1 de abril de 2013

BAMBOLETRAS: A PEQUENA ALDEIA GAULESA DO NOVA OLARIA - Milton Ribeiro

Sem auto-ajuda, vampiros e tons. Foto: Ramiro Furquim / Sul21

Cercada por megalivrarias e sem nenhuma poção mágica a que possa recorrer, a irredutível Bamboletras resiste. Alheia ao modelo triunfante de livrarias onde os livros são procurados em terminais de computador – Vou ver se tem, poderia soletrar para mim?, diz o atendente, dirigindo-se a um terminal livre — , na pequena Bamboletras a resposta vem imediata e a caminhada é até a estante. Com um dedo, o livro é puxado e mostrado e, se o usuário perguntar, poderá ouvir uma opinião a respeito. Os livros do acervo não são quaisquer. Tudo é escolhido e conhecido pela dona e seus funcionários. Pois quem entra na Bamboletras sente que ali a literatura não está pressionada (ou demolida) sob pesadas cargas de auto-ajuda, vampiros e tons.

A dona e responsável pela pequena e acolhedora Bamboletras é Lu Vilella, a jornalista com pós-graduação em literatura que a criou há 18 anos. “Quando eu estava na pós, enquanto meu gosto ia ficando mais requintado, notei que todos os títulos que eu queria ou precisava ler não estavam nas livrarias. Então eu pensei que Porto Alegre precisava de um local especializado em literatura”.

“Se a comunidade não demonstrasse interesse numa pequena livraria de qualidade, nós simplesmente fecharíamos”. Foto: Ramiro Furquim / Sul21

No começo, o foco era a literatura infantil como o nome denuncia: Bamboletras, bambolê de letras. “E comecei a vender livros infantis. A Bamboletras era a única onde as pessoas podiam escolher entre um Ou isto ou aquilo de Cecília Meirelles, ou um Drummond, um Quintana, um Guimarães Rosa ou um Erico para seus filhos”. A livraria foi fundada na Rua da República, 95, onde permaneceu apenas um ano. Depois mudou-se para onde está hoje, no Nova Olaria. “O lugar da Bamboletras é aqui. Recebi convites para abrir filiais em todos os shoppings que abriram, mas meu lugar é aqui”, conta Lu. Logo ampliou seu acervo para abarcar a literatura nacional e estrangeira, o ensaio, a poesia e o que se vê hoje é uma espécie de crescente acervo básico, onde os bons livros são substituídos assim que vendidos. “Quem é apaixonado ou viciado em literatura, aqui na cidade, já foi levado a visitar a Bamboletras por um motivo ou outro, tenho certeza”, completa com simplicidade.

E as megalivrarias? “Quando a Livraria Cultura apareceu em Porto Alegre, a Bamboletras sentiu o impacto”. Naquela época, Lu reuniu sua equipe e disse que teriam que melhorar em tudo: na organização do espaço, no acervo, no atendimento e na atenção para as boas novidades. “Porém, se a comunidade não demonstrasse interesse numa pequena livraria de qualidade, nós simplesmente fecharíamos, pois, se é para vender qualquer coisa, prefiro fechar. Eu só vendo o que conheço e gosto”.

Os banquinhos culturais da Bamboletras. Foto: Ramiro Furquim / Sul21

O primeiro ano de convivência com as megalivrarias foi complicado. Houve um mês de dezembro – mês de colheita para os livreiros – em que as vendas caíram muito. “Eu me desesperei, porém, lentamente, os clientes retornaram em função das sugestões, da orientação, da conversa, do antigo vínculo, da amizade. Nosso público é o da literatura. Aqui não tem 50 tons de nada. Às vezes, entram umas pessoas aqui atrás de best sellers. Neste caso, ou o cara se adapta — e há muitos que se apaixonam por nós — ou vai embora. É que aqui nosso banquinho é da Frida ou da Tarsila, os marcadores são do Dali, os imãs de geladeira são de Tchékhov, Kafka ou Klimt, os livros são diferentes do comum. Às vezes, boto em destaque livros de poesias da Sophia de Mello Breyner Andresen, por exemplo. Então o cara que entra se pergunta que porra é essa, optando por ficar ou não. Já o cara da área, o que já curte cultura, se sente em casa”.

Hoje, Lu diz que está em seu barquinho vendendo livros entre vários pesqueiros japoneses – Cultura, FNAC, Saraiva, etc. “Minhas entrevistas para contratar funcionários começam por ‘Qual foi o último livro que tu leu?’ ou O que tu tá lendo agora?’ e ‘Quais são teus escritores preferidos?’. Se as respostas não forem aquelas típicas de quem é apaixonado, não rola, não tem como. Preciso me diferenciar, preciso de gente conhecedora. A Bamboletras abre das 10 às 22h, tenho que administrá-la, não posso atender todo mundo, ainda mais que vendo 90% do meu estoque na loja, só 10% são encomendas”.

“Não é nenhuma novidade que as pessoas gostam de conversar”. Foto: Ramiro Furquim / Sul21

Lu diz que ela e suas vendedoras sabem quem é cliente de literatura, das sociais, de poesia, da psi, dos quadrinhos e que a ordem é observar e conversar. “Não é nenhuma novidade que as pessoas gostam de conversar… Por exemplo, hoje veio uma cliente atrás do CD do Buena Vista. Eu o tinha e o assunto derivou para a história do filme, para o Ry Cooder e o Wim Wenders, para o bloqueio a Cuba, daí eu mostrei mais CDs do Cooder e de música cubana. Então não é só o livro, há todo o universo cultural que a gente tenta apresentar como se pode fazer numa loja”.

O diálogo entre as artes. Foto: Ramiro Furquim / Sul21

Sempre houve CDs na Bamboletras: jazz, eruditos, alternativos, MPB e bossa nova. “A boa música está linkada com o bom livro e o bom filme, eles dialogam, não são dissociados. Hoje vendo também DVDs, mas só coisa pouco perecível. Antonioni, Fellini, Bergman, Rossellini, etc., que estão no catálogo da Versátil.

Mas há situações bastante graves. Lu Vilella diz que o tamanho das megalivrarias e o fato de elas possuírem administrações centralizadas garante a elas lucro maior. Enquanto livrarias como a Bamboletras compram continuamente pequenas quantidades, as mega fecham pacotões por preços unitários menores. O preço de capa deveria ser o mesmo, mas isso é só teoria. “As megalivrarias compram tão barato que acabam não respeitando o preço de capa e vendendo por menos. Na Europa não tem conversa, o preço de capa é sempre respeitado. Aqui, as megas e suas compras centralizadas estão mudando para pior a cadeia do livro. Antes, quando eu não tinha um livro, pedia para um distribuidor gaúcho e recebia o volume poucas horas depois. Como as megas não compram mais dos distribuidores locais, eles estão falindo e nós temos que comprar direto da editora, pagando frete, tendo que obedecer aos pedidos mínimos delas, etc., que são coisas que prejudicam a diversidade do meu acervo. Nisto, as megas nos prejudicam muito, além de lucrarem mais e ficarem cada vez mais mercadão. Minhas encomendas não estão tão rápidas como eram antes por culpa do fechamento das distribuidoras”.

Um miraculoso estoque: pequeno, mas onde tudo interessa. Foto: Ramiro Furquim / Sul21

E cita: “Em Paris e em várias cidades europeias, as pequenas livrarias são consideradas patrimônios culturais das comunidades, elas são protegidas das megas. Aqui não tem nada”.

Lu Vilella afirma que há algumas questões a respeito do livro que deveriam ser revistas pelos políticos. O preço fixo de capa é uma delas. Ela diz que se a Bamboletras não a absorvesse tanto, estudaria as leis de outros países para conversar com mais propriedade com os políticos que são clientes da livraria. “Há questões que deveriam ser mexidas antes que todas as livrarias fiquem com o mesmo estoque, mais ou menos como é a Feira do Livro”.

E, aproveitando o gancho, finalizamos perguntando por que a Feira do Livro é tão repetitiva e ruim. A resposta vem simples: “É que na Feira há poucos livreiros, e quem tem diversidade de acervo? As editoras e os distribuidores é que não”.

Extraído do sítio Sul21

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