26 de janeiro de 2013

QUANDO MENINAS NUAS SÃO ARTE OU INCENTIVO À PEDOFILIA? - Paulo Nogueira

Os costumes mudam — e os artistas têm que se adaptar aos tempos, não o oposto.


PARIS ESTAVA preocupada, numa de minhas últimas idas à cidade.

Não. A mídia de Paris estava preocupada.

Não. O Liberatión estava preocupado. Melhor assim. O Liberatión estava preocupado com a censura aos franceses.

Também fiquei ligeiramente preocupado ao ver o jornal numa banca perto do hotel em que estava hospedado, o inimitável Magenta. Afinal, cresci nos anos 60 ouvindo que a França é o país onde é proibido proibir.

Mas.

Mas a censura não é bem censura, li depois de comprar o jornal. A exposição em Paris de fotos de Larry Clark, o fotógrafo e cineasta (Kids) que retratou eroticamente a adolescência americana ia ser proibida para menores de 18 anos.

Bastava ver a foto que o Liberatión colocou na manchete de hoje para entender que a prefeitura de Paris agira corretamente ao limitar o acesso a maiores de idade.

A arte tem que se adaptar ao mundo, e não o contrário.

Até alguns anos atrás, fotos e pinturas de adolescentes eram aceitos como arte quando, tecnicamente, mereciam. Balthus, por exemplo, construiu reputação na arte como um pintor genial de meninas nuas. David Hamilton, para citar outro caso, foi o retratista das ninfetas despidas.

Balthus ficou impróprio

Mas hoje esse tipo de coisa provoca repulsa. O que vem à mente é uma palavra horrorosa: pedofilia.

Meses atrás, numa exposição de arte pop na Tate Modern de Londres, uma foto de Brooke Shields nua aos 10 anos foi – aí sim – censurada. Suprimiram da exposição, a despeito da choradeira dos curadores.

Qualquer arte que se apóie em adolescentes erotizados, hoje, é maldita, no pior sentido.

O Liberatión não tinha motivos para espernear.

Os costumes mudaram. Ponto. Exclamação. É aceitar ou aceitar. Um sinal potente disso veio recentemente, quando soubemos que Eva Ionesco, na meia idade, está processando sua mãe, a grande fotógrafa Irina Ionesco.

Irina ganhou notoriedade mundial ao fotografar Eva nua na infância e na adolescência. Fez fama com a nudez infantil da filha. Agora Eva luta, na justiça, por uma indenização e pela posse dos negativos das fotos.

O episódio, mais que tudo, é uma recordação da eterna verdade de que você não deve julgar com os olhos de hoje os episódios do passado no campo da moral e da ética. Os costumes mudam. Irina foi aplaudida mundialmente enquanto não se consolidou na sociedade a ideia de que expor meninas nuas em fotos é moralmente inaceitável, até por incitar pedófilos. Crucificá-la agora é um erro, ou uma hipocrisia.

Isso não impede que sua obra centrada em Eva hoje tenha bem menos valor do que teve. O mesmo acontece com Balthus, e com quem quer que tenha posto garotas nuas sob holofotes em sua arte.

É difícil imaginar um museu de primeira linha, hoje, que decida fazer uma retrospectiva de Balthus. Os colecionadores que tenham obras suas perderam dinheiro com a mudança nos costumes.

Isso se chama mercado — e é algo frio, gelado, nada moralista. Reage racionalmente com base em fatos, sejam eles de que natureza forem.

Extraído do sítio Diário ao Centro do Mundo

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