15 de maio de 2013

CHEGA AO BRASIL LIVRO QUE RETRATA O "JOVEM" CANTOR FRANK SINATRA

Em 1965, o jornalista americano Gay Talese foi enviado de Nova York para Los Angeles, pela revista Esquire, com a missão de entrevistar o astro Frank Sinatra. A conversa havia sido previamente acertada entre o editor da publicação e o assessor do cantor.


Há pelo menos 30 publicações de fôlego sobre o artista.Contudo, perto da hora combinada, Sinatra mandou avisar que não iria. Motivo: andava chateado com as insinuações da mídia sobre um suposto envolvimento dele com a máfia e, para completar, pegou um resfriado. Enquanto tentava remarcar o papo com o artista (o que nunca aconteceria), Talese colheu por alguns meses depoimentos de personagens intimamente ligados à rotina do ídolo gripado.

O fim da história é que, sem ter trocado uma palavra sequer com o objeto de sua apuração, Talese construiu um dos perfis mais celebrados do jornalismo literário, publicado na Esquire no ano seguinte e, posteriormente, na coletânea Fama e anonimato. O escritor nova-iorquino James Kaplan também não pôde conversar com a lenda da canção americana para realizar a biografia Frank — A voz, que chega esta semana às lojas brasileiras. Mas por outra razão. Quando começou a escrevê-la, em 2004, o cantor havia partido há seis anos.

Confira trecho do primeiro capítulo do livro

A criança é o pai do homem: uma boca lindamente
formada, 
um ávido olhar azul. Foto não datada de Frank quando tinha em torno de seis meses.

Uma tarde fria e úmida de um domingo de dezembro, em 1915, um dia mais parecido com o século anterior do que com o novo, entre os prédios de apartamentos de estrutura de madeira e as ruas de pedras arredondadas salpicadas de bosta de cavalo da Little Italy de Hoboken, também conhecida como Guinea Town. O ar cheira a fumaça de carvão e neve iminente. A cozinha do apartamento sem água quente na Monroe Street está cheia de mulheres, todas reunidas em torno de uma mesa, gritando ao mesmo tempo. Em cima da mesa está uma garota de cabelos avermelhados, de apenas dezenove anos, imensamente grávida. Ela geme com voz rouca: o trabalho de parto está parado. A parteira enxuga a testa da pobre garota e gesticula com a outra mão. Chamam um médico. Dez longos minutos depois ele chega, tira o sobretudo, e com um olhar severo ao redor da sala — é o único homem presente — abre sua pasta preta. Da coleção de objetos metálicos brilhantes que carrega tira o temido fórceps obstétrico, um instrumento de aparência medieval, e com ele pega o bebê, puxando-o forte do ventre da mãe e, nesse processo violento, rasga terrivelmente o lado esquerdo do rosto e do pescoço da criança, bem como sua orelha esquerda. 

O médico corta o cordão umbilical e deposita o recém-nascido — um menino enorme, azul, sangrando de seus ferimentos e aparentemente morto — na pia da cozinha, e volta rapidamente seus esforços para salvar a vida da mãe quase inconsciente. As mulheres se inclinam, esfregam o rosto pálido da mãe, gritam conselhos em italiano. Uma mulher que está nos fundos da confusão — talvez a mãe da mãe, talvez outra pessoa — olha para o bebê inerte e tem pena. Ela pega o recém-nascido, joga um pouco de água gelada da pia sobre ele e bate em suas costas. Ele estremece, funga e começa a uivar. 

Mãe e filho sobreviveram, mas nenhum dos dois jamais esqueceu a brutalidade daquele dia de dezembro. Frank Sinatra carregou as cicatrizes de seu nascimento, tanto físicas quanto psicológicas, até o fim de seus dias. Uma foto do bebê angelical feita algumas semanas depois que nasceu foi propositadamente tirada de seu lado direito, uma vez que as feridas do lado esquerdo do rosto e do pescoço ainda estavam com aparência inflamada. Ao longo da vida vastamente documentada de Sinatra, em raras ocasiões ele seria fotografado de seu lado esquerdo, sobretudo se tivesse algo a ver com a foto. Uma cicatriz, difícil de disfarçar (embora com frequência retocada com aerógrafo), descia em diagonal do canto inferior esquerdo de sua boca para a sua linha da mandíbula. A orelha daquele lado tinha um lobo bifurcado — a clássica couve-flor —, mas isso era o de menos: os relevos delicados do ouvido externo esquerdo estavam amassados, dando a aparência, em fotos mais antigas, de um damasco atropelado por um rolo compressor. A única conexão entre o mundo sonoro e o canal auditivo externo — o buraco do ouvido — era uma fenda vertical. Uma cirurgia plástica feita mais tarde corrigiria o problema, até certo ponto. Isso não era tudo. Na infância, uma operação de mastoide deixaria uma cicatriz proeminente em seu pescoço, atrás de base da orelha. Um caso grave de acne cística na adolescência agravou sua sensação de deformação: depois de adulto, ele aplicaria base Max Factor no rosto e no pescoço todas as manhãs e, de novo, depois de cada um dos banhos de chuveiro que tomava diariamente.

Frank, A Voz Companhia das Letras. 752 págs. R$ 69.

* Publicado originalmente em Correio Braziliense.

Extraído do sítio Portal Vermelho

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários serão moderados. Não serão mais publicados os de anônimos.