26 de fevereiro de 2013

TEM LUGAR PARA A ARTE NA INTERNET? - Maria Amelia Bulhões

Será possível, hoje, pensar a arte, a crítica de arte, os museus, as bienais e o mercado de arte, sem considerar sua presença na internet e os novos laços que ali se instituem?

A internet é um fenômeno mundial de dimensões sociais, econômicas e culturais que ocupa cada vez mais a vida de todos, direta ou indiretamente, independente de uma opção pessoal. Sem ela, muitas atividades se inviabilizam (aeroportos, bancos, supermercados, estações de luz etc.), tudo está na rede, se ela cair, tudo fica imobilizado. A internet aproxima pessoas, dando velocidade às trocas de informação e reduzindo distâncias. Os avanços rápidos e contínuos nessa área da tecnologia, com o desenvolvimento da web 2.0 e das mídias locativas, tem dado novos impulsos às comunicações e à própria noção de produção de conhecimento. A informação está sendo produzida online, não existem barreiras físicas nem distâncias no sentido tradicional, tempo e espaço se alteram. Essas mudanças transformam a maneira de viver e de pensar, os hábitos e os valores. É um fenômeno que vai mais além dos aspectos econômicos, devendo ser abordado do ponto de vista sociológico, antropológico e cultural. Com o uso da internet, desenvolve-se um processo de democratização e partilha da informação, além de uma possibilidade de aproximação, há pouco tempo, até inimaginável. Ali, pode-se fazer amizades e relacionamentos, conhecer locais e ver imagens sem a exigência de visitas físicas.

De 28 de janeiro a 3 de fevereiro, ocorreu em São Paulo a edição nacional do Campus Party, como eles mesmos dizem, “a Garagem do Vale do Silício brasileiro”. Ali se encontraram, durante sete dias, mais de 8 mil interessados na cultura digital do País e do mundo, com grandes conferências, workshops, exposições etc. Uma das palestrantes foi Bia, Granja da plataforma YouPix , um “palco da cultura de internet” e que realizou em 10 e 11 de dezembro de 2012, no Rio de Janeiro, o YouPix Festival. Os dois encontros de tecnologia e cultura tiveram grande sucesso de público. Com tantas atividades acontecendo para reunir internautas e com tanta ênfase na criatividade e na inovação, chama a atenção na programação dos eventos um vazio relativo às artes visuais. Embora fotografia, design, vídeo e música tenham seu espaço, nada mais específico de arte acontece. Será a arte considerada muito elitista pelos organizadores desse tipo de evento mais democrático?

Campus Party 2013

Em todos esses espaços dedicados à comunidade geek, há um consenso generalizado a respeito de uma revolução cultural que se processa silenciosamente na internet, exigindo daqueles que por este caminho se aventuram, criatividade e inovação. Por outro lado, costuma-se dizer no meio artístico que “cultura é a regra e a arte é a exceção”. Assim, defende-se a ideia de que na arte há uma busca de superação e ruptura em relação ao usual, que vai mais além das tendências dominantes. Por que, então, estes dois universos, que parecem cultivar objetivos tão próximos, em alguns momentos se afastam? A internet, ao promover uma “revolução cultural silenciosa”, que agrega cada dia maior número de pessoas, pode prescindir da arte, que também, de forma discreta e silenciosa, se coloca cada dia mais presente no universo virtual.

Desde a segunda metade dos anos 1990, quando a internet começou a ser difundida para um público mais amplo, começaram a aparecer na rede inúmerosexperimentos de web arte. Eles se caracterizam por serem criados especificamente com os recursos da internet e existirem total ou predominantemente on-line, e por serem realizados a partir de programas específicos de composição de páginas na rede world wide web (www), reunindo diferentes recursos multimídias como sons, textos, gráficos, imagens fixas e em movimento e outros. Esses trabalhos, que são super interessantes, estão espalhados em diferentes lugares da rede e encontrá-los, muitas vezes, não é fácil.

Com o objetivo de indexação e difusão, foi criado o blog “Territorialidade/territoriality” , resultante de uma pesquisa sobre o tema. Nele estão catalogados mais de 300 sites, organizados em quatro seções: memória, paisagem, cidade e cartografia. Em cada uma delas, o internauta pode encontrar diversos links de acesso, os nomes dos artistas, as datas e os locais de criação, além de um pequeno resumo do que trata cada trabalho e as imagens de duas de suas páginas. Vale a pena procurar por esses trabalhos, eles são originais e abrem perspectivas inusitadas. Os artistas atuantes neste meio estão conectados com as questões da arte contemporânea, suas obras são criativas, originais e promotoras de interessantes diálogos.


Os especialistas em internet são unânimes em dizer que um dos maiores problemas, hoje, é a indexação. Com tanto conteúdo sendo depositado diariamente na rede, fica difícil administrar o acesso a eles. A maioria dos internautas desconhece muito daquilo de que dispõe online, e as comunidades de interesse cada vez se fazem necessárias mais para colocar foco nos objetos comuns. No caso das artes visuais não é diferente, por isso, com abordagens mais temáticas, outros blogs estão sendo criados. “Videoarte animações”, divulga vídeos e animações produzidos especificamente para a internet, informando igualmente links de acesso, autor(es), datas, locais de produção, uma pequena descrição e imagem. “Net arte molotov” é um blog que aborda projetos de arte na internet com temáticas relativas a questões sociais. Organizado em três núcleos: da web para a rua, da rua para a web e da web para a web, ele traz comentários sobre trabalhos artísticos na rede, entrevistas, bibliografia e outras informações.



Por outro lado, algumas outras iniciativas no campo da arte estão dialogando com a internet. Este é o caso da proposta do “Pinagram I”, apresentado na Pinacoteca de São Paulo. Ali, estão expostas 50 fotos, postadas por internautas no Instagram, através de um projeto realizado em parceria com a agência Remix, que teve como tema o retrato. Internautas de vários lugares contribuíram, de dezembro de 2012 a janeiro de 2013, com cerca de 2 mil imagens identificadas pela hashtag #pinagram1. As fotos foram selecionadas por Diógenes Moura, curador de fotografia da Pinacoteca. A mostra está colocada nas paredes do café, um espaço menos qualificado do museu, não constando ao lado delas ficha com dados do autor, nem um texto explicativo do projeto, ou folheto do museu. Pode-se perceber certo descaso com as imagens que são muito interessantes e mereceriam uma análise mais aprofundada. O projeto em si é bem interessante e inovador, mas parece que as instituições de arte, mesmo se abrindo para a experiência, olham com certo preconceito este tipo de proposta.



No entanto, cada vez mais instituições e artistas que atuam offline buscam ampliar sua repercussão, utilizando a internet para difusão de suas práticas e seus produtos. Objetivam com isso aceder ao público dentro da tela do computador, ampliando seu leque de relações mais além de seu espaço físico-geográfico específico. Cresce e se diversifica continuamente a presença da arte na rede web, deixando perceber que uma nova realidade se instala no seu circuito tradicional. Muitas instituições artísticas divulgam na rede o que se passa no “mundo da arte”, e gente que jamais entrou em um museu ou galeria pode frequentar estes sites de forma regular e participativa, conhecendo o assunto a fundo e num nível especializado. Neste sentido, o blog“ Lugares de arte” está sendo montado para difundir à tribo da arte lugares onde podem encontrar a arte na internet. Ele está organizado por categorias (revistas, galerias, centros de pesquisa e museus) e por países, com os links de acesso a cada local on-line.

Aventurando-se no ciberespaço, ninguém poderá dizer que não existe espaço para a arte. Talvez algumas mudanças sejam necessárias, exigindo, mais abertura de ambos os lados – tribo da arte e comunidade geek – para que se possam criar muitos mais vínculos e oportunidades de articulação. Quais seriam essas mudanças? Será isso interessante?

Extraído do sítio Sul21

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