30 de março de 2013

SÃO PAULO É UM MUNDO - José Carlos Ruy

Domingos sem Deus, o romance de Luiz Ruffato que encerra a série Inferno Provisório, é um retrato em corpo e alma da classe operária. Foi o vencedor, este ano, do prêmio Casa de Las Americas na categoria Literatura Brasileira.

Luiz Ruffato 

São Paulo é um mundo - foi o comentário de aprovação que Luiz Augusto (o Guto) ouviu do pai, Raul Salgado, quando anunciou, terminado o serviço militar, a decisão de abandonar sua Cataguases natal e tentar novos horizontes na cidade grande.

Por quantos milhões de gutos é formado esse mundo? São inumeráveis, nascidos fora da cidade grande, ou filhos desses que deixaram suas cataguazes pelo Brasil afora indo para São Paulo, Rio de Janeiro e outras magnéticas capitais, para mudar de vida.

Mudaram de vida, nem sempre como sonharam. Mudaram o país também. 


Com seu trabalho, construíram metrôs, prédios de apartamentos, conjuntos habitacionais, fabricaram coisas úteis como comidas, fogões, geladeiras, carros, roupas... Levaram essas coisas úteis de lá para cá, dirigindo caminhões, caminhonetes, trens. Venderam coisas úteis nas lojas, supermercados, ou zanzando por aí como representantes comerciais. 

Ao deixar a roça e as pequenas cidades com perspectivas acanhadas, fortaleceram o contingente da classe operária - que, hoje, no início deste terceiro milênio, muitos apelidam de classe média ou classe C, desde que tenham renda regular num certo volume e carteira assinada. 

Brasileiros que, seduzidos pelo mundo que é São Paulo, incham os jardins miriam ou jussara, as lonjuras de Diadema ou São Miguel Paulista, que zanzam pelo Anhangabaú e pela Praça da Sé, apertam-se nos trens e ônibus. 


Humanizam a cidade que abrasileiraram, lutam por seus sonhos, dão murro em ponta de faca contra as adversidades, e embalam-se com os momentos felizes que viveram. Seu Valdomiro, que “desembrulha recordações perambulando pelas ruas estreitas de Diadema, onde pousou”, garante, no forró do Centro de Recreação do Idoso, no Jardim Inamar, que seu momento de maior felicidade na vida “foi o dia em tirei retrato para a formatura da quarta série” na, agora longínqua, Rodeiro, Minas Gerais.

Os personagens desse mundo que é São Paulo - como as cidades que atraem trabalhadores que, querendo mudar de vida, mudaram o país - povoam os livros de Luiz Ruffato. Seguem rumos que o próprio Ruffato caminhou. Filho do povo -o pai era pipoqueiro e a mãe lavadeira - veio de Cataguazes para São Paulo e foi jornalista de sucesso até 2003 quando se afastou das redações para contar, em tempo integral, as histórias dos waldomiros, cláudias, nilos, gutos, sandras mauras - os fios do bordado lancinante, heroico e esperançoso com os quais compõe a descrição dos trabalhadores - fio narrativo que Ruffato viveu na pele quando foi, antes de se tornar jornalista, ainda em Cataguazes, operário têxtil e balconista de loja. Fios narrativos seguidos, em nosso tempo, por escassos escritores que, avessos ao remoer dramas existencialista de dramas existenciais, dedicam-se a registrar os dramas concretos vividos pelo povo e pelos trabalhadores. São escritores ligados ao proletariado, como Roniwalter Jatobá (“Crônicas da vida operária”, “Sabor de Química” e “Paragens”), Antônio Torres (“Essa Terra”), Murilo Carvalho (“O rastro do jaguar”), Jeosafá Fernandez (“Era Uma Vez No Meu Bairro”), Marco Albertim (“Ingrid tinha alergia à lama do Capibaribe”)...

O time não é grande, mas significativo. Nele, o brilho de Domingos sem Deus (que encerra a série Inferno provisório) é fulgurante; é um retrato de corpo (e alma) da classe operária que, com justiça, foi agraciado, neste 2013, com o prêmio Casa de las Américas de Literatura Brasileira.

Extraído do sítio Portal Vermelho

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