1 de maio de 2013

SANTA MARIA DA FEIRA DO LIVRO - Iuri Muller

A foto aparentemente é da 5° Feira do Livro da cidade, ainda nos anos 1980.

Era, se não me engano por muito, 1999 ou 2000. Eu tinha oito anos ou um pouco mais do que isso e, no meu colégio, alguém resolveu que encenaríamos uma peça sobre o Menino Maluquinho. Faz muito tempo para que eu possa lembrar dos critérios, mas tenho minhas dúvidas sobre o processo de escolha do papel principal. Deve ter sido sorteio ou algo parecido, porque coube a mim representar o personagem de Ziraldo – em plena Feira do Livro de Santa Maria.

Às vezes, as pequenas cidades destoam uma vez por ano, no melhor dos sentidos. É o caso de Santa Maria, que nem é tão pequena assim, com a sua feira de outono. Todos os anos, quando o calor arrefece e começam as primeiras chuvas, a Praça Saldanha Marinho se tapa de lonas e de livros. Sempre ouvi dizer que, ainda que seja no interior do Rio Grande do Sul, trata-se de uma das maiores do gênero no país. E é por ver tanta gente circulando entre as estantes que quase fugi da primeira, e até agora única, oportunidade de redenção no teatro.

A concentração para a peça era no próprio colégio, que não fica cinco minutos distante da praça. Lembro que cheguei cedo demais e aleguei, sem muita demora, padecer de terríveis câimbras: não era uma desculpa definitiva, talvez tenha sido o argumento pensado paratestar a reação dos professores. Câimbras. Eu devo ter tirado a absurda justificativa de um dos jogos de futebol que assistia na Baixada Melancólica, o estádio do Internacional de Santa Maria.

Alguém sugeriu que eu estivesse nervoso. Afinal de contas, era o papel que exigia mais falas, mais gestos, e bastante gente assistiria. Há teatros infantis nas tardes de Feira do Livro desde sempre. Neguei de pronto. Como poderia aceitar a responsabilidade de ser o Menino Maluquinho, se ficaria nervoso na primeira chance? Tomei uns goles de água mineral – que simulei ser o trago possível para os meus oito anos de idade – e partimos, em caravana, para a Saldanha Marinho.

Faltam recordações sobre o sucesso ou o desastre que pode ter sido. Creio que se tivesse sido de fato muito ruim, restaria um trauma até hoje, e mesmo forçando a memória não me chega uma cena sequer da atuação como Menino Maluquinho. Desde então, passaram pela cidade muitos patronos, bancas abriram e fecharam, livreiros encheram os bolsos e também perderam dinheiro: mas Santa Maria nunca ficou sem os livros na praça em abril.

Penso que não há dia melhor para ir ao evento do que nos dois domingos que coincidem com a programação. Porque Santa Maria é uma cidade inviável aos domingos, ainda mais os cinzentos, de chuva fraca e desolação nas ruas. Pelas manhãs, apenas o cheiro do churrasco assado nos bairros avisa que há existência humana. As tardes – vazias – só valem a pena se há futebol. E à noite, felizmente, a cidade ganha maiores sopros de vida e é possível caminhar com maior tranqüilidade no rosto.

Nos últimos anos, me dividia na feira entre o café vendido nas barraquinhas de crepe, a atenção aos balaios da livraria Ana Terra e as conversas que, com a literatura por perto, parecem ainda melhores. Sempre preferi o evento local do que a feira de Porto Alegre, embora quase sempre viajasse, nem que seja por um fim de semana, para os jacarandás da Praça da Alfândega. É que em Santa Maria, por pequena e calorosa, sempre sobrou espaço para que a sinceridade achasse o seu lugar entre os balaios de saldos e as grandes coleções.

Extraído do sítio Sul21

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