25 de fevereiro de 2013

A POLÊMICA LITERATURA PARA ADOLESCENTES

Há algumas semanas, a lista dos livros infanto-juvenis mais vendidos nos EUA e na Inglaterra não é encabeçada por histórias com vampiros, princesas, hobbits, detetives ou fadinhas que soltam pó de pirlimpimpim, como vinha acontecendo nas últimas décadas. No topo dos best-sellers do jornal “The New York Times” para o gênero está “A culpa é das estrelas” (lançado no Brasil pela editora Intrínseca), de John Green, em que a protagonista é uma menina com câncer avançado. Em segundo lugar, aparece “As vantagens de ser invisível” (editora Rocco), de Stephen Chbosky, sobre um adolescente depressivo cujo melhor amigo cometeu suicídio e que, dependendo de como forem as coisas na escola, pode ir pelo mesmo caminho. 

Esse tipo de história — voltada para adolescentes, mas trazendo personagens envoltos em doenças graves, depressão, anorexia, tentativas de suicídio e outros problemas realistas que a fantasia costumava ignorar — vem sendo chamado de sick-lit, algo como “literatura enferma” em português. É um termo que traz uma conotação negativa e muitas vezes ignora a qualidade dos livros, mas que tem gerado polêmica e pode indicar uma tendência.

DE CARONA 

A relação de títulos associados ao sick-lit inclui “Antes de morrer” (Agir), de Jenny Downham, uma trama que acaba de ser adaptada para o cinema sobre uma jovem doente que quer aproveitar seu pouco tempo para atividades como perder a virgindade. Inclui, ainda, “Red Tears”, de Joanna Kenrick, sobre uma garota que se automutila, e “Never eighteen”, de Megan Bostic, sobre um adolescente doente que vai atrás das pessoas importantes de sua vida para se despedir, ambos ainda não lançados no Brasil. Os exemplos vão além, com livros como “Extraordinário” (Intrínseca), de R. J. Palacio, sobre um menino que nasceu com uma deformidade facial; e “Como dizer adeus em robô” (Record, previsão de publicação no Brasil para abril), de Natalie Standiford, uma história melancólica que envolve a morte de um adolescente.

“A adolescência é uma fase mais down, em que os jovens sempre se cercaram de temas como esses. Não acredito que faça algum mal específico para o leitor. E não acho que o livro seja a única forma de contato dele com o assunto”, afirma Julia Schwarcz, editora dos selos infantis e juvenis da Companhia das Letras. “Mas acho que existe uma diferenciação. Há livros muito bons, como o do John Green, que trata de sofrimento, mas tem uma história de superação. Só que alguns vieram na esteira, tentando se aproveitar do sucesso dos outros, e abordam a temática de forma mais gratuita. O segmento juvenil cresceu muito nos últimos anos, e vários autores tentam seguir a onda”.

O debate sobre o efeito dessa sick-lit ecoou com mais força no mês passado, quando o jornal britânico “Daily Mail” publicou uma reportagem sobre o que chamou de “fenômeno perturbador”. “Enquanto a série ‘Crepúsculo’ e seus seguidores são claramente fantasia, esses livros de sick-lit não poupam detalhes ásperos sobre a realidade de doenças terminais, depressão e morte”, dizia o texto.

Na sequência da reportagem do “Daily Mail”, a editora de infanto-juvenis do jornal “Guardian”, Michelle Pauli, escreveu um artigo intitulado: “Evidentemente a ficção jovem é muito complexa para o ‘Daily Mail’”.

“Não acredito que um livro paute as escolhas de um leitor. As pessoas já têm as tendências delas, independentemente da história que vão ler. E, além do mais, sick-lit é um termo muito ruim. Parece uma piada”, diz Danielle Machado, editora da Intrínseca.

Essa discussão sobre o efeito dos livros nos leitores tem um rastro na História. No fim do século XVIII, Goethe teve seu primeiro grande sucesso literário com “Os sofrimentos do jovem Werther”, romance epistolar narrado por um artista, num tom melancólico e depressivo. As autoridades da época ficaram preocupadas com o livro, por conta da abordagem sobre suicídio.

Recentemente, outra trama de suicídio gerou debate, desta vez nos EUA, por conta do premiado “Os 13 porquês” (2007, lançado no Brasil pela editora Ática), de Jay Asher. Nele, uma menina deixa fitas cassete para os amigos explicando como cada um deles ajudou em sua decisão de se matar. A polêmica era inevitável. “O que um livro pode fazer é antecipar um sentimento que já está dentro da pessoa. Mas o livro não é a causa de uma depressão”, avalia o psicanalista Luiz Fernando Gallego. “A postura do “Daily Mail” nessa história é higienista. É a coisa de quem busca uma causa única para todos os males e tenta expurgá-la”

Gallego pondera, ainda, se a aceitação dessas tramas tem mais a ver com qualidade do que com estratégias comerciais de autores e editoras. “Uma questão para se debater é se esses livros são boa ou má literatura. A boa literatura pode abordar o tema que for. Mas, quando se faz proselitismo acerca de um assunto, seja nazismo, homofobia ou suicídio de jovens, aí não se está fazendo boa literatura. A culpa não é do tema, e sim do autor que faz uma literatura ruim”, diz. “Minha grande dúvida é se esses livros fazem sucesso porque são bons ou se é do interesse do mercado que eles sejam feitos. Esse público é suscetível a seguir tendências e pode estar sendo levado por uma novidade”.

O que está em jogo, assim, é o rumo de um mercado que, pelo menos nos últimos 15 anos, foi dominado por histórias fantásticas, de “Harry Potter” a “Crepúsculo”. Se essa sick-lit — com esse nome terrível mesmo — pegar, haverá espaço para muitas polêmicas nos próximos anos.

“Eu acredito em bons livros. E os bons livros serão lidos, seja de qual gênero forem”, afirma Eduardo Spohr, sucesso junto ao público infanto-juvenil com obras como “A batalha do Apocalipse” (Verus Editora). “Já sobre a influência de um livro num jovem, eu me lembro que ‘Christiane F.’ não formou uma geração de viciados. Quem leu costuma dizer que aprendeu muito e nunca tocou numa droga”.

Extraído do sítio Diário do Pará

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