinas de gravura e ‘cianotipia’ durante as Terças Alegres dos meses de janeiro e fevereiro. No cinema, a Sigmund Freud Associação Psicanalítica promove o debate e sarau Música, História & Psicanálise, no dia 20/1, com o documentário Uma Noite em 67.

Na música, a novidade são os shows da série A Discografia do Rock Gaúcho, no bar Opinião, nos dias 4, 5, 6 e 7 de fevereiro. Nas quatro noites, bandas como Cachorro Grande, DeFalla, Tequila Baby e Bidê ou Balde executarão na íntegra seus álbuns mais badalados.

Confira toda a programação no endereço: www.portoveraoalegre.com.br

“Difícil mesmo é falar para o povo”, diz Camilo de Lélis

O Porto Verão Alegre é mesmo um case de sucesso na capital. Iniciou de forma modesta através dos atores Zé Victor Castiel e Rogério Beretta, mais as participações de Flávio Bicca e João França, entre outros que cotizaram tempo e trabalho para vender ingressos diretamente na Lancheria do Parque, no bairro Bom fim. “Iniciou como uma espécie de ‘liquida Porto Alegre’ para um grupo de peças que estavam estreando”, lembra o ator João França. “Assim foram produzidos muitos espetáculos, pensando justamente nesta temporada”. Hoje, a venda de ingressos está informatizada e em vários pontos da capital.

“Queremos que as pessoas comprem os ingressos nas bilheterias e não que ganhem os ingressos, mas não queremos preços aviltantes”, explica Zé Victor Castiel | Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Zé Victor Castiel destaca também a manutenção de ingressos relativamente baratos. “Queremos que as pessoas comprem os ingressos nas bilheterias e não que ganhem os ingressos, mas não queremos preços aviltantes”, afirma Castiel. Ele considera baixos os valores cobrados. “Acho que poderia estar em torno de R$ 30, na média, mas é uma questão de característica do mercado local. A classe teatral de Porto Alegre é desunida, apenas algumas peças de sucesso que investem forte em mídia e divulgação conseguem cobrar preços maiores”, diz, citando Homens de Perto, onde atua, que consegue alcançar um patamar entre R$ 50 a R$ 100.

“Hoje o teatro tá muito vinculado ao mecenato, dependente. Certas montagens sequer pensam no público, apenas em conseguir patrocínio”, critica o diretor Camilo de Lélis. Apesar da reconhecida trajetória, ele participa pela primeira vez do festival com o espetáculo Landell de Moura, o Incrível Padre Inventor. “O artista quer ter casa cheia e o público adquirindo ingresso na bilheteria. Este é o dinheiro mais sagrado para nós, o que a pessoa retira da sua carteira”, declara.

Diretor de O Crime da Rua do Arvoredo, Jacobina e Maria Degolada, de Lélis mergulha em um novo texto do escritor Hércules Grecco para contar a história do padre gaúcho tido como bruxo na época e pioneiro na transmissão da voz humana pelo rádio, na Avenida Paulista, em 1901. Assíduo colecionador de troféus e frequentador de premiações da categoria, ele sempre apostou em espetáculos mais densos, em tragédias, peças herméticas que não se enquadravam no perfil da programação. Mas nunca colocou em dúvida a importância do festival.

“No início houve alguma resistência por parte do pessoal que trabalhava com montagens mais profundas. Consideravam uma coisa menor. Aos poucos, porém, estas barreiras foram sendo rompidas. Eu mesmo desci do pedestal e vi que o difícil mesmo é falar para o povo. Nelson Rodrigues e Plínio Marcos foram dois autores que apontaram esta mudança para mim. Toda vez que fiz uma peça sobre um personagem que o público conhecia, tive sucesso de público”, justifica o diretor que acha o teatro atual “muito torre de marfim”.

Atriz e diretora que há onze anos permanece na programação do evento com Se Meu Ponto G Falasse e dirige três montagens nesta edição – além da consagrada comédia traz Manual Prático da Mulher Moderna e Gozadas – Patsy Cecato destaca o caráter democrático da seleção das peças. “É uma programação ampla, democrática, não discute estética e dá oportunidade para todos”. Para ela, um dos problemas gerados pela ampliação do evento é o aumento da concorrência no setor. “Muitas vezes cria-se uma competição entre os próprios colegas, o que é meio chato, mas acho que o caráter do festival tem de ser esse mesmo”.

“Landell de Moura, o Incrível Padre Inventor” é primeira peça de Camilo de Lélis a participar do evento teatral em Porto Alegre | Foto: Vilmar Carvalho/Divulgação

“Bom teatro sempre terá espaço e público”, diz João França

João França lembra que o caráter inicial do evento sempre foi programar comédias de verão para tentar reverter o fraco desempenho das bilheterias durante o ano. Nem por isso pode-se considerar a comédia arte menor. “É difícil fazer humor”, resume, “e bom teatro sempre terá espaço e público”.

Já Camilo de Lélis considera que não existe fórmula para o sucesso; às vezes, alguém acerta. Ele lembra que o Porto Alegre em Cena mudou bastante a característica anterior do público de Porto Alegre, de ir ao teatro em qualquer período. Agora ele procura se concentrar nas agendas dos dois eventos, em setembro e nos dois meses do verão para comprar pacotes, sair de casa, estacionar e encontrar segurança nas poucas salas disponíveis. “O público quer garantias, só vai no certo, busca histórias simples que tenham emoção. E gosta de ‘movimentos’. Geralmente, peças ‘cabeça’ e sem apelo popular não lotam teatro”, reconhece.

Zé Victor Castiel, coordenador do Porto Verão Alegre, é adepto da tese. “O público local gosta de espetáculo longevos; não que seja desconfiado, mas o cara espera para ver se aquilo vira sucesso, aí ele vai porque não quer ficar por fora”. E dá uma dica pessoal: “Existem muitos espetáculos que não são conhecidos do grande público e são ótimos. Sugiro que deem uma boa olhada na programação, com detalhes no elenco e uma chance para a dúvida. Acho que poderão se surpreender”.

Extraído do sítio Sul21

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