3 de agosto de 2013

MANUEL BANDEIRA: O COTIDIANO E A SUBJETIVIDADE - Carlos Augusto Viana

Trata-se de uma coletânea de poemas organizadas pelo próprio autor, em 1961, síntese de sua obra.

O poeta, cronista, ensaísta, memorialista e professor de literatura, Manuel Bandeira, protagonizou uma sólida e fértil carreira literatura, partindo de 1917, com o livro de poemas "A cinza das horas", indo até 1968, quando publicou uma reunião de crônicas, sob o título "Colóquio uniliteralmente sentimental", pouco antes de sua morte. É, sem dúvida, o escritor que, em poesia, melhor encarna a alma brasileira, isto é, esse nosso desejo de viver nos outros, de, pelo humor e pela ironia, vencer as dilacerações cotidianas, reinventando as perdas.

Detalhe da capa do livro "Antologia Poética", de Manuel Bandeira. Reúnem-se, aqui, poemas selecionados pelo próprio autor, extraídos de sua obra primeira "A cinza das horas" até "Mafuá do malungo"
A leitura progressiva de "A cinza das horas" a "Mafuá do malungo" delineia, com precisão, os caminhos por que se orientou a escritura do poeta pernambucano do Brasil. Foi o único poeta que, iniciando a sua trajetória na primeira década do século passado, percorreu, passo a passo, com paciência e dedicação, as diversas fases de nosso discurso poético. Suas primeiras composições orientaram-se consoante os ditames do Parnasianismo e Simbolismo, ainda que, desde o primeiro livro, já cultivasse textos modernistas, especialmente os inspirados em cantigas roda ou em quadras populares. No entanto, o sujeito lírico permanecia sob a égide de uma inércia espiritual, entregue completamente a uma autocomiseração, a um desconsolado desejo de renúncia.

A revolução

Em 1930, Manuel Bandeira publicou o livro "Libertinagem"; com este, não apenas se integra por completo ao espírito modernista, como aponta novos e frutíferos caminhos para a estética, já esgotada de suas primeiras tentativas. Comporta uma riqueza de temas e técnicas, até então ainda não experimentadas. Toda a atmosfera que envolve os textos é tomada por humor, ironia, através de uma linguagem extremamente coloquial, visando a um lirismo só libertação, como, em "Porquinho-da-Índia": "Quando eu tinha seis anos / ganhei um porquinho-da-índia. / Que dor de coração me dava / porque só queria estar debaixo do fogão! / Levava ele pra sala / pra os lugares mais bonitos mais limpinhos / ele não gostava: / queria era estar debaixo do fogão. / Não fazia caso algum das minhas ternurinhas. / O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada" (p.107). Em vez da mágoa e do desespero ante o desprezo da mulher amada, o eu lírico lança mão do humor, bem como do ar de brincadeira que vai em direção a uma reflexão séria, envolta em ambiguidades, em imagens sugestivas, singulares, conduzindo o leitor ao território do estranhamento

Leituras

No livro "Estrela da Manhã", há um poema intitulado "Balada das três mulheres do sabonete Araxá". Inspirado em um anúncio de sabonete, traz em seu bojo uma riqueza de intertextualidades, conforme o espírito das composições pós-modernas: "As três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me bouleversam, me hipnotizam… / Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às três horas da tarde! / O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!" (p.141). Além da citação de Ricardo III, de Shakespeare, há, neste poema, alusões a Castro Alves: "A mais nua é doirada borboleta"; a Luiz Delfino: "São as três irmãs?"; a Olavo Bilac: "Que outros, não eu, a pedra cortem / para brutais vos adorarem"; bem como ao cancioneiro popular: "Mulatas cor da lua vem saindo cor de prata". Um desejo de fuga para um mundo mágico, sensual e desinibido.

Considerações finais

Nesta sua antologia, Manuel Bandeira diz muito da natureza de seu discurso poético. Mostra-nos, antes de tudo, que, com a mesma habilidade, tece versos brancos e livres ou rimados e metrificados; rompe, definitivamente, com as barreiras que, antes, foram fincadas para a delimitação dos territórios da prosa e da poesia. Predomina, ao longo de toda a sua escritura, o lirismo do eu, o tom confessional, mas o cotidiano jamais desaparece de suas preocupações; antes, colhe do cotidiano o material para a construção do poético - assim, os elementos do real sofrem, constantemente, um processo de transmutação.

LIVRO: Antologia Poética - Manuel Bandeira - GLOBAL - 2013, 368 Páginas - R$ 49,00.

Extraído do sítio Diário do Nordeste

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