19 de agosto de 2013

FAZENDA DOS CAYRES: O ELO PERDIDO DA VINICULTURA PORTUGUESA NO BRASIL? - Rogerio Ruschel

Arqueólogos encontraram resquícios de uma fábrica de vinhos artesanais da primeira metade do século XX no sítio arqueológico Chácara Cayres, no município de São Bernardo do Campo, distante 20 quilômetros de São Paulo. O proprietário Aurélio Fonseca Fernandes Cayres, português dos quatro costados, utilizava a chácara para lazer familiar, mas produzia uva e vinho com tecnologias importadas: experiência portuguesa, barris de carvalho franceses, rolhas do Alentejo e garrafas europeias de grés. De acordo com os arqueólogos, a adega mostra resquícios de ter possuído até 32 barris e quatro tonéis e os vinhos produzidos poderiam ser - pelo menos na intenção - do tipo "Douro" e também o famoso "Vinho Verde" português. Seria o elo perdido da vinicultura portuguesa no Brasil?

Se você pensa que foram os italianos que "inventaram" a vinicultura no Brasil, anote: foram os portugueses. Os portugueses tinham tudo para serem os grandes produtores de vinho em nosso país, até porque têm grande experiência - se produz e consome vinho em Portugal há pelo menos 2.500 anos. E são grandes consumidores: nas treze caravelas que partiram de Portugal com Pedro Alvares Cabral e chegaram ao Brasil em 1500, estavam pelo menos 65 mil litros de vinho para consumo dos marinheiros!

E também foram os portugueses que introduziram a uva em nosso país; considera-se o donatário da Capitania de São Vicente, o português Martim Afonso de Sousa, em 1532, o primeiro vinicultor em terras brasileiras, ao plantar videiras vindas da Ilha da Madeira no litoral paulista - infelizmente com pouco sucesso devido às condições climáticas. Então, optaram por cultivar cana de açúcar, especialmente no Nordeste, com mão de obra escrava, não só porque existia grande mercado internacional para o açúcar e porque a cachaça era muito bem vinda nos eventos sociais, mas também por questões de estratégia de política interna. É que para garantir a comercialização de seu vinho para o Brasil e evitar uma eventual concorrência, Portugal proibiu a fabricação de vinhos na colônia entre 1789 até 1808, ano da transferência da coroa portuguesa para o Brasil. Isso permitiu que muitos nobres ficassem ricos exportando enormes toneis de vinho português para o Brasil.

Hoje pode-se considerar essa decisão um erro estratégico, mas como saber que o Novo Mundo poderia se tornar um grande produtor mundial de vinho nos idos de 1780? Como registro histórico deve-se dizer que desde 1650 os jesuítas produziam vinhos no Brasil, na região sul do país (e também nas Missões Jesuíticas de países do atual Mercosul), mas basicamente para consumo religioso. Mas foi isso que aconteceu: os italianos assumiram a liderança da produção de vinhos em terras tropicais a partir de 1870, mesmo tendo chegado ao Brasil mais de três séculos depois dos portugueses. Junto com a uva e o vinho os italianos trouxeram seu idioma, cultura, música e jeito de ser que caracterizam regiões do Brasil, especialmente a cidade de São Paulo e a Serra Gaúcha, onde em Caxias do Sul é comemorada a Festa da Uva (na foto, as rainhas e princesas da festa, em 1934).

Se a família Cayres tivesse continuado o trabalho do Sr. Aurélio depois de sua morte, talvez hoje pudéssemos ter um pequeno e charmoso vinhedo português na Grande São Paulo, algo assim como o pequeno e badalado vinhedo "Clos de Montmartre", no bairro boêmio e vizinho da igreja Sacre Couer, em Paris, com míseros 1.556 m², "engolido" pelo crescimento da capital francesa e que hoje gera receita e prestígio para a Prefeitura de Paris.

Mas o pequeno e simpático vinhedo português perdido no tempo, na memória dos brasileiros e portugueses e na poeira do progresso da gigantesca metrópole urbana teria uma grande vantagem: estaria ao largo da Via Anchieta, uma rodovia que recebe milhares de veículos por dia em direção ao mais importante porto brasileiro e a algumas das mais concorridas praias do Brasil. Já pensou na oportunidade turística disso?

Divulgação | In Vino Viajas
Rogério Ruschel é enófilo, jornalista, professor universitário, viajante inveterado e aprecia muito - mas muito mesmo - vinhos portugueses. Edita o blog In Vino Viajas sobre enoturismo e turismo de qualidade.

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