17 de março de 2013

UM MUSEU DE GRANDES NOVIDADES - Rodolpho Motta Lima


O escritor baiano José Ubaldo Ribeiro é uma das grandes expressões da nossa literatura contemporânea. Isso é indiscutível. Posso até não concordar com certos condimentos ideológicos que ele introduz em algumas de suas crônicas atuais, publicadas na grande mídia. Mas ele é um grande escritor, principalmente quando deixa funcionar a sua veia criativa , em estilo realmente inconfundível.

Uma de suas ultimas colunas – a do dia 10 de março - foi dedicada ao telefone (“Seremos todos telefones”). O pretexto encontrado por Ubaldo para uma viagem no tempo, foi o de que, naquele domingo, comemorava-se o “dia do telefone”. A partir daí, o cronista mistura informações de cunho histórico sobre as origens do aparelho com saborosas reminiscências pessoais dos tempos idos em que falar ao telefone – um bem que integrava os inventários de então, tal o seu valor - era uma aventura repleta de gritos e chiados... No final, o escritor estabelece paralelo com a atualidade, seus celulares e tablets, para dar asas à imaginação antevendo o que será do homem de um futuro não tão distante, monitorado por chips e aplicativos que tornarão inexpressivas as previsões contidas no Big Brother (o do livro, não o da tevê, que já nasceu inexpressivo).

Um ou dois dias depois, durante a semana, o controle remoto da televisão me levou a uma reportagem cujo tema era a volta da atração pelo disco de vinil. Uma febre dos dias de hoje. O interessante, nessa reportagem, foi a constatação, aparentemente paradoxal, de que esse retorno ao vinil pode ter tido seu crescimento em função das condições de acesso permitidas pela internet. É a avançada tecnologia do presente estimulando a insólita busca do passado, trazendo de volta os seus ícones. Aqui, lembro versos de Cazuza: “E vejo o futuro repetir o passado / Eu vejo um museu de grandes novidades”...

A verdade – e várias vezes já citei aqui esta frase de Mário de Andrade – é que “ninguém pode se livrar das teorias-avós que bebeu”. E note que ela foi proferida por um dos papas do iconoclasta Movimento Modernista que então se afirmava nas artes brasileiras. É que, sem negar o presente e até para fundamentá-lo, o passado está sempre conosco, seja como elemento de sedução, recapturando as coisas belas que deixamos para trás, seja como aflitiva lembrança que nos convida à não repetição de erros. Um exemplo, entre milhões: enquanto Woody Allen mostrou, poética e delirantemente, uma original busca do passado em seu delicioso “Meia Noite em Paris”, mais recentemente, Tarantino nos revelou , com arte inigualável, em “Django Livre” , posturas do passado a que jamais gostaríamos de retornar.

É preciso ser cuidadoso, por isso, com o saudosismo eleito como dogma. Como é necessário também não desqualificar o que já foi. Quando penso com satisfação nos anos 60, em que minha formação cidadã foi plasmada no glorioso colégio Pedro II, automaticamente me recordo dos anos de chumbo subsequentes, nos quais a nefasta repressão militar impedia que a tal formação se manifestasse na prática. Quando penso na sedução artesanal das máquinas, produtos e propagandas de antigamente – muitas trazidas de volta á minha mente pela internet -, penso também em como era estreito o nosso horizonte cultural de então, como eram indisponíveis informações que hoje obtemos em segundos. Se nos seduzem as antigas fotos das pessoas, coisas e ambientes, com seu inocente e romântico ar retrô, nos indignam igualmente aquelas que põem á nossa disposição os ossos de Auschwitz-Birkenau ou a criança correndo das bombas de napalm. Recordar as delícias dos namoros no portão e nas matinés dos cinemas dos anos 50/60 é bom, é saudável, mas igualmente sadio é lembrar as restrições ao sexo e à liberdade da mulher que aquele mundo provinciano e machista fazia questão de sustentar. É que a lembrança, que não tem prazo de validade para se manifestar, quando vem, pode ser maravilhosa ou aterradora.

Mas o presente também nos apresenta essas duas faces, claro. Da mesma forma que, hoje, saudamos a todo momento a evolução da posição da mulher na sociedade , nenhum de nós pode fechar os olhos , na efervescência desse início de século, a tantos casos que a agridem. Vejam o recente e revoltante edital de concurso na Bahia, que - revogado depois de uma grita geral - estava exigindo a comprovação da virgindade das candidatas do sexo feminino. Então, o sábio é ficar com os romanos (bem lá do passado...) e concluir que “a virtude está no meio” . A ciência, a cultura, a história do homem enfim, tudo se faz por acumulação e o presente é, sempre, o grande resumo das conquistas pregressas do ser humano.

É claro que pode ser assustador, para muitos, o vislumbre do mundo cibernético que nos aguarda, de crescimento exponencial. É bem justificável que esse temor nos leve, vez por outra, ao movimento contrário, de glorificação do passado. Mas não podemos cair na falsa posição do “eu era feliz e não sabia”. Ubaldo (voltando à sua crônica sobre o telefone) confessa utilizar-se dos recursos da internet para pesquisar seus temas, daí resultando contribuições para seus excelentes textos, que, aliás, falam do presente, do passado e do futuro. Os colecionadores de discos de vinil têm no mundo da web uma excelente fonte para pesquisar as águas do passado. Se, no futuro, vamos ou não virar robôs, seres monitorados , despersonalizados e até desumanizados pela ascensão das máquinas cibernéticas, esse é um dilema que o presente nos coloca, e que nós mesmos teremos que resolver. Como diz, sabiamente, alguém que admiro muito, “o problema não está na tecnologia, mas no uso que se faz dela”. Para imaginar os caminhos do futuro, porém, sempre valerá á pena dar uma olhadinha no passado...

Extraído do sítio Direto da Redação

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