28 de março de 2013

QUEIMANDO LIVROS - Leonardo Pastor


Livrarias, às vezes, parecem ser aquele tipo de lugar em que o tempo não passa. Fico horas dentro de alguma, procurando novos escritores ou antigos livros nunca vendidos.

Ano passado, quando morava em Paris, entrava em algumas livrarias para me sentir em um filme de Buñuel: impossível de sair, preso a elas. Uma de minhas preferidas era a Gibert Jeune, ao lado da place Saint-Michel. Nela, encontrei um livro chamado Les Combustibles, de Amélie Nothomb.

Era de bolso, barato e com poucas páginas. Não era um romance, mas, se não me engano, uma peça de teatro. No momento em que comprei não sabia, porém logo em seguida descobri que a autora é extremamente polêmica e excêntrica – a encontrei uma vez no “Salon du Livre”, usando um enorme chapéu e uma roupa completamente preta.

Esquisitices à parte, a história do livro é bastanta curiosa. Em plena guerra, refugiam-se em um apartamento o Professor, seu Assistente e uma estudante. Sem muitos mantimentos, eles começam a queimar livros e, assim, poderem sobreviver protegendo-se do frio.

Quais livros jogar ao fogo? Quais guardar até o último segundo? Em desespero, quais sacrificaríamos? Literalmente combustíveis, os livros, nesta história, são o elo entre os personagens, os motivos das conversas e discussões. Vários dos livros jogados, sacrificados, trazem alguma lembrança. Outros nem tanto.

Por outro lado, fazemos cotidianamente esse exercício de selecionar, adquirir e descartar livros. Há aqueles facilmente doados, revendidos, destruídos ou esquecidos; mas, também, os que nos fariam sentir frio, para não serem atirados ao fogo.

Brega? Ok, talvez um pouco. Mas não nos sentimos muitas vezes assim com relação aos nossos livros? Eles carregam não só as histórias contadas pela tinta de suas páginas, mas também as nossas memórias pessoais.

Lembrei deste livro (Les Combustibles) por acaso. Não o tenho mais – e também não o atirei às chamas em busca de mais calor para o eterno verão soteropolitano. Antes de voltar para o Brasil, dei de presente para uma amiga que nunca mais vi. Pelo fato da única personagem feminina ter o seu nome.

Não sei se ela leu, guardou, presenteou uma outra pessoa ou precisou usá-lo como combustível contra o frio. O importante foi tê-lo passado adiante e, mesmo assim, manter as lembranças relacionadas a ele. Paris. Place Saint-Michel. Vinhos. Flânerie. Livros. E, até, encontros com amigos em um imóvel de 18 metros quadrados na Rue du Faubourg Saint-Denis.

Extraído do sítio iBahia

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