5 de abril de 2013

TODOS OS CONTOS ÍNTIMOS DE CLARICE LISPECTOR - Maria Espirito Santo

Os 35 anos da morte da escritora brasileira são assinalados com a exposição “Clarice Lispector - A Hora da Estrela” que chega amanhã (5) ao museu Gulbenkian, em Lisboa.


Rio de Janeiro, 1961. “Mamãe, eu não quero usar a minha capa de chuva”. É assim que Paulo começa um bilhete à mãe, Clarice, a justificar o porquê de não vestir uma capa (que logo desenha mais abaixo) porque, entre outras coisas, é “muito chique”. As cartas trocadas, os documentos pessoais, as fotografias, as relações de Clarice Lispector, uma das autoras brasileiras mais adoradas. Um percurso para ser percorrido a partir de amanhã no museu da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

A exposição é para leigos e fãs, num “faça o favor, a quem quiser entrar”. A anfitriã é a própria Clarice que fala para o convidado. Na primeira sala, só as imagens aumentadas da escritora estão iluminadas e as frases, muitas, como esta, a primeira com que nos deparamos: “Ver é a pura loucura do corpo”. Mas há outros pedaços aleatórios da sua obra. Júlia Peregrino, uma das curadoras, explica o porquê de não haver datas nem informações adicionais: “A exposição não tem nenhum carácter biográfico, pelo contrário. Eu e o poeta Ferreira Gullar queríamos mostrar apenas flashes da obra dela”.

Júlia encontrou Clarice ainda adolescente com o livro “A Paixão Segundo G.H.”. Há anos que está ligada à sua obra e esta é a segunda exposição que orienta. Entre os 700 mil visitantes, já teve as mais incríveis reacções, desde “tenho que ir comprar um livro dela” a “ela escreveu isso para mim, eu tenho a certeza”. Foi Júlia a responsável por outra exposição recente sobre um escritor, desta vez português, “Fernando Pessoa - Plural como o Universo”. O que lhe agrada é o desafio, tornar os visitantes em novos leitores.

Há paredes imaculadas e uma cama velha no centro, na sala seguinte. É uma referência à “Paixão Segundo G.H.”, de 1964, que conta a história de uma mulher num frente-a-frente com uma barata. O colchão é uma referência a um dos episódios trágicos da vida de Clarice: a escritora era fumadora e uma vez adormeceu com um cigarro aceso na cama, o que resultou numa grave queimadura que lhe desfigurou a mão. A sala seguinte é o culminar dessa loucura apresentada no enredo - mas não há cá spoilers, ficamos por aqui.

AS GAVETAS Há polaroids e frases sobre as coisas simples da quotidiano, sobre a praia ou o cão, no núcleo seguinte. Ali ao lado, é projectada a única entrevista que alguma vez deu, em 1977, e que exigiu que só fosse divulgada depois de morrer.

Na passagem por um cubo iluminado que nos mostra por onde Clarice passou - a autora foi casada com um diplomata e viajou um pouco por todo o mundo - chegamos a uma espécie de divisão secreta. Nos armários escuros que percorrem as paredes há 1089 gavetas. 35 podem ser abertas, para revelar pedaços de Clarice, qual ladrão em lar alheio. Imagens antigas, manuscritos rabiscados, a carteira de jornalista, correspondência entre amigos e família. Numa destas cartas, a amiga e escritora Lydia Fagundes Telles dá-lhe os parabéns pelo novo livro e agradece as dicas para a mudança de visual. Já numa outra, escrita à máquina - e com algumas correcções a caneta - Clarice pergunta ao filho se lhe pode comprar um remédio para as aftas e conta-lhe que o Botafogo ganhou ao Flamengo por 2-0. Noutra ainda, dirigida ao Presidente, explica-lhe porque devia ter nacionalidade brasileira - Clarice nasceu na Ucrânia.

“Clarice Lispector - A Hora da Estrela” estreou-se no Museu da Língua Portuguesa em São Paulo em Abril de 2006. Depois passou pelo Rio de Janeiro, também Brasília e pela Feira Internacional do Livro de Bogotá, antes de chegar a Portugal. A exposição é sempre a mesma, adaptando-se aos espaços que visita. Em Lisboa, e integrado nas comemorações do Ano do Brasil em Portugal, é possível apreciar “Clarice Lispector - A Hora da Estrela” até 23 de Junho.

Além das visitas guiadas, a exposição conta com uma série de actividades paralelas: das oficinas para famílias a conversas com convidados como Lídia Jorge ou Ana Vidigal e também performances feitas no próprio espaço da exposição.

Extraído do sítio ionline.pt

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários serão moderados. Não serão mais publicados os de anônimos.